Coral branqueado nas Maldivas em 2016 (Foto: The Ocean Agency/XL Catlin Seaview Survey)

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Amazônia pode ter 90% da fauna sob risco térmico em 2050

Novo estudo afirma que aquecimento lançará espécies no precipício bem antes do fim do século; oceanos tropicais já podem estar chegando lá

08.04.2020 - Atualizado 11.03.2024 às 08:29 |

CLAUDIO ANGELO
DO OC

No meio do século, grandes áreas da Amazônia terão entre 80% e 100% de suas espécies de animais abruptamente expostas a temperaturas jamais experimentadas por elas. Algumas podem não resistir e se extinguir, provocando um efeito-cascata em todo o ecossistema.

Os resultados são de um novo estudo que mostra como o aquecimento global pode impactar a fauna em todo o planeta, com efeito mais severo nos trópicos.

Se nada for feito para conter emissões de gases de efeito estufa, antes do fim do século 81% dos grupos de espécies terrestres e 37% dos de espécies marinhas terão ao menos uma espécie vivendo além do limite de temperatura. Nos trópicos, onde os bichos já vivem perto do limite, 68% dos grupos de espécies terrestres e 39% dos de espécies marinhas terão ao menos 20% de suas espécies vivendo em superaquecimento.

Regiões como a Amazônia, o Sahel, o noroeste da Austrália e o Sudeste Asiático poderão ter 90% de suas comunidades de animais empurradas para além do limite de temperatura no qual elas evoluíram por milhares de anos. Pior ainda: em muitos casos a virada será abrupta, ou seja, ocorrerá em intervalos de tempo muito curtos, de uma década ou menos. É o caso da Amazônia, onde a maior parte das espécies entra na zona quente por volta de 2050.

Isso não significa necessariamente extinção, mas indica que todo o ecossistema foi empurrado para a beira de um precipício. Algumas espécies podem cair imediatamente. Outras podem ficar tão na beirada que qualquer peteleco pode fazê-las despencar.

“A exposição marca o ponto a partir do qual nós entramos em território desconhecido e nossa incerteza sobre a capacidade de uma espécie sobreviver na natureza aumenta dramaticamente”, diz Alex Pigot, do University College de Londres. O biólogo e mais dois colegas da África do Sul e dos EUA publicaram o estudo nesta quarta-feira (8) na revista científica Nature.

Percentual de espécies expostas na pior década (no alto) e ano da exposição (acima)

Percentual de espécies expostas na pior década (no alto) e ano da exposição (acima)

E talvez nem seja preciso esperar 20 anos para começar a ver esses efeitos. As projeções do trio de pesquisadores indicam que os oceanos tropicais podem ter suas comunidades animais (“assembleias”, no jargão dos pesquisadores) lançadas na beira do abismo antes de 2030. De fato, pode ser que isso já esteja acontecendo com os recifes de coral.

Em 2020 estamos assistindo ao terceiro evento de branqueamento em massa de corais da Grande Barreira australiana em cinco anos. O branqueamento é causado por ondas de calor marinhas. A temperatura da água sobe tanto que as microalgas que dão cor aos corais não conseguem sobreviver, deixando as colônias brancas – e matando-as de fome.

“Os intervalos entre esses eventos estão ficando cada vez mais curtos, dando menos tempo para os corais se recuperarem”, disse Pigot. “Infelizmente nossos modelos estão projetando que na próxima década o que hoje consideramos uma condição extrema se torne o novo normal.” A exposição ao calor, afirma, pode levar a extinções locais nesse caso.

HORIZONTE CLIMÁTICO

Entender como a biodiversidade sofrerá com a mudança climática tem sido um desafio para os cientistas. Ao mesmo tempo, é fundamental para orientar estratégias de conservação e adaptação. Se um ecossistema pode ser muito afetado pelo aquecimento da Terra, então provavelmente é uma boa ideia conservá-lo hoje para evitar que os efeitos cumulativos de clima, desmatamento e outras formas de exploração predatória acelerem o processo.

No entanto, a maioria dos estudos olha para cenários de extinção de espécies individuais no fim do século, em vez de considerar a perspectiva, mais realista, de uma caminhada de todo o grupo de espécies que partilha um mesmo ambiente para o abismo.

Pigot e seus colegas usaram os resultados de 22 modelos climáticos e os cruzaram com a distribuição geográfica de mais de 30.600 espécies para saber qual era o limite de temperatura tolerado por elas. A partir disso, projetaram o clima futuro segundo três cenários do IPCC, o painel do clima da ONU: o chamado RCP 2.6, no qual o Acordo de Paris é cumprido e o aquecimento fica abaixo de 2oC neste século; o RCP 4.5, um cenário intermediário; e o RCP 8.5, no qual não se faz nada para conter emissões e a temperatura sobe 4oC. As projeções de ruptura do ecossistema amazônico apresentadas acima foram feitas nesse pior cenário.

Mesmo com as promessas dos países no Acordo de Paris para cortar emissões, Pigot acha que é cedo para descartar o cenário 8.5. “Há feedbacks potenciais no sistema terrestre que podem levar a um aumento de emissões por fontes naturais. Isso significa que um grande aquecimento, correspondente ao cenário 8.5, ainda é muito provável se não agirmos agora e depressa.”

“Esse estudo é muito importante e sai em boa hora. Pela primeira vez o impacto sobre espécies do aumento de temperatura causado pelas mudanças climáticas é projetado para coletivos ou assembleias de espécies e não para espécies individualmente”, disse o biólogo Fabio Scarano, da UFRJ e da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável. A boa notícia do trabalho, prossegue, é que se a sociedade global alcançar a meta do Acordo de Paris menos de 2% das assembleias de espécies mundo afora sofreriam disrupções.

“À luz da mudança de comportamento planetário ao longo desse último mês de março, com uma brutal redução na emissão de gases estufa por conta do confinamento, já não parece tão impossível frear a rápida velocidade das mudanças climáticas. Tomara que possamos fazê-lo por sabedoria, ao invés de em resposta a novas pestes, que certamente irão proliferar em um cenário de biodiversidade abruptamente em declínio.”

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