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Brasil bloqueia teto de emissões para navegação

País lidera grupo de opositores a acordo mais ambicioso para o setor a ser fechado em abril, invocando custos e segurança alimentar

12.03.2018 - Atualizado 11.03.2024 às 08:28 |

MEGAN DARBY
DO CLIMATE HOME

O Brasil está tentando enfraquecer um conjunto de metas climáticas a serem adotadas pelo setor de navegação, mostram documentos obtidos pelo Climate Home.

Uma submissão conjunta à Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) feita por Brasil, Índia, Argentina e Arábia Saudita elimina grande parte do texto do rascunho de um acordo global sobre emissões do setor, a ser finalizado no mês que vem.

O grupo deletou seções que propõem estabelecer um teto para as emissões da navegação de acordo com os níveis de 2008 e reduzi-las “significativamente” até 2050. O argumento é que apenas medidas relativas, de intensidade de carbono, deveriam ser usadas. Uma visão global de obter um setor neutro em carbono em 2075 foi substituída por um linguajar mais vago: “não além da segunda metade deste século”.

A submissão acrescenta que “não se espera que sejam implementadas” políticas ou medidas para o setor antes de 2023, ignorando sugestões de ações que poderiam ser adotadas antes, como a imposição de limites de velocidade.

Fontes envolvidas nas negociações dizem que o Brasil tem sido o mais vocal dos opositores ao aumento da ambição.

Paulo Chiarelli, diretor de mudanças climáticas no Ministério das Relações Exteriores do Brasil, disse ao Climate Home que isso se deve a preocupações com o fato de que o custo de uma transição para um setor de navegação de baixo carbono afetaria mais duramente os países em desenvolvimento.

A estratégia deveria “dar uma sinalização ao setor privado de que a transição e inevitável”, afirmou. Mas “o comércio de alimentos e a segurança alimentar não deveriam ser afetados de nenhuma forma por quaisquer medidas adotadas pela IMO”.

Fontes afirmaram que, durante reuniões informais, delegados na IMO tentaram buscar maneiras de atender às preocupações do Brasil e, ao mesmo tempo, estabelecer uma visão compatível com os objetivos do acordo do clima de Paris. Isso poderia significar oferecer isenções pontuais, descontos ou compensações por custos.

Fora das mesas de negociação, a posição brasileira vem sendo questionada dentro e fora de casa.

Num artigo de opinião publicado no jornal Valor Econômico e traduzido para o inglês pelo Climate Home, pesquisadoras do Instituto Clima e Sociedade alertam que o Brasil tornou-se um retardatário nesse tema.

Ana Toni e Natalie Unterstell notaram que a Vale tinha nada menos que cinco assessores na delegação brasileira junto à IMO no ano passado.

“Sob esta influência, o objetivo da delegação tem sido o de evitar qualquer aumento de custo às empresas aqui baseadas, sejam elas de frete ou contratantes”, escreveram. “Este pode ser um objetivo legítimo, mas não tem fundamento técnico.”

Grande produtor de biocombustíveis, o Brasil teria uma oportunidade de mercado ao fornecer combustíveis mais limpos para a indústria de navegação, escreveram.

Chiarelli rejeita a sugestão – levantada por pesquisa do Influence Map publicada em outubro do ano passado – de que a Vale tenha influência excessiva sobre a posição brasileira.

“A Vale não capturou a delegação brasileira”, disse. “A Vale é um dos atores que nós consultamos e participou do processo doméstico que define nossa posição na IMO, como fizeram outros interlocutores interessados (…) eles estão lá para apoiar posições que já foram acordadas no nível doméstico entre todos os interessados.

Internacionalmente, uma coalizão de países da Europa e ilhas do Pacífico está liderando as demandas por mais ambição. As Ilhas Marshall, um pequeno país insular com o segundo maior registro de bandeiras do mundo, Kiribati, as Ilhas Salomão e Tuvalu receberam apoio da Nova Zelândia para propor o calendário mais agressivo para o corte de emissões: descarbonização total até 2050 .

Um grupo mais amplo, de quase 40 nações, assinou a Declaração Tony de Brum, batizada em homenagem a um estadista das Ilhas Marshall, que é menos específica, mas também enfatiza a urgência das ações.

Este último grupo inclui Peru, Chile e Colômbia, países sul-americanos que enfrentam desafios parecidos com os do Brasil e anteriormente se alinharam às posições brasileiras na IMO.

David Paul, ministro do Ambiente das Ilhas Marshall, disse que a navegação precisa fazer sua parte para alcançar os objetivos do Acordo de Paris.

“Está claro para todo mundo que, antes que medidas específicas de redução de emissões sejam adotadas, quaisquer impactos negativos desproporcionais precisarão ser identificados e atacados”, disse. “Então simplesmente não há desculpa para nenhum país bloquear um resultado ambicioso na IMO em abril. Aqueles de nós que estamos verdadeiramente comprometidos com o clima não aceitarão nada menos do que isso.”

Este texto foi publicado originalmente no site Climate Home em 8 de março e é republicado pelo OC por meio de um acordo de conteúdo.

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