Ativistas protestam na entrada da COP26 (Foto: Felipe Werneck/OC)

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Na newsletter: o novo alerta do IPCC e o bolsonarismo contra a pauta verde no STF

11.04.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

Há uma máxima no direito romano, ou deveria haver, que diz: “Sabujus erunt sabujus”. Sabujos serão sabujos. André Mendonça, o ministro “terrivelmente evangélico” indicado por Jair Bolsonaro para o STF, provou sua sabujice ao travar, na última quarta-feira (6), o maior julgamento ambiental da história da corte.

Num movimento sem precedentes, o Supremo pautou de uma vez sete ações ambientais, que buscam reverter em parte o desmonte da governança socioambiental aprofundado durante o governo atual. Duas delas, a ADPF (Arguição de Descumprimento de Princípios Fundamental) 760 e a ADO (Ação de Inconstitucionalidade por Omissão) 54, relacionadas ao desmatamento na Amazônia, foram julgadas procedentes pela ministra relatora, Cármen Lúcia, que proferiu um voto histórico reconhecendo o “estado de coisas inconstitucional” na gestão ambiental do Brasil.

Mendonça pediu vistas do processo, barrando o julgamento. Em sua intervenção, repetiu as falácias de sempre do discurso bolsonarista sobre o tema, dizendo que o Brasil é atacado injustamente, que outros países são culpados e que os dados de desmatamento do Inpe têm problemas.

Nada fora do script ou da missão que o presidente confiou aos que aceitaram a barganha faustiana do cargo vitalício no Supremo, a de “empatar o jogo”. Mas o ato foi mais uma lembrança desagradável de que Bolsonaro pode passar, mas o bolsonarismo fica.

Boa leitura.

 

“É AGORA OU NUNCA”

Painel do clima da ONU faz alerta sobre fechamento da fresta de oportunidade para estabilizar o clima em 1,5ºC

Imagine um paciente que recebe um diagnóstico de câncer de pulmão devido ao seu tabagismo e imediatamente aumenta o consumo de cigarros. O comportamento suicida é análogo ao adotado pela humanidade na última década. De 2010 a 2019, as emissões de gases de efeito estufa tiveram o maior incremento da história – 12%, mesmo com a certeza científica sobre as causas e os efeitos da mudança do clima e o reconhecimento por governos do mundo inteiro da gravidade do problema.

Os dados são do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima. Na última segunda-feira (4), o comitê de cientistas publicou a terceira e última parte de seu Sexto Relatório de Avaliação, o AR6. São os resultados do Grupo de Trabalho 3, dedicado à mitigação das mudanças do clima.

A principal conclusão do novo documento é agridoce: o IPCC afirma que, para que a humanidade tenha uma chance maior do que 50% de manter o aquecimento da Terra no limite de 1,5oC preconizado pelo Acordo de Paris, será preciso que as emissões de gases de efeito estufa cheguem ao pico em algum momento dos próximos três anos e caiam 43% até 2030.

A boa notícia é que existem soluções para isso. Hoje a humanidade já dispõe de tecnologias de mitigação capazes de reduzir emissões pela metade em 2030 ao custo de menos de US$ 100 por tonelada de CO2 abatida. Na verdade, metade desse potencial está em soluções que custam menos de US$ 20 por tonelada.

Os exemplos mais evidentes são a energia eólica e a solar, cujo preço na última década caiu 55% e 85%, respectivamente. Em muitos lugares do mundo, como o Brasil, a energia solar fotovoltaica já é a opção mais barata para gerar eletricidade.

“É agora ou nunca”, disse Jim Skea, coordenador do grupo, ao responder a lornalistas sobre a urgência em agir. Os governos aparentemente vêm optando pelo nunca, já que a Guerra na Ucrânia tem levado Europa e EUA a botar o pé no freio na luta contra o aquecimento global para se livrar da dependência do petróleo russo.

Leia sobre o relatório no OC e baixe aqui um resumo das principais conclusões do documento.

MENDONÇA TRAVA JULGAMENTO HISTÓRICO

Após o voto histórico da ministra Cármen Lúcia, na quarta-feira (6/4), em que ela detalhou o desmonte da política ambiental pela “caquistocracia” bolsonarista, o julgamento no STF foi interrompido com um pedido de vistas do ministro “terrivelmente evangélico” André Mendonça, indicado pelo regime. Em sua intervenção, Mendonça fez uma espécie de bingo ambiental do bolsonarismo, repetindo argumentos falsos de que seria preciso comprar um novo sistema de satélites porque os dados do Inpe são insuficientes, de que não é possível responsabilizar desmatadores sem mudar a legislação de “regularização fundiária” (eufemismo para grilagem) e de que os países que compram madeira ilegal do Brasil têm culpa pela devastação.

