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Pancadaria e cacofonia

Coletes Amarelos protestam contra taxa de carbono na França e, ao mesmo tempo, a favor do clima

14.12.2018 - Atualizado 11.03.2024 às 08:28 |

ALFREDO SIRKIS
ESPECIAL PARA O OC, DE PARIS

Em plena conferência do clima em Katowice, a questão pegava fogo de um jeito torto nas ruas de Paris, nos protestos contra a taxa de carbono associados a uma atitude ambígua na Marcha pelo Clima, no último sábado. O chamados Coletes Amarelos resistiam em massa contra a gasolina cara pelo terceiro final de semana consecutivo. Houve 1.723 prisões. Calcula-se que cerca de 10 mil Coletes Amarelos convergiram sobre diversos pontos da capital. Houve depredações, incêndios de veículos e conflitos com um dispositivo policial bem organizado e contido. Os amarelos extrapolaram a gasolina cara, agora querem também a cabeça do presidente francês, Emmanuel Macron. As violências capturaram o foco da mídia.

Noutro ponto de Paris, a cacofonia, sem porradaria. Também menos mídia para uma manifestação mais numerosa, umas 17 mil pessoas: a Marcha do Clima, no tradicional circuito entre as praças Nation a République. Exigiam “mais ambição” dos governos na COP24, em Katowice, com seu jeitão bicho-grilo. Uma Babel ambulante: o Greenpeace e outras entidades ambientalistas, grupos de extrema-esquerda “anticapitalistas”, coletivos da causa animal ou vegana, LGBTs de vários estilos, sindicalistas da CGT, militantes do Partido Comunista Francês, dos verdes espalhados, coletivos pelo “decrescimento” econômico, anarquistas aqui e ali. O dado mais curioso era a presença de um certo número de… Coletes Amarelos, um toque, convenhamos, surrealista.

Não havia propriamente palavras de ordem unificadoras, as vozes esganiçadas vindas dos carros de som puxavam uns slogans díspares que pouca gente repetia, cada qual preocupado com a própria performance. Num momento decisivo para a causa climática global quando forças reacionárias e negacionistas, simbolizadas por Donald Trump, se assanham e, ao mesmo tempo, os cientistas divulgam dados cada vez mais alarmantes, um happening incapaz de respaldar nenhuma ação estratégica ou tática mais concreta. E essa atitude conciliadora com os “outros que lutam”… estes a favor da gasolina a bom preço emitindo CO2 e poluindo a rodo.

A presença de grupos de Coletes Amarelos também era sintomática de tempos de confusão entrópica. Da extrema-direta à extrema-esquerda, de Marine Le Pen a Jean-Luc Mélanchon, emanam manifestações de “solidariedade” e “compreensão” para com os Coletes Amarelos. Os grupos ditos mais “combativos” das extremas direita e esquerda também se infiltram nesse movimento, essencialmente de uma França mais rural, e participam dos quebra- quebras. Há uma critica, essa pertinente, feita por lideranças ambientalistas à forma de implementação da taxa de carbono sem uma compensação para os rurais e periféricos obrigados a usar mais o automóvel. Também é pertinente a observação de que a taxação do carbono deveria vir no bojo de uma reforma tributária mais abrangente. Macron, ao abolir o imposto sobre fortunas – bastante falho tecnicamente, ineficaz e facilmente contornável pela fuga de capitais –, acabou por vestir a carapuça de “presidente dos ricos”. Foi uma medida politicamente desastrosa.

Na verdade, o sujeito oculto da Marcha do Clima foi também o “Fora, Macron”. Um desejo da moda nestes tempos digitais que vai de encontro a duas realidades bicudas: na era Trump, Emmanuel Macron é o líder internacional mais ativo em relação às mudanças climáticas. A outra: “Fora Macron” e dentro quem? Os Coletes Amarelos tem um tônus trumpiano. Alguns vocalizam querem todo poder para o general Pierre de Villers, demitido por Macron por protestar contra cortes no orçamento. Isso tudo lembra os nossos idos de 2013, no Brasil, que começou como “convergências de lutas” que no fundo ninguém entendeu direito e terminou alguns anos depois da forma como todos sabemos.

Alfredo Sirkis é escritor e jornalista e coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima

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