Maçaricos buscam moluscos enterrados na Mauritânia (Foto: Jan van de Kam/Science)

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Derretimento de neve no Ártico mata aves migratórias nos trópicos

13.05.2016 - Atualizado 11.03.2024 às 08:27 |

CLAUDIO ANGELO
DO OC

O degelo cada vez mais precoce das neves no Ártico siberiano está matando milhares de aves na África – e possivelmente em outros lugares, como o sul do Brasil. A conexão, surpreendente, foi descoberta por um grupo internacional de biólogos.

Os cientistas acreditam que o aquecimento da Terra, que é mais acentuado no Ártico do que em outras regiões do planeta, esteja causando a redução do tamanho dos filhotes do maçarico-de-papo-vermelho (Calidris canutus canutus). Esses animais menores não conseguem se alimentar direito durante a temporada de inverno nas praias da Mauritânia, e acabam morrendo de fraqueza.

O estudo é uma evidência de que as mudanças climáticas causadas pela humanidade estão afetando a própria evolução de algumas espécies. A descoberta mereceu a capa da edição desta sexta-feira (13/5) do periódico científico Science.

O holandês Jan Van Gils, do Instituto Real de Pesquisas do Mar, conta que não tinha mudança climática em mente quando começou a pesquisa, há um ano. “Comecei com uma questão científica básica sobre o que causa variação no tamanho dos maçaricos”, contou o pesquisador ao OC. O objetivo era apenas conhecer melhor a espécie – decerto uma dessas pesquisas que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), chamaria de “inúteis”.

Para entender melhor o assunto, Van Gils foi procurar um paciente grupo de biólogos poloneses que captura, marca e mede maçaricos há 33 anos na baía de Gdansk, primeira parada das aves em sua migração anual. “E aí eu encontrei uma tendência negativa na base de dados deles.” As aves estavam ficando menores e tinham também bicos mais curtos – até 10 milímetros a menos.

Então Van Gils ligou os pontos: e se a variação tivesse algo a ver com o clima? A resposta estava do outro lado do mundo: o holandês procurou Simeon Lisovski, um oceanógrafo alemão que trabalha com imagens de satélite na Universidade Deakin, na Austrália. As imagens da região onde os maçaricos nascem, na Sibéria, mostraram que, em 30 anos, o derretimento da neve do inverno se adiantou em duas semanas. “E aí nós soubemos que havíamos esbarrado em algo”, diz Van Gils.

Os maçaricos chocam seus ovos de modo a coincidir com a primavera polar, período em que o derretimento da neve causa uma desagradável explosão no número de insetos na região. Os bebês maçaricos, portanto, têm ao seu dispor, logo que nascem, um verdadeiro banquete.

Com o degelo precoce, porém, os ovos dos insetos eclodem antes do nascimento dos pintinhos. Estes ficam com menos comida disponível – e, por conta disso, acabam não crescendo tanto.

O impacto real da redução de tamanho será sentido pelos jovens apenas durante a migração. Na África, os maçaricos se alimentam de moluscos aquáticos que ficam enterrados na lama, a poucos centímetros da superfície. Aves de bico mais curto não conseguem comer essas presas e precisam recorrer a uma dieta mais pobre. O resultado é que cada vez menos maçaricos-de-papo-vermelho completam a jornada entre um ponto e outro a cada ano.

Os maçaricos-de-papo-vermelho de uma outra subespécie, a Calidris canutus rufa, também passam os invernos no Brasil, vindos do Ártico através dos Estados Unidos. A espécie também está em declínio aqui, embora não haja um estudo ligando-o ao aquecimento global.

“Eu realmente acho que o problema é disseminado entre as aves que se reproduzem no alto Ártico”, disse Van Gils. Seu grupo deve publicar em breve dados apontando a mesma tendência em uma outra espécie ártica, o fuselo.

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