John Kerry discursa na COP27. Foto: Marc Beckmann/BMW Foundation Herbert Quandt/Flickr)

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Plano dos EUA para créditos de carbono é anunciado na COP27 e recebido com críticas

Parceria com corporações foi apresentada como solução para países pobres, mas há desconfiança quanto à efetividade do plano para zerar emissões

09.11.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

DO OC – Os Estados Unidos lançaram hoje (9/11), na COP27, a 27a Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU, seu plano para criação de um mercado de créditos de carbono nos países em desenvolvimento. O anúncio foi feito por John Kerry, enviado especial dos Estados Unidos para o clima. O Acelerador de Transição Energética (ETA, na sigla em inglês) foi recebido com desconfiança e críticas  por especialistas e organizações da sociedade civil, que apontam que o mecanismo previsto pode contrariar as recomendações do grupo de trabalho de especialistas climáticos da ONU para a garantia do objetivo de zerar as emissões de gases de efeito estufa. 

A parceria do Departamento de Estado dos EUA com a Fundação Rockefeller e o Bezos Earth Fund foi apresentada como uma forma de “direcionar capital privado para acelerar a transição para energia limpa nos países em desenvolvimento”. Em linhas gerais, o plano  — que ainda será atualizado ao longo do próximo ano — prevê que países e regiões que reduzam a queima de combustíveis fósseis e incorporem o uso de energias renováveis às suas matrizes recebam créditos de carbono, que poderão ser vendidos a empresas que queiram compensar suas emissões de gases de efeito estufa. 

Kerry defendeu o mecanismo de injeção de verbas privadas como a melhor solução para o financiamento da transição energética nos países em desenvolvimento: “Líderes de países em desenvolvimento querem fazer a transição energética, mas dizem que a barreira é a falta de dinheiro para reduzir emissões. Nenhum governo do mundo tem dinheiro suficiente para bancar isso”, declarou, segundo O Globo.

Para Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, mecanismos dessa natureza não podem substituir as responsabilidades dos países mais emissores com o financiamento de políticas climáticas nos países mais vulneráveis: “Estamos vivendo uma emergência climática e os países que mais contribuíram para o problema devem ser os responsáveis pelos maiores esforços de redução de emissões de gases de efeito estufa e também pelo financiamento climático para os países em desenvolvimento. A proposta apresentada pode ser considerada uma iniciativa que direciona fluxos financeiros do setor privado, mas não diminui a responsabilidade dos EUA com a sua parcela justa dessas duas obrigações”, disse. 

Além disso, há especialistas que argumentam que a compensação de emissões não deveria ser priorizada no atual estágio da crise climática — quando há uma corrida para zerar emissões, caso se queira atingir a meta de 1,5º fixada pelo Acordo de Paris. Kerry reforçou, segundo o Climate Home News, que o plano vai ao encontro das recomendações do grupo de especialistas da ONU, garantindo que as compensações seriam utilizadas apenas como “último recurso” e depois de as empresas compradoras de créditos de carbono terem reduzido suas emissões. 

Ainda segundo o enviado dos EUA para o clima, indústrias de combustíveis fósseis não seriam elegíveis para o programa. Mesmo assim, pairam as ressalvas entre os especialistas: “É difícil entender como Kerry pode afirmar que sua iniciativa preenche todos os critérios do grupo de especialistas da ONU”, declarou Teresa Anderson, líder para justiça climática na ActionAid International, ao Climate Home News

Já Leo Roberts, integrante da equipe de transição do carvão da  E3G, organização da sociedade civil para mudança climática, disse que o plano é uma “massa de biscoito crua”, e que não há detalhes de como o mecanismo funcionaria na prática. Segundo declarou ao mesmo veículo, o governo dos EUA teria em suas mãos “ferramentas muito mais impactantes e menos prejudiciais à sua reputação” para aumentar o financiamento privado à transição energética. 

As ponderações não vieram apenas de organizações da sociedade civil, mas também de governos. Segundo o jornal Politico, Jochen Flasbarth, secretário de Estado do Ministério alemão para Cooperação e Desenvolvimento, declarou a repórteres na COP27  ter “preocupações no sentido de que os compromissos que assumimos como  governos não sejam substituídos por compensações privadas”. Segundo o jornal, oficiais da comitiva alemã declararam que iniciativas de compensação não podem desviar o foco dos esforços para que as emissões sejam de fato zeradas. 

De acordo com o New York Times, importantes organizações climáticas dos Estados Unidos, como o World Resources Institute e o Natural Resources Defense Council decidiram não apoiar o plano, ao serem procuradas pelo Departamento de Estado dos EUA antes do lançamento oficial. A razão, segundo o jornal, seria o temor de que a estratégia poderia enfraquecer os esforços para a redução global de emissões a zero.  

Durante o anúncio de hoje na COP27, um ativista interrompeu o discurso  de John Kerry e gritou que ele estaria “promovendo falsas soluções”. (LEILA SALIM)

 

 

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