Pesquisadores medem movimento de geleira na Groenlândia (Foto: Claudio Angelo/OC)

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IPCC, 30: o que dizem os cientistas

16.03.2018 - Atualizado 11.03.2024 às 08:28 |

DO OC – Quinze integrantes e ex-integrantes do IPCC, o painel do clima da ONU, falaram sobre o que eles consideram ser a maior contribuição do painel à humanidade e o maior problema que ele tem à frente. O IPCC completou 30 anos de criação no último dia 13.

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RICHARD ALLEY, Universidade da Pensilvânia

Contribuição decisiva:
“O IPCC tem fornecido informação confiável, útil e sem viés para formuladores de políticas e para o público em geral.”

Desafio:
“Os formuladores de políticas públicas e o público parecem querer insights mais rápidos, customizados ao nível local e às condições regionais, mas mantendo ao mesmo tempo as avaliações completas e confiáveis. Equilibrar as demandas por velocidade e foco e as demandas por visões globais sem erro com recursos limitados é um grande desafio.”

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TÉRCIO AMBRIZZI – USP

Contribuição decisiva:
“Em primeiro lugar, dar visibilidade ao problema das mudanças climáticas. Em segundo lugar, através das discussões levantadas no tema e de sua interdisciplinaridade, houve o fomento de pesquisas na área e também uma maior pressão sobre os governos em investir na ciência das mudança climática.”

Desafio:
“Prover relatórios cada vez mais completos sobre a ciência das mudanças climáticas, deixando claro as incertezas existentes, mas também as certezas, para que os países possam implementar projetos de adaptação e mitigação da fonte principal de aumento da temperatura média global, que são as emissões dos gases de efeito estufa.”

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PAULO ARTAXO, USP

Contribuição decisiva:
“O IPCC teve um papel fundamental na organização da ciência das mudanças climáticas, e em redigir publicações que auxiliaram diretamente governos [os chamados Sumários para Tomadores de Decisão, ou SPM]. Há uma preocupação básica em ser correto e abrangente do ponto de vista científico. Também há a preocupação de separar os tópicos mais importantes para serem incluídos no SPM e dar uma redação inteligível da ciência para os políticos. Mais recentemente, também houve uma preocupação de comunicar a ciência diretamente à população, o que foi importante para que governos tivessem apoio popular nas medidas de mitigação na maior parte dos países.”

Desafio:
“Discutir as melhores estratégias de reduções de emissões e adaptação às mudanças climáticas. Buscar os melhores incentivos de redução de emissões com suporte científico sólido é fundamental para que as políticas publicas sejam bem sucedidas. Se deixarmos que o “mercado” ache a melhor solução do ponto de vista das empresas, teremos problemas se estas soluções não forem baseadas em ciência sólida. A adaptação ao aumento do nível do mar e aos impactos na agricultura e cidades é um desafio enorme para nossa sociedade.”

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JOSÉ GOLDEMBERG, USP/Fapesp

Contribuição decisiva:
“Preparar a base científica que permite entender o que está acontecendo com a atmosfera terrestre à medida que aumenta a concentração de gases do efeito estufa nela, devido ao uso de combustíveis fósseis. Esta contribuição científica é inquestionável e serviu de embasamento para as decisões tomadas pelos governos de limitar as emissões desses gases.”

Desafio:
“Aprofundar os estudos científicos que permitam estabelecer uma relação causal entre o aquecimento global da atmosfera e as suas consequências no nível local (furacões, inundações, secas, etc.). As previsões científicas do IPCC até hoje não permitiram chegar a este nível de detalhe, que seria essencial para eliminar a resistência dos “céticos” em relação ao problema.”

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SUZANA KAHN – UFRJ

Contribuição decisiva:
“Explicitar, diminuindo significativamente o nível de incerteza, a contribuição humana no aquecimento global do planeta e apresentar os impactos associados à elevação de temperatura.”

Desafio:
“Como fazer um ‘downscaling’ de seus modelos de forma a poder identificar impactos locais do aquecimento lobal. Só assim creio que os tomadores de decisão serão mais pressionados a agir. Enquanto os impactos forem apresentados de forma muito agregada, as responsabilidades ficam mais diluídas. Ainda não temos conhecimento suficiente para afirmar que em tal localidade (nível de cidade) o impacto será X, Y ou Z.  São muitas variáveis. Dizer que a temperatura média do planeta sobe é fácil, mas qual o nível de chuva que vai cair (ou não, como diria Caetano) em determinada região, isso ainda é muito difícil, pois não é só temperatura que influencia. O mesmo vale para o nível do mar e todos os demais impactos.”

