Em três décadas (1990-2020), eventos extremos ligados às mudanças climáticas causaram em média US$ 143 bilhões (cerca de R$ 800 bilhões) por ano em danos ao planeta. Essa conta, sob a forma de secas intensas na Amazônia e ondas de calor jamais vistas no sudeste asiático, entre outros eventos, vem sendo majoritariamente paga pelas regiões mais pobres e que menos contribuem para agravar a situação.

De acordo com estudo recente da revista Nature, os 10% mais ricos da população global foram responsáveis por quase metade das emissões globais em 2019 – enquanto os 50% mais pobres representaram apenas um décimo do total.

“Ao mesmo tempo, regiões com baixas emissões históricas e níveis de renda são tipicamente mais frequente e severamente expostas aos impactos climáticos e têm recursos limitados para adaptação”, aponta o documento.

O estudo qualifica como “alarmante” a disparidade entre os responsáveis pelas emissões e aqueles afetados por seus impactos.

O cálculo dos chamados Fatores de Desigualdade Climática (CIFs, na sigla em inglês para Climate Inequality Factors) foi feito com base em estimativas de consumo, comércio e investimentos públicos e privados.

Foi levado em conta, ainda, o aumento médio de 0,61 °C da temperatura média global registrado de 1990 a 2020. Deste total, aproximadamente 65% é atribuível aos 10% mais ricos, 20% aos 1% mais ricos e 8% aos 0.1% mais ricos.

“Se a população mundial inteira tivesse emitido como os 10% mais ricos, o aumento da temperatura média global desde 1990 teria sido de 2,9°C. Se tivesse emitido como os 1% mais ricos, seria de 6,7°C, e como os 0.1% mais ricos, 12,2°C (…)”, aponta o estudo.

Considerando apenas os dados relativos aos principais emissores do planeta, Estados Unidos e China, o estudo atribui as emissões dos 10% mais ricos desses países a um aumento de duas a três vezes nos extremos de calor em regiões como a Amazônia e o sudeste africano.

“A intensidade destes extremos também aumentou, com os 10% mais ricos contribuindo 6.7 vezes mais do que a média global para este aumento (…)”.

Injustiça climática

O coordenador de Política Internacional do OC, Claudio Angelo, diz que o estudo ajuda a desfazer o que chamou de falácia segundo a qual o aumento das emissões estaria relacionado à melhora nos padrões de consumo das classes C, D e E nos países em desenvolvimento.

“Não é porque um brasileiro comeu bife pela primeira vez, ou porque um chinês conseguiu comprar um carro, uma televisão, que o mundo está em crise. O que elevou as emissões do planeta é o fato de que os ricos, as pessoas mais ricas dos países do norte, aumentaram muito o seu consumo. E a fatiazinha mais rica dos países do sul global também responde por isso”, afirma.

Segundo ele, o trabalho também levanta um debate sobre a inadequação dos antigos conceitos de “países desenvolvidos” e “países em desenvolvimento” no contexto climático. 

“Seria melhor você começar a olhar para equidade dentro dos países, fazendo com que os esforços de mitigação sejam custeados e realizados primariamente pelas populações mais ricas dos países, especialmente dos países do norte global, mas também de países em desenvolvimento como o Brasil. O Brasil tem bilionários, a China tem bilionários, a Índia tem bilionários, e são essas castas, muito pouca gente, muito poucas empresas, que estão causando a aceleração brutal das emissões que a gente tem visto na última década.”

Para João Godoy, coordenador de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas, o estudo é relevante por criar uma forma de medir objetivamente o impacto que os mais ricos têm no aquecimento global. 

“O estudo faz isso deslocando a abordagem que mede as emissões a partir do agente produtivo para medir as emissões do sujeito econômico consumidor ou investidor”, avalia.

Segundo ele, esse grupo é o maior emissor e, ao mesmo tempo, aquele com a maior capacidade de adaptação às mudanças climáticas, o que confirmaria a “reprodução da injustiça climática também pela lente socioeconômica”.

“O artigo reforça a necessidade de criar espaços de decisão sobre adaptação efetivamente justos, garantindo ampla participação de comunidades vulnerabilizadas e a devida realização de processos de consulta e consentimento livre, prévio e informado.”