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Carta aberta ao governo brasileiro*

Há vários setores da sociedade civil que têm acompanhado, direta ou indiretamente, as negociações climáticas dada a relevância e transversalidade do tema.

07.01.2015 - Atualizado 11.03.2024 às 08:25 |

Há vários setores da sociedade civil que têm acompanhado, direta ou indiretamente, as negociações climáticas dada a relevância e transversalidade do tema.  Algumas delas, presentes à CoP19 em Varsóvia, entendem que há pontos críticos a serem contemplados nas ações e políticas nacionais para que nossa atuação nas negociações em curso e naquelas que transcorrerão até 2015 possam contribuir efetivamente para um acordo que garanta a segurança climática:

– Na medida em que consultas nacionais integram uma das propostas apresentadas pela delegação brasileira na CoP19, é importante assegurar a efetividade desse processo de consulta no Brasil para embasar as metas de curto e longo prazo com as quais as partes precisam se comprometer para que exista a chance de preservar a segurança climática. Neste contexto, é fundamental um processo transparente, amplo e que contemple a participação plena e efetiva da sócio diversidade brasileira, tal como povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas, juventude e  crianças. Assim como nas negociações no âmbito da UNFCCC, todos os esforços devem ser envidados no sentido de criar pontes e fortalecer a confiança mútua entre os vários segmentos envolvidos e afetados pelas mudanças climáticas.

– Segundo relatórios do IPCC-Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o Brasil é um dos países mais afetados pelas mudanças climáticas. O relatório do PBMC-Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas também ressaltou aumentos na temperatura de 3ºC a 6ºC no Brasil neste séculos. Há que se avançar em mitigação, porém é preciso também incorporar o mecanismo de loss and damage em toda a discussão de adaptação, a qual deve, por sua vez, ser fortalecida.  O Governo Brasileiro pode apoiar o avanço das negociações sobre loss and damage e contribuir para que haja efetiva inclusão dos povos indígenas e comunidades neste processo de construção.

– Os povos indígenas têm reivindicado o reconhecimento e visibilidade da contribuição que fazem, há milhares de anos, como ação efetiva de enfrentamento às mudanças climáticas. 13% do território brasileiro é formado por terras indígenas, as quais são manejadas de acordo com os conhecimentos tradicionais e práticas indígenas que ajudam no uso sustentável e permanente de tais regiões. Assim, reconhecer seus direitos, em especial os já reconhecidos pelas instâncias internacionais, como a Declaração da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas e a Convenção 169 da OIT, assumidos pelo Brasil, devem ser incorporados como salvaguardas em todos os acordos assumidos, tais como REDD+, ADP, GCF e adaptação.

– Em maio deste ano, atingimos os níveis de 400 ppm de CO2 na atmosfera, limite estabelecido pelo IPCC para a segurança climática. O Brasil está entre os 5 maiores emissores de gases de efeito estufa no mundo e tem aumentado as suas emissões no setor de energia, indústria e agricultura, com investimentos cada vez maiores na exploração do pré-sal, gás de xisto e outras atividades muito poluentes. O setor da agricultura emergiu como o maior emissor (35% do total) seguida por energia  (32%), que dobrou ao invés de reduzir nos últimos anos. Para o futuro, as perspectivas são ainda mais preocupantes: no plano de energia de 10 anos (até 2022), 72% dos R$ 835 bilhões que devem ser investidos em energia são direcionados para petróleo e gás e apenas 5% para biocombustíveis e 3% para as energias renováveis, como a eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas. O pré- sal, por sua vez, é uma verdadeira bomba de carbono cuja exploração contradiz as recomendações do último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, divulgado este ano. É urgente que o Governo promova a consistência interna entre suas políticas de desenvolvimento e os desafios das mudanças climáticas tanto no âmbito da política energética como da agropecuária, defendendo pequenos agricultores, agricultura familiar e a agroecologia.

– O REDD+ é um mecanismo oportuno, embora polêmico, que pode ser utilizado como ferramenta para reduzir as emissões do desmatamento. O REDD+ não deve ser considerado apenas como mercado de carbono, visando limitar iniciativas de não carbono. Entendemos que o Brasil deve adotar uma visão que contemple as diferentes realidades de biomas e culturas existentes em seu território. É importante que a linguagem adotada no texto da COP e nas políticas brasileiras incorporem uma definição de floresta que reconheçam a relação da biodiversidade e dos modos de vida dos povos indígenas, comunidades tracionais e demais populações que habitam esse meio.

– O aumento de 28% no desmatamento da Amazônia representa uma grave ameaça para os compromissos internacionais do Brasil sobre mudanças climáticas. O Brasil não pode mais se esconder atrás da diminuição célebre nos últimos anos, a qual foi alcançada com forte pressão da sociedade civil e ocorreu independentemente da implementação da Política Nacional do Clima: não custa lembrar que o maior declínio relativo ocorreu em 2008-2009, antes que o objetivo de redução fosse adotado. De acordo com o sistema do governo de alertas de desmatamento e degradação na Amazônia, houve elevação de 35% no período de agosto de 2012 a julho 2013, se comparado ao período anterior, e é importante ressaltar que esse crescimento se deu após a aprovação do novo Código Florestal, o que sinaliza, mais uma vez, para a necessidade urgente de coerência entre o que é preciso fazer para combater as mudanças climáticas e os rumos das políticas e dos investimentos no Brasil.

A sociedade brasileira é diversa e plural e estes pontos não representam o conjunto das preocupações de suas organizações representativas.  Porém entendemos que precisamos ampliar o diálogo para que possamos juntos chegar a processos e soluções efetivas.  Neste sentido, pedimos ao Ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado que reencaminhe esta carta não só ao Ministério do Meio Ambiente, mas também aos ministérios da Energia, Indústria e Comércio, Pesca, Cidades, para a Casa Civil e para a Presidência da República, pois o combate efetivo às Mudanças Climáticas é tarefa de todo o governo.

 

Assinado:

Agência Jovem

Engajamundo

FBOMS

Viração

Vitae Civilis

WWF

* Este texto é de responsabilidade das suas entidades e organizações signatárias, e não expressa necessariamente posições ou opiniões do Observatório do Clima.

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