Aparelhos de ar-condicionado em Hong Kong (Foto: Niall Kennedy/Creative Commons)

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Países fecham acordo sobre ‘superpoluentes’

Emenda ao acordo de proteção da camada de ozônio estabelece redução dos HFCs, gases de ar-condicionado que esquentam a Terra; pacto pode evitar meio grau de aquecimento até 2100

15.10.2016 - Atualizado 11.03.2024 às 08:27 |

LOU DEL BELLO
DO CLIMATE HOME, EM KIGALI

O melhor atalho para aliviar a mudança climática acaba de ser tomado – em meio a uma mal-disfarçada irritação sobre quem pegou a parte mais suave da estrada.

A emenda de Kigali ao Protocolo de Montréal para cortar o uso de HFCs, gases de efeito estufa potentes usados em refrigeradores e aparelhos de ar-condicionado, tem sido descrita como o passo único mais importante que o mundo poderia dar para limitar o aquecimento global.

O acordo, recebido com uma salva de palmas na madrugada de sábado (15), cumpriu a maioria das promessas que os países-membros do protocolo haviam feito na semana passada, botando o mundo no caminho de evitar quase meio grau Celsius de aquecimento global até 2100.

Entre 2020 e 2050, 70 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, comparáveis às emissões de quase 500 milhões de carros, deixarão de ir para a atmosfera graças à redução progressiva de HFCs.

Esses superpoluentes aprisionam milhares de vezes mais calor do que o dióxido de carbono, e hoje são o grupo de gases-estufa cujas emissões mais crescem.

“A emenda significou muito para nós”, disse a negociadora ruandesa Juliet Kabera. “Ela promoverá compromissos com a mitigação da mudança climática globalmente, mesmo que Ruanda não seja um grande consumidor de HFCs. Promover essa causa nos põe numa posição de liderança que nos dá muito orgulho.”

A complexa arquitetura do acordo reflete as diferentes necessidades econômicas e de desenvolvimento de três grupos principais de países.

Enquanto os países desenvolvidos congelaram seu consumo de HFCs no ano passado e agora visam reduzi-lo em 10% até 2019, a maioria dos países em desenvolvimento congelará seu consumo em 2024 e obterá uma redução de 10% até 2029.

Mas concessões importantes precisaram ser feitas aos países que sentiram que uma redução (phase down) rápida dos HFCs poderia atrapalhar suas perspectivas de crescimento econômico.

O pequeno grupo que abarca a Índia, os Estados do Golfo, o Irã, o Iraque e o Paquistão iniciará sua própria redução em 2028.

O ajuste também inclui isenções específicas para países que têm clima muito quente e maior necessidade de tecnologias de refrigeração bem estabelecidas.

O Protocolo de Montréal é um acordo único, uma vez que tem metas de redução de emissões compulsórias e mensuráveis, que estimulam investimentos em inovação e, com o tempo, ajudam a reduzir o preço de tecnologias limpas.

Enquanto acordos como o de Paris são baseados em aspirações e seus resultados podem ser difíceis de estimar, na noite de sexta-feira os analistas já estavam fazendo contas minutos depois de a estrutura do texto de Kigali ter circulado informalmente.

Os países poderão atingir os objetivos da emenda graças a um conjunto de redes locais criado pelo secretariado da ONU para o ozônio para fornecer apoio logístico e medir o progresso. Esse modelo tem se provado bem-sucedido ao longo dos últimos 20 anos, levando a uma queda acentuada nos níveis de CFCs, gases que danificam a camada de ozônio. Há esperança de que isso possa se repetir.

A emenda foi comemorada como uma vitória para o clima e uma oportunidade de negócios para as empresas que trabalham no ramo de alternativas com menos potencial de aquecimento global (GWP).

“O Protocolo de Montréal sempre catalisou a transformação do mercado mais depressa que as datas previstas oficialmente para a eliminação de gases nocivos”, disse Durwood Zaelke, do Instituto para Governança e Desenvolvimento Sustentável.

“Também sempre foi um tratado que evolui para controles mais rígidos ao longo do tempo, e eu tenho confiança em seu poder de mitigar o clima o máximo possível, com mais mitigação associada a melhorias na eficiência energética.”

PONTAS SOLTAS

Mas algumas questões permanecem em aberto. “Por exemplo, a questão da eficiência energética”, disse Clare Perry, da Agência de Investigação Ambiental. “Nós concordamos em que manteríamos e aumentaríamos os compromissos, mas como vamos fazer isso e quanto dinheiro será destinado a esse fim?”

De acordo com Perry, uma das deficiências da emenda é que a lista de gases-estufa licenciados sob o protocolo foi reduzida. “Um dos gases previamente presentes na lista, o HFC-161, foi tirado. Independentemente do potencial de aquecimento global de cada gás, que neste caso específico é muito baixo, acreditamos que seja importante que a lista oficial esteja completa”, ela disse. Isso garantiria um reporte transparente, “reduziria o comércio ilegal e tornaria mais difícil contrabandear gases controlados, o que aconteceu no passado”.

O Protocolo de Montréal não trata apenas de reduzir o uso de gases-estufa, mas também de seu manejo adequado.

Nesta semana, a Índia anunciou planos de destruir sistematicamente o HFC-23, um poderoso gás de efeito estufa, algo que os EUA ainda não estão conseguindo fazer.

Delegados indianos comentaram sobre o resultado no sábado. “Não estamos felizes com a maneira como os EUA lidaram com o problema do HFC-23. Quanto à emenda como um todo? Às vezes você precisa ceder em algumas coisas. Nem sempre você consegue tudo o que quer.”

Lou Del Bello viajou a Kigali a convite da CDKN.

Este texto foi publicado originalmente no Climate Home e é reproduzido pelo OC por meio de uma parceria de conteúdo.

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