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Aquecimento de 2 graus não é “seguro”, sugere painel do clima da ONU

Rascunho de novo relatório do painel da ONU vazado para site britânico indica impactos significativamente menores de limite de temperatura de 1,5oC, meta mais ambiciosa do Acordo de Paris

28.06.2018 - Atualizado 11.03.2024 às 08:28 |

KARL MATHIESEN, MEGAN DARBY e SOILA APPARICIO
DO CLIMATE HOME

Um rascunho vazado de um grande relatório das Nações Unidas sobre mudança climática mostra que há cada vez mais certeza científica de que um aquecimento global de 2oC, que até agora vem sendo considerado um limite “seguro”, seria um passo perigoso para a humanidade.

Os autores deixam claro que a diferença entre um aquecimento de 1,5oC e de 2oC seria “substancial” e prejudicial a comunidades, economias e ecossistemas no mundo todo.

Leia aqui o relatório (em inglês).

Em 2015, o Acordo de Paris estabeleceu duas metas de limite de temperatura global: prometeu segurá-las “bem abaixo de 2oC” e “envidar esforços” para mantê-la em 1,5oC.

O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, o IPCC, vem desde então trabalhando para avaliar a diferença entre essas duas metas, com o objetivo de publicar uma análise ampla de toda a evidência disponível em outubro deste ano.

O relatório, que o Climate Home News publicou nesta quarta-feira (26), é um rascunho, e está sujeito a mudanças. O IPCC disse que não faria comentários sobre relatórios vazados. Uma versão anterior também foi publicada pelo site, em janeiro.

O Climate Home comparou as duas versões. A nova defende com mais veemência que os governos cortem rapidamente as emissões de carbono. Também é marginalmente mais otimista quanto à possibilidade de atingir a meta de 1,5oC.

Em janeiro, os autores disseram que cada meio grau Celsius acrescentado ao aquecimento atual de 1oC “aumentaria” os riscos sob vários aspectos. Essa redação foi turbinada no novo sumário, que agora prevê “aumentos substanciais” nesses riscos.

O físico Bill Hare, CEO da Climate Analytics, disse que o novo rascunho dá grandes passos no sentido de esclarecer a diferença entre as duas metas de temperatura de Paris.

Desde que o primeiro rascunho circulou, vários estudos focando na diferença entre os impactos de um aquecimento de 1,5oC e de 2oC foram publicados. Novas evidências sobre os impactos nas espécies, na economia, nos sistemas físicos e no aumento do número de pragas foram incorporados ao relatório.

Um documento lançado em abril permitiu ao IPCC prever que com 2oC haverá “pelo menos um verão com o Ártico livre de gelo por década”, enquanto com 1,5oC isso ocorreria apenas uma vez a cada século.

O rascunho também foi modificado para incluir novas pesquisas sobre os impactos econômicos, concluindo que “projeta-se que o crescimento econômico seja menor com 2oC do que com 1,5oC de aquecimento global em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento”.

A principal pergunta sobre a meta de 1,5oC é: ela ainda pode ser alcançada? No novo rascunho, os cientistas do IPCC escrevem: “não há uma resposta simples”.

Nos níveis atuais de poluição, o mundo está esquentando cerca de 0,2oC por década. Se essa tendência continuar, o limite será superado em 2040, diz o relatório.

No entanto, uma comparação entre as duas versões do documento revela um aumento substancial no “orçamento de carbono” – a massa total de gases de efeito estufa que ainda podem ser emitidos antes que o mundo esteja irremediavelmente comprometido com um aquecimento de mais de 1,5oC.

O rascunho de janeiro mostrava que máximo de 580 bilhões de toneladas de CO2, daria uma chance de 50% de limitar o aquecimento global a 1,5oC. No novo rascunho, esse número foi ampliado em um terço, para 750 bilhões de toneladas.

Em janeiro, os autores escreveram que cenários que nos dessem uma chance de 66%de permanecer em 1,5oC já estavam “fora de alcance”. Essa redação foi suprimida, embora o novo documento não diga que essa possibilidade mais alta seja considerada factível agora.

O Climate Home pediu a cientistas do IPCC que não estiveram diretamente envolvidos na formulação do sumário para explicarem a diferença entre os orçamentos de carbono. Nenhum deles quis comentar formalmente (“on the record”, no jargão jornalístico).

Um pesquisador disse que o processo para calcular o orçamento de carbono foi “muito transparente”.

O cálculo de orçamentos de carbono se baseia em uma série de pressupostos; abordagens distintas produzem números que variam “em mais de 50%”, segundo a nova versão do sumário do IPCC. Isso cobre um conjunto de cortes de emissões no mundo real que vão de virtualmente impossíveis de obter a possíveis, mas desafiadores.

O primeiro rascunho do relatório especial foi distribuído em janeiro pelo IPCC para comentários de cientistas. Após receber dezenas de milhares de comentários, ele foi revisado e em 4 de junho uma nova versão foi mandada para os governos.

Ambas as versões demandam que as emissões de CO2 no setor de eletricidade caiam a zero no meio do século.

O segundo rascunho acrescenta uma nota segundo a qual “A factibilidade política, econômica, social e técnica da energia solar, da energia eólica e das tecnologias de armazenamento cresceu nos últimos anos, sinalizando que uma transição sistêmica na geração de eletricidade pode estar ocorrendo”.

O último rascunho do sumário põe mais ênfase nos cortes de emissões antes de 2030. Isso reflete as metas nacionais de vários países no Acordo de Paris, que estabelecem cortes de emissões para aquele ano.

Há cada vez mais pressão para que essas promessas sejam incrementadas. Na última segunda-feira, 14 países da União Europeia pediram que a estratégia climática de longo prazo da Comissão Europeia fosse alinhada com o limite de 1,5oC.

O sumário discorre sobre o que uma transição “rápida e de amplo alcance” significa em diferentes setores.

A instalação de energias renováveis precisa acelerar mais para que 1,5oC seja alcançável, diz o rascunho, com a energia primária por carvão mineral caindo em dois terços até 2030. Para comparação, a Agência Internacional de Energia prevê que o uso desse combustível fóssil vá aumentar ligeiramente no período, com base em políticas já existentes e sinalizadas pelos países.

O IPCC pede ainda o manejo sustentável de demandas concorrentes sobre uso da terra. Isso inclui “mudanças dietárias” – ou seja, que os ricos comam menos carne bovina – e “intensificação sustentável” da agropecuária, algo que é visto com suspeita por muitos ambientalistas.

Cortes radicais de emissões também precisam acontecer na indústria, nos transportes e no setor de edificações, onde a tecnologia existe, mas enfrenta barreiras sociais.

A seção final lida com o desenvolvimento sustentável e com a maneira como os esforços para alcançar o limite de 1,5oC interagem com metas como a erradicação da pobreza.

No sumário de janeiro, os autores avisavam que havia uma “chance elevada” de que a meta de 1,5oC “poderia não ser viável” porque os esforços de remover carbono da atmosfera, por meio do plantio de árvores ou da captura de carbono em usinas de biocombustível poderiam conflitar com outras prioridades de desenvolvimento e abarcar terras usadas para produção de alimentos.

Essa linguagem foi suavizada na nova versão, que conclui em vez disso que a factibilidade de tais métodos “depende da escala [e das] implicações para o uso da terra, da água e da energia”.

* Este texto foi originalmente publicado no Climate Home News e é traduzido pelo OC por meio de uma parceria de conteúdo

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