Presidente Michel Temer é acusado de dar aval para a compra de silêncio de Eduardo Cunha. Crédito: Angelo Rigon/MMA

#NEWS

O presidente dos ruralistas, traído pela JBS

Michel Temer passou seu primeiro ano de mandato cedendo a todos os interesses da bancada do boi, apenas para ser enredado num escândalo envolvendo o maior frigorífico do mundo

22.05.2017 - Atualizado 11.03.2024 às 08:28 |

FABIANO MAISONNAVE
DO CLIMATE HOME

Em seu primeiro ano no poder, o presidente Michel Temer fez o que pôde para agradar à bancada do boi.

Entre as várias concessões que fez, tornou um membro da bancada ruralista ministro da Justiça, congelou a demarcação de terras indígenas, concordou em acabar com o licenciamento ambiental para agropecuária extensiva e até mesmo deu sinal verde para legalizar a grilagem em áreas protegidas.

Tanta flexibilidade foi paga com traição. Na semana passada, o governo Temer foi posto de joelhos pela JBS, maior produtora de carne do planeta.

Na noite do dia 7 de março, num encontro no Palácio do Jaburu, o presidente da JBS, Joesley Batista, gravou Temer secretamente num alegado endosso à compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha, preso por corrupção no ano passado.

Na última quarta-feira, o jornal O Globo revelou a conversa, jogando o Brasil mais uma vez no caos político e na incerteza.

A gravação integra a delação premiada que a família Batista, dona da JBS, está negociando com o Ministério Público. A gigante da proteína e suas empresas irmãs são objeto de cinco investigações da Polícia Federal, incluindo um escândalo internacional sobre propinas a fiscais sanitários, revelado pela Operação Carne Fraca – e que derrubou as exportações de carne do Brasil.

Na sexta-feira, o STF divulgou a íntegra do conteúdo explosivo da delação, que sugere que Temer, assim como os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e vários outros políticos, receberam centenas de milhões de reais em propina da JBS.

As revelações causaram uma enxurrada de pedidos de renúncia de Temer, um presidente impopular que foi alçado ao poder após o controverso impeachment de Dilma Rousseff, e que tem feito pouco para melhorar sua popularidade ao promover um pacote de austeridade em meio à pior recessão da história do Brasil.

A JBS é conhecida por suas conexões políticas. Durante os mandatos de Lula e Dilma, a empresa obteve bilhões de reais em empréstimos subsidiados do BNDES.

O frigorífico recompensou o mundo político com generosidade. Em 2014, a JBS foi a maior doadora de campanha, dando mais de R$ 300 milhões para políticos de todas as correntes – incluindo caixa dois, como a empresa admitiu. O dinheiro ajudou a eleger 163 dos 513 deputados.

Muitos desses parlamentares pertencem à bancada ruralista, que tem mais de 200 votos e é o grupo de pressão mais poderoso do Congresso. Ela inclui Osmar Serraglio, nomeado por Temer ministro da Justiça em fevereiro. Na campanha de 2014, Serraglio recebeu R$ 200 mil da JBS – seu maior doador individual.

Como ministro, Serraglio permanece agarrado firmemente à agenda ruralista. Literalmente à agenda: em seus primeiros 55 dias no cargo, 82 de 305 audiências concedidas foram a membros da bancada, conhecida formalmente como FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária). Ele se encontrou cinco vezes com seu presidente, o deputado Nílson Leitão (PSDB-MT).

Serraglio, que tem entre suas responsabilidades a política indigenista, também parou a demarcação de terras, prioridade para a FPA, e cortou orçamento e pessoal da Funai.

Como respostam líderes indígenas, que nunca tiveram nenhum encontro formal com Serraglio, mobilizaram 3.500 pessoas num protesto em Brasília no mês passado – um contingente impressionante da população indígena do Brasil, estimada em 900 mil..

Poucos dias depois, o presidente da Funai, Toninho Costa, foi demitido. Em sua última entrevista, ele acusou Serraglio de ser “ministro de uma causa, a do agronegócio” e disse que a fundação estava “sob uma ditadura”.

Mesmo quando o governo federal se mexe contra os interesses da JBS, a influência do conglomerado é clara. Em março, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-MA), pediu desculpas publicamente aos pecuaristas depois que o Ibama embargou duas unidades da JBS por comprar dezenas de milhares de toneladas de carne de áreas com desmatamento ilegal no Pará. Num vídeo, Sarney diz que não tinha conhecimento da operação e que ela aconteceu “num momento inoportuno”, já que poderia “enfraquecer o setor do agronegócio, um grande exportador”.

Nos últimos meses, durante as negociações de uma nova lei de licenciamento ambiental, Sarney concordou em isentar a atividade agropecuária extensiva de licença, embora ele tenha se oposto ao projeto de “licenciamento flex”, no qual os Estados teriam a palavra final sobre o rigor do licenciamento.

O alinhamento de Temer com a agenda ruralista também está claro no Congresso. Na semana passada, a maioria governista na Câmara aprovou uma Medida Provisória que reduz em 597 mil hectares áreas protegidas em sua maioria na Amazônia, legalizando a grilagem e permitindo a mineração. Ao mesmo tempo, Temer negociava com a FPA um perdão a dívidas do setor, de forma a angariar votos para a polêmica reforma na Previdência.

Com a crise política, todos esses acordos com o Congresso deverão parar. Até aqui, a FPA ainda não decidiu se continua apoiando o presidente ou se engrossa o coro da sua renúncia.

Mas o impasse não deve trazer alívio para um meio ambiente que sofre com taxas de desmatamento em rápido crescimento. Se Temer renunciar, não está claro se haverá novas eleições ou se a escolha será feita pelo Congresso, como reza a Constituição. De qualquer forma, o novo presidente, seja quem for, sofrerá pressão semelhante para beijar a mão da FPA – nenhum nos últimos anos deixou de fazer isso.

Se Temer ficar, ele precisará ainda mais do Congresso e, por consequência, da bancada do boi.

Se Michel Temer era tão bom assim para os ruralistas, por que foi traído? Uma explicação é que a JBS e a bancada ruralista não são a mesma coisa, disse Alceu Castilho, coordenador do De Olho nos Ruralistas. Segundo ele, vários deputados se opõem ao quase monopólio dos abatedouros pela JBS.

“Os interesses dos ruralistas são mais amplos do que os de uma empresa específica. São interesses do setor. Mas eles coincidem em temas como perdão de dívidas, remoção de obstáculos legais, incluindo licenciamento ambiental, bem como a luta contra as terras indígenas e as unidades de conservação. Todo mundo sabe caminhar junto quando convém”, disse Castilho.

Uma pista para as motivações da JBS ao trair Temer é a intenção do conglomerado de mudar sua sede para os EUA, que detêm metade de suas vendas globais. De forma a cumprir com determinações de autoridades brasileiras e do Departamento de Justiça dos EUA, a família concordou em cooperar em várias investigações.

“Ao ‘rifar’ o governo Temer e, no caminho, lançar o país no abismo das incertezas política, financeira e econômica, Joesley Batista quer assegurar o passaporte de seu grupo para fora do Brasil”, escreveu Vanessa Adachi no jornal Valor Econômico.

Este texto foi originalmente publicado em inglês no site Climate Home e é republicado pelo OC por meio de uma parceria de conteúdo.

Related

Nossas iniciativas