#NEWS

Brasil propõe criar novo mercado de carbono

Proposta conjunta com a UE sugere que países em desenvolvimento, governos locais e empresas poderiam fazer transações de direitos de poluição e descontá-los de metas de redução de emissões

08.12.2015 - Atualizado 11.03.2024 às 08:27 |

CLAUDIO ANGELO
CÍNTYA FEITOSA
DO OC, EM PARIS

O Brasil e a União Europeia propuseram nesta terça-feira às Nações Unidas a criação de um novo mecanismo de mercado para emissões de carbono. Pela proposta, países em desenvolvimento, governos locais e até mesmo empresas e associações poderiam transacionar direitos de poluição e descontá-los de suas metas de redução.

A proposta significa que o Brasil poderia eventualmente comprar créditos de carbono gerados por países onde fosse mais barato reduzir emissões, desde que não houvesse dupla contagem desses créditos. Esses papéis poderiam ajudar no cumprimento da INDC, a meta nacional proposta no âmbito do novo acordo do clima.

A ideia, nas palavras de um diplomata, é que o novo mecanismo possa funcionar como uma “cenoura”: países em desenvolvimento que queiram ter acesso a esses créditos para cumprir as próprias INDCs precisariam adotar metas de corte de emissões absolutas e válidas para toda a economia. Estaria criado, portanto, um incentivo positivo para resolver um dos grandes nós do Acordo de Paris, a chamada diferenciação com progressão.

Mas vamos começar do começo: a Convenção do Clima, de 1992, dividiu os países em desenvolvidos (o chamado Anexo 1) e em desenvolvimento. No protocolo de Kyoto, primeira tentativa de implementar a convenção, os países desenvolvidos receberam metas absolutas de corte de emissões e obrigação de financiar os pobres.

Para facilitar o comprimento de suas metas, os ricos ganharam acesso a três mecanismos de mercado, ou de “flexibilização”: o comércio de emissões (entre países desenvolvidos), a implementação conjunta (projetos de redução de emissões bancados por países desenvolvidos em nações do ex-bloco socialista) e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, ou MDL (projetos de redução de emissões em países em desenvolvimento).

Como os países em desenvolvimento não tinham metas a cumprir por Kyoto, eles só podiam participar dos mercados de carbono via MDL. O abandono do protocolo pelos EUA, porém, frustrou as expectativas de quem esperava ganhar muito dinheiro com o MDL para bancar projetos de energia limpa e desenvolvimento sustentável – já que o maior comprador potencial de créditos estava fora dele. No final, o mecanismo tornou-se uma parcela muito pequena das reduções de emissões, e o tal desenvolvimento limpo nunca aconteceu: ao contrário, os países em desenvolvimento, em especial a China, maior de todos os vendedores de créditos de MDL, aumentaram loucamente suas emissões. Hoje respondem por 60% dos gases-estufa lançados anualmente na atmosfera.

Corta para 2014. Os países negociam os termos do acordo do clima que deverá ser fechado nas próximas 72 horas em Paris. Nos 21 anos desde a entrada em vigor da Convenção do Clima, o mundo mudou. Alguns países em desenvolvimento estão, na prática, entre as nações mais ricas do mundo. Outros alcançaram a condição de países desenvolvidos, como a Coreia do Sul e Cingapura.

O novo acordo do clima, pela primeira vez, trará metas para todos os países do mundo. As nações desenvolvidas insistem em borrar a diferenciação existente entre ricos e pobres, argumentando, com razão, que essa história de anexos de Kyoto reflete um mundo que não existe mais. As nações em desenvolvimento contra-argumentam, também com razão, que a responsabilidade pela mudança climática observada hoje é dos países ricos. Está criado o impasse que se arrasta até as horas finais da conferência do clima de Paris.

Na ocasião, porém, o Brasil fez uma proposta para destravar a diferenciação. O país propôs um mecanismo de diferenciação não por anexos, mas por círculos concêntricos. Imagine rodas, uma dentro da outra. Na roda menor, no centro, estariam os países do atual Anexo 1, com metas absolutas de corte de emissões para toda a sua economia. Num círculo intermediário, os países emergentes, como o próprio Brasil e a China, que teriam metas relativas – corte em relação a uma trajetória futura ou redução na intensidade de carbono. No círculo externo, os países menos desenvolvidos, com contribuições menos rígidas, para um setor ou outro da economia. Com o tempo, todos os países deveriam migrar para o círculo central. Este é o conceito de “progressão”, que guarda uma das chaves para destravar o acordo de Paris e que está sendo negociado enquanto você lê este texto pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e seu colega de Cingapura, Vivian Ramakrishnan.

A progressão traz um problema, porém: em que momento um país deixa uma posição do círculo intermediário para o central? Não é possível forçar um país de renda média a migrar para metas absolutas. Mas tampouco é possível que cada país faça essa transição quando bem entender, porque vários poderão não fazê-la nunca. Para ficar em um exemplo, a Coreia do Sul, um país altamente desenvolvido, ainda se aproveita de seu status de país em desenvolvimento sob a Convenção: apresentou uma meta relativa de corte de emissões em sua INDC.

O mecanismo de mercado proposto pelo Brasil e pela UE no acordo de Paris traz um gatilho voluntário para essa transição: se você é um país emergente, pode encontrar um incentivo para adotar metas absolutas e economizar dinheiro comprando créditos gerados por gente mais pobre que você, onde cortar emissões seja mais barato.

A proposta pede que a primeira reunião das partes do Acordo de Paris, que deve acontecer em Marrakesh em 2016, lance um processo para criar esse mecanismo de mercado.

Além de resolver o impasse da progressão, brasileiros e europeus acham que o novo mecanismo também possa servir para atacar dois setores altamente poluentes e que estão até aqui descobertos pelo acordo do clima: a aviação e o transporte marítimo internacional.

As emissões desses dois setores são “filhas sem pai”: nenhum país as assume, não há metodologia acordada para atribuí-las a ninguém, países emergentes e os EUA se recusam a limitá-las e as organizações que deveriam cuidar delas, a Oaci (Organização Internacional de Aviação Civil) e a OMM (Organização Marítima Mundial) não são exatamente colaborativas para adotar voluntariamente metas ambiciosas. Oferecer um mecanismo de mercado pode ser uma saída para esses dois setores.

O Brasil também insiste em que não haja dupla contagem das emissões abatidas pelo potencial futuro novo mecanismo. Ou seja, se dois países negociam créditos, só um deles (o comprador) poderá descontá-los de sua meta.

Trata-se de uma admissão velada do Brasil sobre acusações que lhe vêm sendo feitas em relação ao MDL. O país tem vendido créditos de carbono e tem-nos descontado de suas próprias emissões, usando uma chicana jurídica: como não somos obrigados a nada por Kyoto, tampouco precisamos abater créditos vendidos a outros países.

A atmosfera, porém, não cede a esse tipo de argumento.

(Atualizado às 8:10 de quarta-feira; corrige data no primeiro parágrafo)

Related

Nossas iniciativas