O jornalista Maurício Tuffani (Foto: USP Fotos)

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Morre Maurício Tuffani, o repórter que pôs o desmatamento na pauta

Um dos maiores jornalistas de ciência do Brasil, o paulistano investigou de dados do Inpe nos anos 1980 a Ricardo Salles

31.05.2021 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

DO OC – O Observatório do Clima lamenta profundamente a morte do jornalista Maurício Tuffani, 62, nesta segunda-feira em São Paulo. Um dos maiores repórteres de ciência e meio ambiente do Brasil, Tuffani era diretor de redação do site Direto da Ciência, um parceiro, mestre e amigo.

Formado em matemática e filosofia, Tuffani começou em novembro de 1988 como repórter da editoria de Educação e Ciência da Folha de S.Paulo, vindo de uma experiência no Congresso Nacional na época da Constituinte. Era o tempo em que a repercussão do primeiro relatório sobre queimadas na Amazônia do Inpe fez o governo federal criar um programa de proteção à floresta. Ao mesmo tempo, o instituto encomendara um mapeamento do desmatamento acumulado na região, que ficaria pronto em abril de 1989.

Os dados do Inpe sugeriam que 5% da Amazônia haviam sido desmatados até 1988, o que contrastava com um relatório do Banco Mundial que falava em 12%. Tuffani recebeu uma informação de uma fonte no instituto que afirmava que os dados haviam sido manipulados para favorecer o governo – o presidente José Sarney falava em 5% antes mesmo da publicação do mapeamento do Inpe. O jornalista investigou o assunto e publicou em 7 de maio de 89 a reportagem “Governo maquiou dados sobre Amazônia”, que foi manchete da edição de domingo.

O caso gerou uma polêmica com o Inpe, cuja direção negava manipulação, e foi parar até numa CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Senado. Meses depois, já em 1990, o instituto admitiu que havia deixado de computar “desmatamentos antigos” no Pará e no Maranhão e revisou para cima o próprio número: de 251 mil km2 de desmatamento acumulado para 359 mil km2 – ou 7% da área da floresta. A partir desse episódio, os dados do Inpe começaram a ser escrutinados pela imprensa todos os anos.

Tuffani não parou: continuou a se dedicar ao que chamava de jornalismo científico investigativo, algo raro na área. Passou por veículos como a revista Galileu e a Scientific American Brasil, que dirigiu. Mordaz, erudito e obcecado por precisão, formou e inspirou vários jornalistas de ciência e ambiente, como Giovana Girardi, com quem criou a revista Unesp Ciência.

Em 2016 fundou o site Direto da Ciência, parceiro do Fakebook.eco, dedicado ao jornalismo científico investigativo, a análises e artigos de opinião. Lá publicou uma série de reportagens apresentando ao Brasil um personagem novo que daria muito o que falar: o secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Ricardo Salles. Tuffani mostrou como Salles havia manipulado – sem avisar ao governador Geraldo Alckmin – o plano de manejo da Área de Preservação Ambiental do Tietê, em São Paulo, para favorecer empresários. E revelou que Salles havia contrariado pareceres técnicos para vender a sede do Instituto Geológico e 34 áreas do Instituto Florestal sem autorização da Assembleia Legislativa, o que originou inquéritos do Ministério Público. O secretário acabaria sendo pressionado pelo próprio partido, o PP, a pedir demissão em agosto de 2017. Foi condenado por improbidade administrativa em dezembro de 2018, menos de duas semanas antes de assumir o cargo de ministro do Meio Ambiente.

Tuffani, que recebera diagnóstico de mal de Parkinson em 2020, teve morte súbita após passar mal durante uma reunião. Ele deixa mulher, filho e uma legião de admiradores.[:]

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