Gelo marinho derrete no verão no Oceano Ártico (Foto: Claudio Angelo/OC)

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Estudo faz correlação direta entre emissões de carbono pessoais e degelo do Oceano Ártico e conclui que, a cada tonelada que você emite, Papai Noel perde 3 metros quadrados de sua casa

03.11.2016 - Atualizado 11.03.2024 às 08:27 |

CLAUDIO ANGELO
DO OC

Cada vez que você viaja de avião de ida e volta para a Europa, você derrete três metros quadrados de gelo no polo Norte. A cada 4.000 quilômetros que você roda com seu carro a gasolina, você derrete três metros quadrados de gelo no Ártico. A cada dois meses comendo bife uma vez por dia, você derrete três metros quadrados de gelo no Ártico. Como há muita gente como você que viaja de avião, anda de carro e come bife, nesse ritmo o gelo do Ártico não tem mais muito tempo de vida. E uma dupla de cientistas da Alemanha e dos Estados Unidos acaba de calcular quanto.

Dirk Notz, do Instituto Max-Planck de Meteorologia, em Hamburgo, e Julienne Stroeve, do NSIDC (Centro Nacional de Dados de Gelo e Neve), em Boulder (EUA), estabeleceram a primeira correlação direta entre emissões de gases de efeito estufa por hábitos pessoais e derretimento da camada de gelo marinho que cobre o Oceano Ártico – que abriga polo Norte, o proverbial lar de Papai Noel.

Em estudo publicado nesta quinta-feira no site do periódico científico Science, eles mostram que cada tonelada de CO2 emitida pela humanidade – cada atividade listada acima emite uma tonelada de gás carbônico – causa o derretimento de 3 m2 de gelo no Ártico. Com essa correlação em mãos, eles conseguiram produzir uma resposta plausível para uma questão que tem tirado o sono dos cientistas do clima: quando o polo Norte estará livre de gelo no verão?

O Ártico está numa trajetória de derretimento muito mais acelerada do que o previsto pelos modelos climáticos. Em 2012, a extensão mínima do mar congelado no verão, medida em setembro, foi o equivalente à metade da média verificada entre 1979 e 2000. Embora haja enorme variação natural de ano a ano, a tendência é de redução global, e o recorde de 2012 de derretimento pode ser batido a qualquer momento (em 2016 o degelo foi o segundo maior da história, estatisticamente empatado com 2007).

O glaciologista Mark Serreze, diretor do NSIDC, chamou esse movimento de “espiral da morte”: quanto mais gelo se perde, mais área de oceano fica exposta, o que aumenta a absorção de radiação solar, causando ainda mais degelo. Alguns cientistas chegaram a prever que já em 2016 o Ártico fosse estar descongelado no verão, o que tornaria possível navegar do Canadá à Rússia através do polo Norte. O IPCC, o painel do clima da ONU, estimou em 2013 que o gelo fosse durar até o meio do século. Serreze e outros pesquisadores têm apostado que o degelo total acontecerá antes disso, dado que o Ártico real tem derretido mais depressa que o dos modelos computacionais usados pelo IPCC.

Em seu estudo, Notz e Stroeve espertamente saltaram a polêmica. “Achamos importante comunicar que não há um ano específico no qual o gelo some, mas apenas uma quantidade específica de CO2”, disse Notz ao OC. E essa quantidade específica foi estimada em algo em torno de 1 trilhão de toneladas –o mesmo que a humanidade ainda pode emitir neste século para evitar que o aquecimento global ultrapassa 2oC.

“Não podemos dar um ano concreto, já que não sabemos quais serão as trajetórias de emissão no futuro”, prosseguiu o cientista alemão. Para os níveis de emissão atuais, de 35 a 40 bilhões de toneladas de CO2 por ano, nosso estudo sugere que o gelo marinho desapareça por todo o mês de setembro em menos de 30 anos.”

Para chegar a esse número, a dupla olhou as séries de dados dos modelos climáticos do IPCC, na tentativa de entender por que estes não conseguem replicar o comportamento real do gelo e como chegar a uma previsão mais acurada.

Eles se deram conta de que, em todas as simulações dos modelos, o gelo no Ártico estava relacionado de forma linear ao aumento da temperatura. “Como nós sabíamos pelo último relatório do IPCC que a média de temperatura global está relacionada linearmente às emissões de CO2, tivemos a ideia de testar a relação entre o gelo e o CO2”, conta Notz. Cientistas costumam ter um momento de “eureca!” quando esbarram em uma nova boa ideia. Para Notz e Stroeve, estava mais para um momento de “doh!” “A relação era muito óbvia depois que nós a estabelecemos”, relata.

A conta é simples: 1 tonelada de CO2 por 3 metros quadrados igual a 100 mil quilômetros quadrados por 35 bilhões de toneladas de CO2 – é mais ou menos a perda verificada anualmente no Oceano Ártico. A dupla alerta que trata-se de um número conservador, já que ele se refere às médias mensais para todo o mês de setembro. Isso ocorrerá muito depois do primeiro verão sem gelo no polo.

O estudo tem um porém, que Notz admite ainda não entender: a quantidade real de gases de efeito estufa emitida por ano pela humanidade (52,7 bilhões de toneladas de CO2 equivalente em 2014) é bem maior que as 35 bilhões de toneladas computadas pela dupla. Este último número equivale apenas às emissões de CO2, por energia, que é o que a maior parte dos modelos captura. Segundo o cientista, por razões que ainda não estão claras, esses fatores adicionais de emissão não fazem grande diferença no comportamento do gelo.

O outro lado da moeda é que o estudo também mostra que o polo Norte pode ser mantido gongelado: basta reduzir emissões. “Para emissões cumulativas totais compatíveis com alcançar a meta de aquecimento de 1,5oC [do Acordo de Paris], ou seja, para emissões significativamente menores do que 1 trilhão de toneladas, o gelo marinho no Ártico tem uma chance de sobrevivência no longo prazo, ao menos em algumas partes do Oceano Ártico”, escreveram os autores.

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