Foi contraditado pelo ministro Alexandre de Moraes, que disse que quem compra madeira ilegal não são países, e sim particulares criminosos, que “existem em todo lugar”. E lembrou ao ex-ministro da Justiça que o contrabando de madeira foi facilitado por atos do presidente do Ibama e do então ministro do Meio Ambiente, ambos alvos de um inquérito aberto pelo próprio Moraes no Supremo. Quem avisou o Brasil sobre o esquema, acrescentou Moraes, foi o governo dos EUA.

Cármen mostrou, com dados de autuações, embargos, desmatamento e outros indicadores, que as políticas de combate ao desmatamento que o governo diz adotar são uma casca vazia, ou um “teatro”. Sob uma pátina de normalidade esconde-se uma estrutura disfuncional – ou, como disse, “um engodo administrativo”.

OFICIAIS DA ATIVA PILOTAVAM ESQUEMA DE FAKE NEWS, DIZ META

Dois militares brasileiros foram identificados como operadores de uma rede de contas e perfis falsos nas redes sociais que vinham espalhando fake news ambientais desde 2020. A Meta, empresa controladora do Facebook e Instagram, anunciou que derrubou, na última quinta-feira (7), 14 perfis e 9 páginas no Facebook, além de 39 contas no Instagram que apresentavam “comportamento inautêntico coordenado”, e que eram operadas por dois brasileiros que estavam “servindo ativamente no Exército em dezembro de 2021”. Entre o conteúdo removido havia postagens que enalteciam o trabalho do governo Bolsonaro na “proteção” do meio ambiente, mensagens que deslegitimavam o trabalho de organizações não-governamentais e trechos de um filme negacionista lançado em 2021 pela produtora de extrema-direita Brasil Paralelo. Os nomes dos militares não foram divulgados.

Enquanto o Facebook chega atrasado na bola, o Youtube arruma um jeito de driblar as próprias regras e monetizar conteúdo negacionista, revelou a Agência Pública. Mais um sintoma daquilo que Marcelo Leite chamou na Folha de fracasso das instituições em conter a maré negacionista mesmo com um tsunami de evidências científicas disponíveis

BRASIL MANTÉM PEDALADA EM NOVA META DO CLIMA

O governo Bolsonaro mentiu mais uma vez ao finalmente apresentar sua nova meta para redução de emissões de gases de efeito estufa, prometida desde a conferência do clima de Glasgow, em 2021. No documento submetido às Nações Unidas, o governo afirma que a nova NDC “aumenta ainda mais os níveis de ambição” do país, o que é falso. Embora nominalmente amplie o percentual de corte de emissões de 43% para 50% em 2030 em relação aos níveis de 2005, a nova meta ainda é menos ambiciosa do que a submetida originalmente em 2015, no governo Dilma Rousseff. Portanto, o Brasil segue violando o tratado do clima, segundo o qual novas NDCs não podem recuar na ambição. A nova meta é uma tentativa fracassada do regime Bolsonaro de consertar a lambança feita em dezembro de 2020, quando apresentou um compromisso climático pior que o da primeira NDC, de 2015, submetida no ano da assinatura do Acordo de Paris. Essa diferença ficou conhecida como “pedalada climática” e foi questionada na Justiça brasileira por jovens ativistas, com o apoio de oito ex-ministros do Meio Ambiente.

“O que o Brasil tem de fazer no curtíssimo prazo é estancar o desmatamento”, disse à Pública o economista Roberto Schaeffer, professor da Coppe/UFRJ e um dos autores do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC). Tudo o que o regime Bolsonaro não está fazendo.

PL DE GARIMPO AFASTA ATÉ ÍNDIOS COOPTADOS

O projeto do governo Bolsonaro que libera a mineração em terras indígenas, prestes a ser votado sob pressão do presidente da Câmara, Arthur Lira, é tão brutal que afastou até indígenas que faturavam com a mineração, revelou nesta semana a piauí. Às vésperas do Acampamento Terra Livre (ATL), que reúne milhares de indígenas desde segunda-feira (4/4) em Brasília, lideranças da aldeia Gorotire – um dos sete grupos que formam o povo Kayapó, no Pará – mudaram de posição e passaram a criticar o projeto de lei 191/2020. O grupo seguiu para a capital e se juntou a outras etnias em protestos contra os ataques do regime Bolsonaro e a favor da demarcação de terras, paralisada desde 2019. Maior mobilização do movimento indígena, o ATL será realizado até quinta-feira (14/4).[:][:]

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