Manifestante em ato contra a guerra n Ucrânia se diz "pronta para o frio" (Foto: Felipe Werneck/OC)

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Na newsletter: Caetano contra o desmonte ambiental e o novo alerta do IPCC

05.03.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

A bárbara e injustificada invasão da Ucrânia pelo autocrata russo Vladimir Putin trouxe a sombra da Guerra Fria de volta, quase 33 anos após a queda do Muro de Berlim. E acabou ofuscando o principal alerta à humanidade deste ano: a segunda parte do Sexto Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). No documento, o painel afirma que metade da população mundial já vive sob risco elevado de impactos climáticos, que vêm matando, retardando o desenvolvimento e aumentando as desigualdades – com os países e populações mais pobres sofrendo desproporcionalmente mais. O relatório foi chamado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, de “um testemunho vergonhoso da falta de liderança” no clima, num apelo ao aumento da ambição das metas de corte de emissões e aumento de financiamento climático aos países pobres.

Não escapou a Guterres a ligação íntima entre o conflito no leste europeu e as conclusões do painel: o português lembrou que a dependência da humanidade de combustíveis fósseis expõe o mundo a “riscos geopolíticos”. Foi uma referência velada a Putin, um tirano sempre afagado pelos europeus devido à dependência que o continente tem do gás fóssil russo para se aquecer no inverno.

Nesta edição da newsletter, você verá como os europeus estão encarando o conflito, que pode deixar como efeito colateral uma maior pressão da sociedade por uma transição acelerada para as energias renováveis.

Boa leitura.

A ÚLTIMA GUERRA DA ERA FÓSSIL?

Invasão da Ucrânia pode acelerar transição energética e eliminar poder de barganha de tiranos movidos a óleo e gás, como Putin

Na manifestação que reuniu pelo menos 100 mil pessoas em Berlim no último domingo (27/2) contra a invasão da Ucrânia pela Rússia, muitos alemães levantaram cartazes para mostrar que estão prontos para mudar de vida e enfrentar os próximos invernos sem o gás russo.

A Europa importa da Rússia cerca de 40% do gás natural que consome, e essa dependência do regime de Vladimir Putin só aumentou na última década – as importações russas representavam 27% do uso de gás na Europa em 2013, e chegaram a 38% em 2021.

Dois dias antes da invasão da Ucrânia, a Alemanha suspendeu a aprovação do gasoduto Nord Stream 2, em reação ao reconhecimento, pela Rússia, das autoproclamadas repúblicas de Luhansk e Donetsk, no leste ucraniano.

O gasoduto russo de US$ 11 bilhões e 1,2 mil km foi construído para transportar gás do oeste da Sibéria para o nordeste da Alemanha, dobrando a capacidade do Nord Stream 1. Está pronto, faltava só uma certificação do governo alemão para o início das atividades. Agora, a empresa responsável pela obra está à beira da falência: ela encerrou os contratos com seus funcionários após os “desdobramentos geopolíticos que levaram à imposição de sanções”.

​O projeto do gasoduto foi iniciado em 2005 por Gerhard Schröder, antecessor de Angela Merkel, e ampliado por ela. Após deixar o governo, Schröder tornou-se parceiro de Putin: ele é presidente do comitê de acionistas da Nord Stream, presidente do conselho de administração da Nord Stream 2 e em fevereiro foi nomeado para integrar o conselho da estatal russa de energia Gazprom.

Metade das residências na Alemanha é aquecida com gás, e a parcela do gás natural russo no consumo do país aumentou de 40% para 55% desde 2012. Essa dependência é ainda maior em países como Áustria e Hungria (60%), Polônia (80%) e Bulgária (100%).

Para o cientista político Eduardo Viola, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e especialista em política climática global, a crise do gás deve acelerar a transição para renováveis na Europa, mas no curto prazo ela vai provocar uma corrida por fontes fósseis, como o carvão.

“A transição energética se fortalece no médio e longo prazo, mas no curto haverá aumento das emissões. Outra coisa que acho possível é que a Alemanha não feche as últimas usinas nucleares que estão em operação”, avalia Viola.

A Alemanha anunciou um cronograma para encerrar usinas nucleares após o desastre de Fukushima, em 2011, e a equipe do recém-eleito chanceler Olaf Scholz promete eliminar o carvão até 2030, oito anos antes da meta oficial do país. Hoje, a maioria dos 27 estados da União Europeia dá mais subsídios a fósseis do que para renováveis.

