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Tudo o que você sempre quis saber sobre a crise do clima (mas estava com muito calor para perguntar)

No Dia Mundial do Meio Ambiente, o OC responde a dúvidas de internautas sobre o aquecimento da Terra e suas consequências

05.06.2019 - Atualizado 11.03.2024 às 08:29 |

DO OC – Nestes tempos em que o consenso científico sobre as mudanças climáticas é questionado até pelo ministro do Meio Ambiente do Brasil, o OC decidiu comemorar o Dia Mundial do Meio Ambiente de um jeito diferente: esclarecendo seus seguidores nas redes sociais.

Nós pedimos a eles que listassem suas principais dúvidas sobre as mudanças do clima. Elas serão respondidas pelos nossos especialistas ao longo do dia de hoje, neste post interativo.

Vamos a elas:

 *

(Vanderlei Petry) Como é calculado o potencial de aquecimento global de cada gás de efeito estufa?

Vanderlei, para entender como cada gás aquece o planeta é preciso dar um passo atrás e entender primeiro que história é essa de “aquecer o planeta”. Toda a energia da Terra vem do Sol em forma de luz de vários comprimentos de onda. Ela incide no planeta na forma de ondas curtas (luz visível, ultravioleta e outros tipos de radiação), é absorvida pela superfície da terra e pelos oceanos e é refletida de volta para o espaço na forma de radiação infravermelha, também conhecida como “calor”.

Algumas moléculas existentes na atmosfera são transparentes para a luz visível, mas opacas ao infravermelho. Ou seja, esse comprimento de onda bate nelas e é absorvido, da mesma forma como objetos pretos absorvem a luz visível. A retenção do infravermelho na atmosfera é conhecida como efeito estufa, e frequentemente é comparada a um cobertor de gases sobre o planeta. Ao desmatar e queimar combustíveis fósseis, os seres humanos engrossam esse cobertor. E é isso o que causa as mudanças climáticas.

Cada gás opaco ao infravermelho absorve essa radiação com um grau distinto de eficiência. A eficiência de absorção de 1 tonelada de um gás de efeito estufa num dado período de tempo (por exemplo, cem anos) é chamada de “potencial de aquecimento global”, ou GWP, na sigla em inglês. Como os primeiros experimentos nesse sentido foram feitos com o gás carbônico (CO2), o mais abundante gás de efeito estufa, convencionou-se que o GWP do CO2 é igual a 1. O metano (CH4) é muito mais eficiente que o CO2 em absorver infravermelho: seu GWP é igual a 28. O HFC23, um gás sintético, é o mais eficiente de todos: seu GWP é de 11.700, ou seja, cada molécula dessa substância absorve 11.700 vezes mais infravermelho que uma molécula de CO2 (felizmente ele é emitido em quantidades muito, muito pequenas).

(Lívia Neves) Não deveríamos usar crise climática no lugar de mudanças climáticas para darmos o tom de urgência necessária para o tema?

Lívia, muita gente já tem usado. Nas últimas semanas, o jornal britânico The Guardian, que tem a melhor cobertura do tema no mundo porque tomou uma decisão editorial em 2015 de trazer o clima para a primeira página, publicou uma circular para a redação com novas orientações sobre o tema. Entre elas está usar “crise climática” sempre que possível no lugar de “mudança climática” e um termo intraduzível, “global heating”, no lugar de “global warming” (em português não há diferença entre os dois termos, ambos se traduzem como “aquecimento global”). Aqui no OC a gente prefere “crise do clima” porque é mais curto e mais direto, mas preferimos manter nosso direito a usar sinônimos para não repetir demais as palavras. 😉

(Maya Longuini) Podemos afirmar que o Brasil vai cumprir conseguir cumprir ou está cumprindo o Acordo de Paris?

