Outdoor de Jair Bolsonaro em Rondônia (Foto: Reprodução)

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Cientistas alertam para risco de “Bolsocalipse” na Amazônia

Modelo indica que desmatamento atingiria uma área maior que a de Rondônia em 10 anos caso controles ambientais acabassem num eventual governo Bolsonaro, empurrando floresta para limiar do colapso

23.10.2018 - Atualizado 11.03.2024 às 08:28 |

DO OC – O desmatamento na Amazônia pode atingir a casa dos 25 mil quilômetros quadrados ao ano caso Jair Bolsonaro seja eleito e ponha em prática suas ideias de dinamitar os órgãos ambientais no Brasil. Em uma década, a floresta poderia perder 256 mil quilômetros quadrados, o equivalente a pouco mais que a área de Rondônia.

Nesse cenário, o desmatamento acumulado chegaria a 1 milhão de quilômetros quadrados, quase 24% da área do bioma, nível no qual alguns cientistas preveem que metade da floresta entraria em colapso, sendo substituída por uma savana empobrecida. Até hoje a Amazônia já perdeu cerca de 750 mil quilômetros quadrados.

A conta foi feita por quatro pesquisadores do Brasil, da Áustria e dos Estados Unidos. Eles usaram o mesmo modelo econômico de computador que o governo brasileiro utilizou em 2015 para construir sua NDC, a meta do Acordo de Paris.

Os autores admitem que trata-se de um cenário extremo: uma espécie de “Bolsocalipse” ambiental. Nele o virtual eleito no próximo domingo cumpriria todas as ameaças que tem feito de extinguir o Ministério do Meio Ambiente, subordinando-o ao da Agricultura, desarmar o Ibama e acabar com sua “indústria de multas” e abrir áreas protegidas como terras indígenas à exploração econômica.

Neste caso, o Brasil deixaria de controlar o desmatamento e apenas as forças de mercado determinariam quanta floresta tombaria.

Um cenário menos extremo, também modelado pelo grupo, é o de um cumprimento displicente do código, sem fiscalização atuante. Neste caso, a Amazônia perderia 62.700 quilômetros quadrados, cifra menos dramática mas ainda assim distante das metas assumidas pelo Brasil em sua lei nacional de clima e no Acordo de Paris. É quase três vezes mais do que se desmataria com um cumprimento rigoroso da legislação.

“O que estamos mostrando é que existe demanda econômica para esse grau de desmatamento na Amazônia”, disse ao OC Aline Soterroni, pesquisadora do IIASA (Instituto Internacional de Análise Aplicada de Sistemas), em Laxemburgo, Áustria, e primeira autora do estudo. A conta foi apresentada pelos pesquisadores na semana passada, num comentário no site ambiental Mongabay.

Soterroni e seus colegas haviam publicado mais cedo neste ano, no periódico Environmental Research Letters, um outro cálculo mostrando como a aplicação estrita do Código Florestal poderia reduzir emissões de carbono – e ajudar a cumprir a meta do Brasil – ao estimular a intensificação da pecuária. O cumprimento da lei demanda um aumento de 56% na produtividade dos pastos no Brasil até 2050.

O estudo foi feito com o Globiom, um modelo de computador desenvolvido pelo IIASA que simula as mudanças no uso da terra com base na dinâmica da economia. O Globiom foi usado pelo pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) Gilberto Câmara e seus colegas para subsidiar as metas da NDC brasileira – zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 e recuperar ou reflorestar 12 milhões de hectares no país.

Após o resultado do primeiro turno das eleições, Soterroni e seus colegas Fernando Ramos, do Inpe, Michael Obersteiner, do IIASA, e Stephen Polasky, da Universidade de Minnesota (EUA), revisitaram o Globiom para tentar estimar o impacto de uma eliminação dos controles ambientais no caso de vitória de Bolsonaro.

O que o modelo mostrou foi que o desmatamento entre 2021 e 2030 retornaria ao patamar visto no começo dos anos 2000, quando chegou a 27 mil quilômetros quadrados (2003-2004), antes da adoção das políticas de controle da devastação no governo Lula. “Basicamente a gente volta ao passado”, disse Ramos.

Segundo ele, essas políticas, se implementadas, tendem a abortar a tendência ao aumento da produtividade da pecuária que se tem observado no Brasil nos últimos anos, porque abrirão um grande estoque de terras ao setor produtivo. Com terra barata e de acesso fácil, desaparece o estímulo ao pecuarista para tentar criar mais bois num hectare. “É o mesmo modelo de ocupação da Amazônia dos militares.”

Apenas as áreas protegidas perderiam, nesse cenário, 46 mil quilômetros quadrados de mata, uma área equivalente à do Espírito Santo.

Segundo Soterroni, a demanda por carne e grãos produzidos sob condições ambientais e de produtividade tão ruins é grande porque 90% do desmatamento é feito para pecuária, cuja produção é 80% destinada ao mercado interno. Pressões de compradores internacionais de grãos têm efeito limitado sobre esse desmatamento.

No entanto, o Brasil pode perder mercados por outro aspecto: o de emissões de carbono. Num “Bolsocalipse”, somente o desmatamento da Amazônia emitiria 1,3 bilhão de toneladas de CO2 equivalente por ano – é mais do que o total que o Brasil se comprometeu a emitir em todos os setores da economia em 2030. Isso equivale a 3% de tudo o que o mundo emite por queima de combustíveis fósseis.

Com emissões dessa ordem, o Brasil não conseguiria cumprir sua meta de Paris, o que teria repercussões negativas para o comércio exterior, principalmente de commodities agrícolas. “O Brasil vai se tornar um pária ambiental”, diz Ramos.

(CLAUDIO ANGELO)

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