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THELMA KRUG – Inpe, Vice-presidente do IPCC

Contribuição decisiva:
“Uma contribuição decisiva do IPCC para o mundo resultou do primeiro relatório de avaliação do IPCC por, principalmente, duas razões interrelacionadas: a primeira, por sinalizar a mudança do clima como um desafio que exigiria cooperação internacional para enfrentar seus desafios; a segunda, por ter tido um papel decisivo na criação da Convencão-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em 1992.

Agora, vindo para um passado mais recente, cito a contribuição do IPCC no estabelecimento do Acordo de Paris, em 2015, quando as informações científicas do Quinto Relatório de Avaliação (AR5) foram fundamentais para o estabelecimentos dos objetivos do referido acordo, particularmente o de manter a temperatura média global de superfície bem abaixo de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais, e buscar limitar esse aquecimento a 1.5ºC.”

Desafio:

“As contribuições financeiras para o IPCC, que asseguram principalmente a participação de cientistas de países em desenvolvimento, são voluntárias. Assim sendo, apesar de o painel aprovar um plano de trabalho ambicioso, como o neste sexto ciclo de avaliação (AR6), quando três relatórios especiais estão sendo desenvolvidos para aprovação em 2018 e 2019, além da atualização metodológica dos manuais para inventários nacionais de gases de efeito estufa, também para 2019, e os relatórios de avaliação, com a contribuição dos três grupos de trabalho e um relatório síntese, para até 2022, não existe um planejamento da contribuição financeira que o IPCC receberá de seus 195 governos membros. Pode ocorrer, por exemplo, que por uma mudança de governo a contribuição ao IPCC deixe de ser relevante. Então, estamos trabalhando para identificar alternativas para assegurar a estabilidade financeira do IPCC.

Outro desafio é incentivar bons cientistas a contribuir, de forma voluntária, ao IPCC. O trabalho na elaboração dos produtos do IPCC é muito grande, e exige muitas horas de dedicação e muito engajamento. A credibilidade do IPCC foi assegurada nesses seus 30 anos de vida por conta do esforço e dedicação de centenas de cientistas de todo o mundo.”

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JOSÉ MARENGO – Cemaden

Contribuição decisiva:
“Levar o tema de mudança de clima do ambiente científico para o meio político e a população, ou seja popularizou o tema do clima, levando a pensar de que o clima pode mudar também como consequência das ações humanas, juntamente com as causas naturais.”

Desafio:
“O painel é de governos, e muitas vezes a escolha de autores tem motivações políticas e em muitos casos não considera excelência científica e experiência. Isso não acontece no Brasil, mas pode acontecer em outros países.”

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GYLVAN MEIRA FILHO, USP

Contribuição decisiva:
“A aplicação cuidadosa do método científico para testar a hipótese de que há um componente antrópico na mudança do clima.”

Desafio:
“Resistir à tentação de enveredar para a área de prescrição de medidas a serem adotadas pelos países.”

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LEO MEYER – University College London

Contribuição decisiva:
“Duas contribuições igualmente fundamentais: esclarecer a influência humana no clima e as projeções futuras.”

Desafio:
“Reformar a estrutura, os produtos e a comunicação, se o IPCC quiser manter a credibilidade e a relevância para as políticas públicas.”

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CARLOS NOBRE, Inpe/WRI

Contribuição decisiva:
“O IPCC contribuiu em duas dimensões distintas, ambas importantes. No sentido filosófico, conseguir fazer valer a voz da ciência como guia de decisões essenciais para o futuro da humanidade, ainda que o processo tenha levado mais de 20 anos para se consolidar. Na outra dimensão, subsidiou com evidências científicas o histórico Acordo de Paris, o qual pela primeira vez de fato busca colocar o desenvolvimento humano numa trajetória sustentável. Alertou o mundo para os riscos da inação ou da ação contida quanto à mitigação das mudanças climáticas.”

Desafio:
“Mudanças climáticas não podem ser tratadas de forma isolada dos outros grandes desafios da humanidade e a ciência deve subsidiar a busca de trajetórias de desenvolvimento sustentável em todas as suas dimensões, respeitando os limites planetários, mas trazendo inclusão social e solução para os conflitos. O IPCC deve evoluir e ser unificado com outros mecanismos de avaliação científica para tratar integradamente do Sistema Terrestre como um todo, isto é, deve tornar-se um Painel do Antropoceno. Por outro lado, deve também permitir um controle mais científico de suas operações e conclusões e ter menor interferência de governos. Pode-se atribuir a grande inércia institucional de responder às mudanças climáticas ao bloqueio de soluções recomendadas pela ciência por governos, processo que também contaminou o IPCC.”