Maya, o Acordo de Paris começa a ser implementado oficialmente a partir do ano que vem, embora nada impeça os países de começarem a implementar suas metas domésticas (as tais NDCs) desde 2016, quando ele entrou em vigor. O Brasil optou por deixar a conversa sobre a NDC para 2020, já que até 2020 nós temos as metas da Política Nacional sobre Mudança do Clima para cumprir (spoiler: não cumpriremos a principal delas, a redução em 80% do desmatamento na Amazônia). Só que o governo Bolsonaro não apenas não apresentou até agora um plano de implementação da NDC como o principal responsável por esse plano, o ministro Ricardo Salles, nem sequer acredita que mudanças climáticas são causadas por seres humanos.

No setor de energia, provavelmente conseguiremos cumprir a NDC por inércia, por conta da recessão que reduziu a demanda por energia no país. No setor de uso de terra, que inclui desmatamento e agropecuária, precisaríamos nos esforçar. Até agora, estamos indo no caminho oposto, com o governo federal destruindo todas as políticas que permitiriam implementar a NDC.

(Ilo Pix) Quais setores da indústria causam os maiores impactos ambientais que causam as mudanças climáticas e porque nunca citam a pecuária?

Ilo, depende do que você chama de “indústria”. Se você estiver se referindo a processos industriais, ou seja, as emissões associadas à fabricação de produtos, o setor não é tão importante no Brasil: responde por cerca de 4% das emissões brasileiras (95 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2016). Os mais importantes em termos de emissões são as indústrias de ferro-gusa e aço, cimento e química, que responderam em 2016 por quase 60% das emissões por processos industriais e uso de produtos.

Agora, se por “indústria” você estiver falando das emissões do setor de energia, que consome combustíveis fósseis, no Brasil a principal atividade emissora é a de transportes. Em 2016, último ano para o qual existem análises detalhadas, o setor de energia respondeu por 19% das emissões do Brasil (423 milhões de toneladas de CO2 equivalente), e os transportes ficaram com 39% desse quinhão (204 milhões de toneladas de CO2 equivalente). Se quiser saber os detalhes, leia esta análise.

(Proletario Anonimo @umpoetaproibido /Twitter) Na opinião de vocês, é possível frear as mudanças climáticas sem mudar o modo de produção capitalista?

Não. Os modos insustentáveis de produção e consumo (repare bem nesta última parte) já foram identificados pelo IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, como a principal causa da mudança do clima e a principal barreira ao seu enfrentamento. A produção e o consumo precisam incorporar variáveis que até agora não entraram na conta do capitalismo, como os custos externos da poluição, que são pagos por toda a sociedade. Uma maneira imediata de fazer isso, que já está em curso em vários países, é botar um preço nas emissões de carbono. Assim, atividades emissoras (por exemplo, a geração de energia por termelétricas a carvão, altamente poluentes) passam a pagar pela poluição e a competir em condições menos desleais com atividades menos poluentes (como a geração de energia solar). O capitalismo não precisa acabar para enfrentar a mudança do clima, mas precisa se reorientar, e muito rápido.

(Vanderley Petry) Há algum estudo sobre o impacto da produção de placas fotovoltaicas no aquecimento global, isto é, desde a mineração, todo processo produtivo até chegar no consumidor? Minha dúvida é se de fato há evidências que este tipo de matriz energética é menos poluente do que combustíveis fósseis, já que são utilizados alguns GEEs na produção dessas placas que possuem valores de GWP de milhares de vezes as do CO2.

Vanderley, o Ricardo Baitelo, coordenador de Clima e Energia do Greenpeace, nos ajudou com esta resposta. Há, sim, vários estudos sobre emissões de ciclo de vida. Eles foram sintetizados no relatório especial sobre energias renováveis do IPCC, de 2011, que você pode ler aqui. Nós reproduzimos abaixo um dos gráficos do relatório, que mostra que, mesmo considerando a mineração e a fabricação, as renováveis emitem MUITO menos que as fontes fósseis. Saca só:

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(Júlia Menin) Como está a situação atual da política nacional de mudança de clima e do Plano Nacional de adaptação à mudança do clima? Quais foram as alterações do novo governo?