Para Viola, houve um erro estratégico gigantesco do Ocidente em relação à Rússia, principalmente a partir da anexação da Crimeia, em 2014. “O apaziguamento de Putin por países do Ocidente se deve à dependência energética, que eles incrementaram, mas também a uma visão distorcida da lógica de Putin. Ele se tornou cada vez mais ambicioso e autoritário à medida que percebia a divisão no Ocidente, que fomenta”, diz o cientista político. “Agora, com o perfil brutal contra a população civil, o mundo ocidental se reunificou, a Otan está mais forte, e até a sociedade americana de certa forma se reunificou, com a divisão do trumpismo.” Viola avalia, porém, que só uma pessoa pode conter Putin: Xi Jinping, presidente da China.

“A mudança do quadro é radical, não apenas em apenas em energia, mas em todo o sistema internacional. É definitivo que entramos em uma segunda guerra fria.”

Foto: Manifestante contra a guerra em Berlim diz estar “pronta para o frio” (Felipe Werneck/OC
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CAETANO CONVOCA ATO CONTRA O “COMBO DA MORTE”

Na próxima quarta-feira, dia 09, Caetano Veloso vai liderar um ato inédito contra os retrocessos socioambientais no Brasil. Juntamente com dezenas de artistas como Emicida, Criolo, Seu Jorge, Daniela Mercury e Maria Gadú, além de organizações e movimentos da sociedade civil, o cantor está convocando a população brasileira para se reunir às 15h em frente ao Congresso Nacional no Ato em Defesa da Terra. O propósito é jogar luz sobre os riscos de uma série de projetos de lei que podem ser votados nas próximas semanas e tentar impedir que deputados e senadores aprovem o “Combo da Morte”, que traria prejuízos irreversíveis ao clima, aos povos indígenas, à saúde e à segurança da população.

 

EMISSÕES DE GÁS FÓSSIL POSEM SER 70% MAIORES

O mais recente relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), o 2022 Global Methane Tracker, mostrou que o mundo está emitindo muito mais metano para atmosfera do que se imaginava. De acordo com o documento, as emissões deste gás, que é o segundo maior causador do efeito estufa e responsável por quase um terço do aumento da temperatura que ocorreu no planeta desde o início da Revolução Industrial, são até 70% maiores do que o relatado oficialmente pelo setor global de energia. Além das fontes fósseis, que são responsáveis por 38% das emissões, o metano também é liberado na atmosfera por uso da terra e mudanças de uso da terra (40%), pelo setor de resíduos (20%) e por fontes naturais, como pântanos e solos. O cenário é ruim, mas pode ser melhorado de forma relativamente rápida. De acordo com o economista-chefe de energia da IEA, Tim Gould, se até o final desta década os países cumprirem com a promessa de reduzir em 30% as reduções de metano no setor, o impacto no aumento da temperatura global até meados do século será o mesmo que trocar todos os carros, caminhões, aviões e navios do mundo para tecnologias de emissão zero.

 

PAINEL PUBLICA “ATLAS DO SOFRIMENTO HUMANO”

Entre 3,2 bilhões e 3,6 bilhões de pessoas, metade da população mundial, vive hoje sob risco elevado de impactos da mudança do clima. O dado foi publicado pelo IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que no último dia 28 lançou a segunda parte de seu Sexto Relatório de Avaliação, o AR6.

Dedicado a impactos, adaptação e vulnerabilidades, o novo volume teve a participação de 270 cientistas e avaliou mais de 34 mil estudos, para concluir que a humanidade já vive uma era de perdas e danos climáticos. Muitos ecossistemas – como os recifes de coral e a floresta amazônica – e populações poderão ser empurrados para além de sua capacidade de adaptação caso o aquecimento global ultrapasse 1,5ºC, o que deve acontecer nos próximos 20 anos, e em alguns casos a mudança pode ser permanente, mesmo que a temperatura retorne a níveis inferiores a essa marca no futuro.

Embora os governos tenham cortado a expressão do sumário dedicado a formuladores de políticas públicas, o relatório é um compilado contundente de evidências de injustiça climática. Um “Atlas do sofrimento humano”, como definiu o secretário-geral da ONU, António Guterres, no qual a vulnerabilidade tem “cor, raça, gênero e geografia”, como afirmou a pesquisadora Patrícia Pinho, do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), coautora do relatório.

O OC publicou um resumo em português das principais conclusões do relatório. O ClimaInfo fez um ótimo recorte dos impactos para o Brasil.

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