Izabella Teixeira fala durante solenidade de posse de Marilene Ramos no Ibama (Wilson Dias/Agência Brasil)

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“Querem oficializar grilagem”, diz Izabella

Para ex-ministra, que criou áreas protegidas que o governo agora cogita desfazer no Amazonas, medida expõe Brasil a “vexame internacional” em nome de interesses “que precisam ser explicitados”

09.02.2017 - Atualizado 11.03.2024 às 08:27 |

CLAUDIO ANGELO
DO OC

O movimento de parlamentares do Amazonas de reduzir unidades de conservação no sul do Estado é uma tentativa de “oficializar a grilagem” de terras da União e expõe o Brasil à “vergonha internacional”. Quem diz é Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, em cuja gestão foram criadas as cinco áreas protegidas que ora são alvo da bancada.

“Eu acho um vexame que o Brasil, que é referência no mundo, passe por um retrocesso de anular a criação de áreas tão importantes para a conservação da biodiversidade em nosso país”, afirmou a ex-ministra ao OC. “Querem oficializar a grilagem. Isso abre um precedente seriíssimo para as outras regiões. Não tem explicação, não tem cabimento.”

A demanda de cortar quatro áreas protegidas criadas pela ex-presidente Dilma Rousseff em seu último dia de mandato e extinguir uma quinta foi apresentada na última terça-feira por sete parlamentares do Amazonas ao ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS). Segundo informou o Instituto Socioambiental, o governo abraçou a proposta e a encaminhará ao Congresso como projeto de lei ou Medida Provisória. Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo afirma que o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-MA), não foi consultado a respeito.

Pois deveria, já que as terras que os parlamentares amazonenses querem liberar para os produtores rurais do sul do Estado são dele.

“O Ministério do Meio Ambiente é o dono das terras”, diz a ex-ministra. Elas foram tituladas para o Instituto Chico Mendes, órgão do MMA, em agosto de 2014, após um processo que durou quase dois anos no Programa Terra Legal, do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário. O programa visa regularizar a posse de terras na Amazônia, destinando terras devolutas a usos diversos – de assentamentos a terras indígenas, de expansão urbana a parques nacionais.

Na ocasião, 3 milhões de hectares de terras federais foram oferecidos para conservação – com anuência do governo do Estado, do Incra e da Funai.

Em 2016, após mais dois anos de estudos e consultas, foram criadas cinco unidades: a Reserva Biológica Manicoré, o Parque Nacional de Acari, a Floresta Nacional de Aripuanã, a Floresta Nacional de Urupadi e a Área de Proteção Ambiental Campos de Manicoré. Juntas elas somam 2,69 milhões de hectares – área menor do que a destinada ao MMA, já que, segundo Izabella, foi preciso fazer uma série de ajustes no desenho das unidades para acomodar interesses locais diversos. “Criamos uma área menor porque foi onde havia convergência, para minimizar o conflito”, diz. “São as primeiras unidades criadas já com regularização fundiária.”

A proposta dos parlamentares, ora em avaliação no governo Temer, visa extinguir a APA Campos de Manicoré e reduzir as outras unidades. No total, a área sob proteção cairia 40%, para 1,6 milhão de hectares.

O problema é que, como toda a área das unidades já está regularizada e titulada para o ICMBio, o eventual projeto de lei para reduzi-las estaria, na prática, dando 1 milhão de hectares de terras da União para o setor produtivo, o que é ilegal – daí a ex-ministra falar em “oficializar a grilagem”.

“O Congresso vai descumprir a lei que ele mesmo criou, a lei do Terra Legal. Todo mundo sabe que um dos principais problemas do desmatamento na Amazônia é a questão da regularização fundiária. O governo fez um programa de regularização. E [os parlamentares] querem fazer uma lei para desfazer o que a lei vigente manda fazer. Isso é um vexame”, dispara Izabella.

MICO INTERNACIONAL

Segundo a ex-ministra, o movimento também põe em xeque a credibilidade internacional do Brasil, já que o país hoje capta recursos de doadores no exterior para financiar a conservação – por meio do programa Arpa (Áreas Protegidas da Amazônia). O Estado do Amazonas é um dos beneficiários do programa.

Em seu discurso de posse como ministro das Relações Exteriores de Michel Temer, o senador José Serra (PSDB-SP) disse que uma das prioridades de sua política externa seria assumir a “especial responsabilidade” que cabe ao Brasil em matéria ambiental. “Se fizermos bem a lição de casa, poderemos receber recursos caudalosos de entidades internacionais interessadas em nos ajudar a preservar as florestas”, discursou Serra.

Com a taxa de desmatamento subindo por dois anos consecutivos e unidades de conservação sendo reduzidas com o aval do Palácio do Planalto, a tendência é que os doadores comecem a rarear – e as pressões internacionais sobre o Brasil voltem a crescer como durante o governo FHC, quando a criação de um mosaico de áreas protegidas no sul do Amazonas foi proposta pela primeira vez.

“MENTIRA COMPLETA”

Ao apresentarem a proposta de redução das áreas a Padilha, os parlamentares amazonenses, liderados por Átila Lins (PSD), alegaram que as unidades estão causando “prejuízos” e paralisação de investimentos no agronegócio na região, e estariam colocando o setor produtivo “em pânico”.

O manifesto entregue a Padilha, segundo o jornal A Crítica, aponta “vícios de legalidade” no decreto de criação das áreas e “ausência de estudos técnicos e consultas públicas”.

Izabella Teixeira contesta: “Dizer que não houve consulta é uma mentira completa, porque houve consulta em dois momentos: na regularização fundiária e na criação das unidades”. Segundo ela, as unidades deveriam ter sido criadas em 2015 o foram somente no ano seguinte por conta da burocracia.

“Querem argumentar que vão desfazer isso porque não foram ouvidos? No mínimo eles deveriam explicitar os interesses que estão por trás disso. Está na hora. Já que o Brasil é um país que se renova com sua transparência, explicitem os interesses. Sejam objetivos. Digam que de fato está por trás disso.”

Questionada sobre que interesses ela acha que seriam esses, a ex-ministra não quis responder.

O sul do Amazonas é uma região ainda rica em florestas virgens, que protege o coração do Estado, a maior área de mata tropical preservada contínua do planeta. Está na confluência de três frentes de grilagem – de Rondônia, do Pará e de Mato Grosso – e é a principal zona de expansão madeireira do Estado. Grileiros, madeireiros ilegais e pecuaristas têm interesse nos estoques de terra e floresta do local.

A região também é o principal foco de desmatamento do Estado. Segundo levantamento do Ibama a partir da dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o desmatamento nos cinco municípios onde estão as áreas protegidas contestadas aumentou entre 2011 e 2015 – de 27% para 36% do desmatamento total do Amazonas.

“Peço à Casa Civil, rogo ao ministro Padilha, que foi meu colega de Esplanada, que analise politicamente antes de qualquer posição do governo. Vamos para um debate de quais são os reais interesses por trás disso”, concluiu Izabella.

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