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JONATHAN OVERPECK – Universidade de Michigan

Contribuição decisiva:
“Fornecer a tomadores de decisão e ao público um entendimento científico claro e robusto da mudança climática, das causas humanas da mudança climática, de seus impactos e das potenciais soluções. O processo do IPCC confirmou além de qualquer dúvida razoável que a mudança climática está acontecendo por causa de ações humanas, e que os impactos futuros serão imensos a menos que ela seja detida.”

Desafio:
“A principal questão ainda é convencer tomadores de decisão e públicos céticos de que a mudança climática é séria o bastante para justificar ação global séria e urgente. Embora o processo do IPCC seja cientificamente muito forte, ele é fraco no que diz respeito a uma comunicação efetiva e ao engajamento de tomadores de decisão e públicos. Muitos cientistas acham que isso não é a função deles, mas isso significa que seu excelente trabalho científico não é tão útil quanto poderia ser. O IPCC precisa evoluir para se conectar com não-cientistas.”

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BEN SANTER – Laboratório Nacional Lawrence Livermore (EUA)

Contribuição decisiva:
“Demonstrar que as ações humanas afetaram de maneira significativa o clima da Terra, e continuarão a fazê-lo por milhares de anos.”

Desafio:
“Lidar com as poderosas forças da desrazão e com a ignorância deliberada das causas e a seriedade da mudança climática causada pelos seres humanos.”

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ROBERTO SCHAEFFER – UFRJ

Contribuição decisiva:
“Colocar no radar da opinião pública, empresas e governos, a seriedade e urgência de lidar com a ameaça das mudanças climáticas globais. Os cientistas já conheciam o problema há muito. Mas foi necessário o IPCC para fazer a ciência das mudanças climáticas entrar no dia-a-dia das pessoas. Se hoje temos o Acordo de Paris, uma indústria pujante de energias renováveis, a iminência da entrada de carros elétricos no mercado, e mesmo um reconhecimento, pelo menos no plano das ideias, da necessidade de se atacar o problema, é por causa do IPCC.”

Desafio:
“Talvez o formato atual, de grandes relatórios de avaliação produzidos a cada seis ou sete anos, precise ser revisto. Relatórios especiais, mais temáticos, focando em problemas específicos, com uma periodicidade menor, talvez fossem o caminho a seguir, de maneira a andar mais pari passu com os avanços do conhecimento científico e das urgências que forem surgindo. Para isso, talvez uma estrutura mais profissional fosse necessária, com mais financiamento, já que hoje todo o trabalho é feito de maneira voluntária, o que leva a trabalhos que demoram muito para ser produzidos. Um certo grau de profissionalização permitiria um número menor de cientistas envolvidos, com uma meritocracia mais aplicada, e que produziria trabalhos melhores, e em menos tempo. Mas o fato é, que talvez o AR6 deva ser o último neste formato atual.”

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GAVIN SCHMIDT – Nasa

Contribuição decisiva:
“Ampliar a consciência de que as mudanças climáticas causadas pelo homem são um problema global, quase certamente contribuindo para o Acordo de Paris. Ao avaliar o estado da arte da ciência, eles identificaram brechas e áreas nas quais mais trabalho é necessário, e estimularam a comunidade científica a preencher essas brechas.”

Desafio:
“Ser mais relevante politicamente. Não precisamos de mais “conscientização”, mas precisamos trabalhar mais sobre quais seriam os impactos de políticas plausíveis. Isso exige uma articulação mais profunda com os formuladores de políticas públicas e mais direcionamento dos governos aos cientistas para responder a questões específicas.”

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KEVIN TRENBERTH – NCAR

Contribuição decisiva:
“Acho que a maior foi a frase: ‘A soma das evidências sugere uma influência humana discernível no clima’. Mas também foi o processo de conseguir que essa frase fosse aprovada.”

Desafio:
“Eu acho que o IPCC deveria declarar sucesso e passar a fazer as coisas de um jeito diferente. O Quinto Relatório de Avaliação, o AR5, não teve uma fração do impacto do Quarto Relatório, o AR4. E o IPCC continua a ter financiamento voluntário. Eu me desliguei do painel.”

(CLAUDIO ANGELO e LUCIANA VICÁRIA)

* Atualizado às 11h40 com declarações de Thelma Krug.

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