Fonte: Flickr/UNFCCC

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ONU espera onda de novas metas climáticas em aniversário do Acordo de Paris

Cúpula de Ambição Climática acontece hoje sem Brasil e com otimismo gerado pela eleição de Joe Biden e pela onda de promessas de neutralização de emissões em 2050

12.12.2020 - Atualizado 11.03.2024 às 08:29 |

DO OC – No dia em que o Acordo de Paris completa cinco anos, um otimismo pouco comum para as negociações internacionais de clima toma conta da comunidade internacional. A ONU espera neste sábado uma onda de anúncios, por vários países, de metas mais ambiciosas para 2030 que ajudem a colocar o mundo nos trilhos da estabilização do aquecimento global em menos de 2oC – e, quem sabe, até mesmo de 1,5oC.

Essa perspectiva, que parecia fora de alcance no começo do ano da Covid-19, de repente tornou-se menos utópica a partir do meio do ano, quando uma série de países começou a propor metas de neutralizar suas emissões de carbono em 2050. Essa intenção, de neutralização até meados do século, se tornou o principal foco das ações globais para mitigação climática depois que estudos mostraram que ela seria a única forma de o planeta cumprir o acordado na França. Neutralizar, ou zerar as emissões líquidas, significa encontrar um equilíbrio entre a quantidade de gases de efeito-estufa emitidos pelo homem e a quantidade que é compensada pelo processo de remoção de carbono, que ocorre por exemplo com a restauração de florestas ou pela tecnologia de captura e armazenamento direto do ar (DACS). O mais recente relatório especial  sobre o Aquecimento Global, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), concluiu, por exemplo que se o mundo zerar as emissões líquidas uma década mais cedo, em 2040, a chance de limitar o aquecimento a 1,5°C é consideravelmente mais alta. Com a eleição de Joe Biden nos EUA no mês passado, isso voltou a ser uma possibilidade.

A expectativa de uma nova chance ao planeta será celebrada hoje na Cúpula de Ação Climática, realizada pela ONU juntamente com os governos da França e do Reino Unido. O acordo do clima havia convidado os países que submeteram metas (NDCs) em 2015 a atualizar seus planos e propor planos mais ambiciosos até o final deste ano. Dezenove países já o fizeram, inclusive o anfitrião, o Reino Unido, com uma meta ousada de 68% de redução em suas emissões em 2030 em relação a 1990, e a União Europeia, que aprovou nesta sexta-feira um plano de corte de 55% de seu carbono. Outras centenas anunciaram ter planos condizentes com o “novo normal” das metas climáticas, que é o de zerar as emissões até meados do século. Segundo o consórcio Climate Action Tracker, se inseridos em lei e implementados, esses compromissos poderiam levar o mundo muito perto do objetivo de menos 2oC: a 2,1oC, um desvio considerável da atual trajetória global, de 3,2oC neste século.

Em um comunicado feito na quarta-feira (2), dias antes da cúpula, o secretário-geral da ONU, António Guterres, lembrou que a situação global é crítica, mas se mostrou otimista com as promessas de centenas de países como Japão e Coreia do Sul. “Isso significa que, no início do próximo ano, os países que representam mais de 65% das emissões globais de dióxido de carbono e mais de 70% da economia mundial terão assumido compromissos ambiciosos com a neutralidade de carbono”, afirmou.

No entanto, a rede Net Zero Tracker indica que somente dois países já zeraram as emissões (Suriname e Butão); seis já possuem legislações climáticas vigentes (Suécia, Reino Unido, França, Dinamarca, Nova Zelândia e Hungria); e quatro nações (Fiji, Chile, Espanha e Coreia do Sul), além da União Europeia, estão tentando aprovar leis de clima. Ainda que o cenário não pareça promissor, se depender dos anúncios e movimentos feitos nos últimos meses, Guterres tem motivos para esperar boas notícias nos próximos dias.

O compromisso dos grandes – e o descaso do Brasil

O primeiro sinal de otimismo veio em setembro, quando o presidente Xi Jinping anunciou, na abertura da Assembleia Geral da ONU de 2020, que a China “terá como objetivo atingir a neutralidade de carbono antes de 2060”. Esse foi um verdadeiro marco na política climática internacional, pois foi a primeira vez que o país, o maior poluidor do planeta, reconheceu a necessidade de chegar a emissões zero até meados do século.

A outra boa notícia veio meses depois, com a eleição americana. O democrata Joe Biden, que saiu vitorioso do pleito, prometeu como uma das primeiras ações de seu governo recolocar os Estados Unidos no Acordo de Paris. Dias antes, o país, segundo maior poluidor do mundo, havia saído oficialmente do compromisso a pedido do presidente republicano Donald Trump.

O terceiro ponto que anima especialistas é a proposta da primeira Lei Europeia do Clima, elaborada em março desde ano, e que recentemente foi aprovada pelo parlamento da UE. Criada com o intuito de transformar em obrigação legal o cumprimento das promessas políticas que levarão a UE a zerar as emissões líquidas até 2050, a proposta agora está pronta para ser negociada com lideranças de cada país que compõe o grupo.

Já a Índia, que também ocupa o topo da lista de maiores emissores, registrou pela primeira vez em quatro décadas uma queda nas emissões de carbono, de acordo com relatório do site The Carbon Brief. Um dos fatores que contribuíram para essa redução foi a pandemia, mas especialistas indicam que, mesmo sem metas concretas para zerar emissões, o país está seguindo um caminho promissor: “A Índia está fazendo muitas coisas boas, como o fechamento de usinas de carvão, investimento em energias renováveis. Duvido que eles irão anunciar meta de neutralizar emissões até 2050, mas devem apresentar algumas promessas. Em termos globais, o cenário atual é muito mais promissor do que o de três meses”, explica Mark Lutes, Conselheiro Sênior de Política Global do Clima do WWF.

Brasil na contramão

O Brasil é um dos países que não segue a tendência de comprometimento com a questão climática. Muito antes pelo contrário. O país ficou de fora da lista de nações que participarão neste final de semana da Cúpula da Ambição Climática 2020 por ter apresentado, dias antes, uma atualização da sua NDC com retrocessos e chantagem a países ricos. O documento, apresentado pelo ministro Ricardo Salles e posteriormente enviado à ONU, surpreendeu até os mais desacreditados no governo. A NDC, além de condicionar a antecipação da meta de neutralidade em 2060 ao pagamento de US$ 10 bilhões de dólares por ano ao Brasil a partir do ano que vem, “se compromete” a lançar 400 milhões de toneladas a mais de CO2 na atmosfera até 2030 do que a primeira NDC. O documento permite, ainda, a manutenção do desmatamento na Amazônia em níveis elevados cumprindo a meta mesmo assim.

Com isso, o país tornou-se provavelmente o único caso no mundo de grande emissor que reduz a ambição de seus compromissos após a adoção do Acordo de Paris, traindo a letra e o espírito do tratado. A situação gera apreensão internacional, já que atualmente o país ocupa a 6ª posição entre as nações que mais emitem gases-estufa (5ª se excluirmos a União Européia).“É uma pena, porque aqui seria muito mais fácil chegar ao compromisso de zerar as emissões nas próximas décadas”, afirma Lutes.

De acordo com o especialista, o fato de o país já ter uma matriz energética mais limpa e ter mais oportunidades de compensar emissões facilitaria o cumprimento das metas. O que parece faltar é vontade política. “A gente percebe que o Brasil não quer ficar muito diferente do que hoje são os grandes emissores, como China e Índia”, resume.

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