Vixe, menina, quer mesmo saber? Então senta aí, toma um Prozac e segue aqui. Basicamente o que acontece é que a governança federal de mudanças climáticas não existe mais. Lembre-se de que o Itamaraty e o Ministério do Meio Ambiente, cujos ministros negam as mudanças climáticas, extinguiram as instâncias responsáveis pelo tema. Com o fim da Secretaria de Mudança Climática e Florestas do MMA, todas as políticas tocadas por ela, como o Plano Nacional de Adaptação e os planos de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia e no cerrado foram para o limbo. Aí, quando a gente achava que não podia ficar pior, o “revogaço” do Bolsonaro em abril extinguiu o Comitê Interministerial sobre Mudança Climática, o CIM, e seu Grupo Executivo, o GEx, além da Comissão Nacional de Redd+, que afiançava, por exemplo, o dinheiro do Fundo Verde do Clima que o Brasil ganhou no ano passado. Então não sobrou ninguém tomando conta dessa lojinha, os recursos não estão sendo aplicados e nada está sendo feito.

Sobre a Política Nacional, aconteceram algumas movimentações no fim do governo Temer, nenhuma delas boa. Primeiro, o decreto que regulamentava a política nacional, de 2010, foi revogado e republicado sem as metas setoriais como a redução de 80% do desmatamento na Amazônia até 2020, que era a peça central da política. Na conferência do clima de Katowice, o ministro Edson Duarte anunciou que o Brasil havia “antecipado o cumprimento da meta”, algo que causou espanto em todo mundo, já que o desmatamento no fim do ano passado estava duas vezes maior do que a meta para 2020. O que aconteceu foi que o ministério, num truque contábil, incluiu na conta o carbono supostamente sequestrado nas reservas legais dos proprietários de terra inscritos no Cadastro Ambiental Rural. Lembrando que o CAR é autodeclaratório. Ou seja, o Brasil está literalmente perguntando: “Fulano, quanto você tem de floresta aí?” e usando a resposta dos fazendeiros para declarar que cumpriu a meta.

( Fernanda Macedo) Reduzir o consumo de produtos de origem animal é uma contribuição relevante para combater a crise climática?

Fernanda, no geral, sim, mas a resposta não é tão simples.

A produção de proteína animal é um fator relevante de emissões no mundo, indiretamente (pelo desmatamento para formação de pastagens e todas as emissões associadas com a cadeia da pecuária) e diretamente, pelas emissões de metano pelo rebanho. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), as emissões agregadas da produção animal são de 8,1 bilhões de toneladas de CO2 equivalente por ano – cerca de quatro vezes a emissão anual bruta total do Brasil.

No Brasil, a pecuária é de longe o maior responsável por emissões de carbono: o desmatamento, feito em sua maior parte para pastagens, respondeu por quase metade dos 2,1 bilhões de toneladas brutas de CO2 que o Brasil emitiu em 2016. A agropecuária respondeu por outros 25%, ou 499 milhões de toneladas – 69% disso atribuíveis diretamente à bovinocultura de corte. Então, neste momento, se o Brasil quisesse cortar drasticamente suas emissões, bastaria parar de comer bife.

Ocorre que o destino da pecuária brasileira não precisa ser só de altas emissões. Tecnologias que já são adotadas hoje permitem recuperar pastagens degradadas, fixando carbono no solo por 20 anos. Estudos do Observatório do Plano ABC mostram que é possível até reverter o sinal de carbono da agropecuária brasileira, tornando-a um fator de redução de emissões. Para isso, porém, seria preciso massificar as tecnologias de recuperação de pastagens degradadas e integração lavoura-pecuária-floresta. Só que apenas 1% do Plano Safra hoje vai para a agricultura de baixo carbono. O Brasil tem um caminho aberto, mas precisa avançar nele.

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