Extração de madeira no Pará (Foto: Frederico Brandão/WWF)

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Sistema visa pegar madeira ilegal na origem

Lançado nesta terça-feira pelo Ibama, software que unifica bases de dados sobre atividade madeireira permitirá saber volume e localização de cada árvore cortada na Amazônia

08.03.2017 - Atualizado 11.03.2024 às 08:27 |

CLAUDIO ANGELO
DO OC

O Ibama lançou nesta terça-feira (7) em Brasília um novo sistema computacional que promete atacar o problema da exploração ilegal de madeira no lugar onde as fraudes mais são cometidas – na origem. Para que isso aconteça, porém, será necessário fazer os fraudadores entenderem, por meio de fiscalização, que agora é para valer.

A Amazônia tem um problema crônico de ilegalidade na atividade madeireira. Dos cerca de 9 milhões de metros cúbicos de madeira produzidos na região todo ano, estima-se que 70% a 80% tenham algum tipo de irregularidade – desde erros no preenchimento da papelada de transporte, chamada erroneamente de “Documento de Origem Florestal”, até fraudes completas.

A extração clandestina de madeira ainda é um dos principais motores do desmatamento, movimentando quadrilhas de madeireiros ligados a grileiros que não raro operam dentro das secretarias de Meio Ambiente dos Estados. Essa atividade costuma ser o primeiro passo para a apropriação ilegal e a eventual derrubada da floresta em uma área.

Um dos modelos mais comuns de fraude ocorre nos chamados planos de manejo, documentos que precisam ser entregues ao órgão ambiental estadual para obter a autorização para fazer o corte de árvores. Frequentemente, entra-se com o pedido de autorização para explorar uma dada quantidade de toras numa área – por hipótese, 100 metros cúbicos. Mas o fraudador não tem a menor intenção de fazer isso. Então, ele extrai uma quantidade menor – 20 metros cúbicos, por exemplo – de seu projeto e vende os 80 metros cúbicos de “crédito” de exploração a uma quadrilha que rouba madeira em terras indígenas vizinhas, digamos. Como o controle é feito apenas no transporte, na estrada, depois que as toras já estão no caminhão, não há como a fiscalização saber se aquele jatobá veio do projeto de manejo ou se é madeira “esquentada”.

Entra em cena o Sinaflor (Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais). Desenvolvido por uma equipe do próprio Ibama ao longo dos últimos quatro anos, ele consiste de um software que substituirá todos os sistemas de controle estaduais a partir de 31 de dezembro. Com uma base de dados única, a chance de fraude já diminui porque cada Estado terá a lista completa de todos os projetos autorizados nos Estados vizinhos. Isso dificulta o contrabando de madeira entre fronteiras, já que Rondônia não tem como saber quando está sendo extraído no Amazonas e passa por suas estradas.

Mas a principal novidade do sistema, segundo o Ibama é o fato de que cada árvore poderá ser rastreada desde a floresta. Isso porque, para aprovar o plano de manejo, cada madeireiro precisará declarar o inventário completo das árvores que ele pretende abater num determinado período, com o volume estimado de cada uma. Na hora do corte, será preciso inserir de novo no sistema o volume medido da árvore – isso evita outra modalidade de fraude, que são os créditos fictícios gerados por uma superestimação proposital do volume de cada tora.

Essa informação gera uma guia de transporte, o tal Documento de Origem Florestal, ou DOF. Mas será um DOF turbinado, no qual cada árvore recebe uma espécie de CPF, que informa espécie, local de onde veio e quem foi o engenheiro florestal responsável pelo projeto. “O controle passa a ser tora a tora”, disse ao OC a presidente do Ibama, Suely Araújo. A base de dados do Sinaflor será integrada ao Cadastro Ambiental Rural, o que permitirá avaliar o que está acontecendo em termos de exploração de madeira em cada propriedade rural com plano de manejo ou autorização de desmate na Amazônia que esteja no cadastro.

Da floresta à serraria, tudo o que aconteceu com a árvore precisará ser informado no sistema. Omitir informações ou inserir “fatos alternativos” no sistema pode levar ao cancelamento do projeto e à punição do responsável, que terá seu número de Crea (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) inserido no “CPF” de cada árvore daquela área de manejo.

Segundo Araújo, o sistema terá também um módulo de consulta pública, com “o maior número possível de informações que der para publicizar”.

Para os madeireiros, a vantagem é que o Sinaflor acelera a aprovação dos projetos, já que hoje ela depende de caminhos tortuosos e às vezes corruptos dentro dos órgãos estaduais. Para os Estados, que frequentemente carecem de estrutura nas secretarias, um sistema simplificado também vem a calhar – técnicos do Ibama já estão pelo país dando cursos sobre utilização do Sinaflor. O primeiro a aderir foi Roraima, justamente um dos Estados mais pobres da Amazônia.

“O sistema tem tudo para dar certo e, em termos de transparência, é tudo o que havíamos pedido”, diz Mauro Armelin, do Amigos da Terra Amazônia Brasileira, um engenheiro florestal com mais de 15 anos de experiência em madeira na Amazônia. “Só que ele não isenta o Estado de seu papel fiscalizador.”

Segundo Armelin, um sistema perfeito só adianta se os madeireiros souberem que poderão ser fiscalizados e punidos. A fiscalização é facilitada pelo Sinaflor, mas ela precisa acontecer. Do contrário, a extração predatória, o desmatamento e as emissões de CO2 decorrentes continuarão ocorrendo. “Precisa prender alguém”, resume o ambientalista. “Se as pessoas não virem que o comando e controle está funcionando, não serão inibidas.”

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