Sociedade civil protesta contra lentidão e falta de decisões em temas estratégicos na COP21. Foto: Joel Lukhovi | Survival Media Agency

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A contribuição do Acordo de Paris para o combate global às mudanças do clima

Artigo da advogada Caroline Prolo detalha o mecanismo de funcionamento do novo tratado do clima e expõe suas forças e fragilidades do ponto de vista do direito internacional

22.06.2016 - Atualizado 11.03.2024 às 08:27 |

CAROLINE PROLO
ESPECIAL PARA O OC

O Acordo de Paris sobre mudança do clima, adotado em 12 de dezembro de 2015 na capital francesa e assinado em Nova York, no dia 22 de abril de 2016, é o mais novo tratado internacional de combate à mudança do clima. Diferentemente do Protocolo de Kyoto, Paris não impõe metas quantitativas individuais para os países signatários reduzirem suas emissões de gases de efeito estufa. Também não restringe as obrigações apenas aos países “desenvolvidos”. O Acordo de Paris prevê que as metas dos países signatários serão autodeterminadas, e que todos os países deverão apresentar a sua contribuição e reportar periodicamente sobre seu desempenho. A aposta de Paris é que a mitigação da mudança do clima possa ser alcançada através de dois meios: leis nacionais e transparência internacional.

O principal compromisso assumido no Acordo de Paris é que os países deverão preparar e comunicar à ONU as suas respectivas contribuições nacionalmente determinadas”, ou NDCs (Nationally Determined Contributions). Estas NDCs deverão manter e atualizar ao longo do tempo. A contribuição nacionalmente determinada é o conjunto de metas e/ou políticas e ações domésticas a serem adotadas individualmente por todos os países como parte dos esforços globais de combate à mudança do clima. Tais ações devem ser voltadas à mitigação da mudança do clima– ou seja, a reduzir ou limitar as emissões de gases de efeito estufa (e/ou aumentar as fontes de “sequestro” de gases, como as florestas, que capturam CO2 da atmosfera); e assim garantir que a temperatura global da terra não aumentará mais do que 1.5o C ou aumente bem menos do que 2o C; e adaptação à mudança do clima – a adaptar os países às novas condições do clima, bem como construir resiliência aos efeitos devastadores da mudança do clima, evitando que fenômenos naturais tomem proporções mais catastróficas.

Os países têm liberdade para definir quais medidas pretendem adotar, mas espera-se que estabeleçam suas NDCs com a máxima ambição possível perante a meta de 1,5o C, levando em conta suas capacidades e responsabilidades, de uma forma equitativa e justa. Outros critérios ainda estão sendo discutidos para melhor padronizar o formato e conteúdo das NDCs, permitindo que elas sejam comparáveis entre si. Por exemplo, hoje não há obrigação de que as NDCs incluam uma meta quantificada de redução de emissões; elas podem simplesmente consistir num conjunto de ações que o país pretende adotar. Estes critérios poderão ser adotados na COP22, em Marrakesh, no final deste ano.

Nos termos do Acordo de Paris, os países devem adotar medidas de mitigação domésticas para atingir os objetivos previstos em sua NDC. Isso significa adotar políticas, planos nacionais e ações, seja através de leis ou de regulamentos pelo Poder Executivo. Essas medidas podem envolver, por exemplo, leis que limitem as emissões de gases de efeito estufa para alguns setores da economia; ou que estabeleçam incentivos a atividades menos “carbono-intensivas”, como as energias renováveis. As NDCs precisam ser atualizadas a cada cinco anos, e devem ser progressivamente ambiciosas. Isso significa que as medidas de mitigação domésticas precisarão ser gradualmente ampliadas ou tornadas mais rigorosas ao longo do tempo, por meio de novas leis ou de leis existentes que possam ser emendadas ou regulamentadas periodicamente.

Ainda que a obrigação de mitigação da mudança do clima seja autodeterminada e dependa de legislação doméstica, ela está sujeita a acompanhamento e revisão internacional. O Acordo de Paris contempla a criação de uma estrutura de transparência, pela qual os países deverão reportar periodicamente o inventário de suas emissões de gases de efeito estufa, e também o avanço no cumprimento de sua NDC, entre outras informações. Estes relatórios serão submetidos à avaliação técnica de uma equipe de especialistas, que analisará a implementação e consecução da respectiva NDC, bem como a coerência das informações prestadas, e identificarão áreas sujeitas a aperfeiçoamento. Os países que prestarem apoio financeiro, tecnológico ou de capacitação para países com necessidades também deverão submeter relatórios periódicos sobre os recursos fornecidos, os quais serão avaliados pela estrutura de transparência. Adicionalmente, será realizada ainda uma sessão de análise facilitadora e multilateral do progresso dos países no alcance de sua NDC, bem como nos esforços de suporte internacional.

Outro mecanismo contemplado no Acordo de Paris é o Comitê para facilitar a implementação e promover o cumprimento das disposições do acordo, o equivalente a um mecanismo de “compliance”. Ainda pendem de definição as modalidades e regras de funcionamento do comitê, mas ele poderá ser de alguma forma vinculado à estrutura de transparência, podendo ser acionado sempre que houver alguma inconsistência ou falha nos relatórios analisados durante a revisão dos especialistas. O comitê poderá, assim, tomar medidas facilitadoras, tais como propor recomendações, auxiliar na elaboração de planos de ação ou intermediar o acesso dos países a mecanismos de suporte. Contudo, a princípio não teria competência para adotar medidas punitivas contra as partes que descumprirem esses compromissos.

Finalmente, o Acordo de Paris prevê também um mecanismo de “avaliação global” (global stock-take). Esta revisão tem por escopo avaliar a implementação global do acordo a fim de verificar o progresso coletivo dos países na consecução dos objetivos do tratado, inclusive os aspectos de mitigação, adaptação e de meios de suporte disponibilizados. A primeira avaliação global será feita no ano de 2023, e a cada cinco anos sucessivamente. Seu resultado deverá orientar a atualização das ações adotadas pelos países, inclusive a atualização de suas NDCs.

Ainda se sabe pouco sobre o escopo e o funcionamento desses mecanismos de transparência e revisão, inclusive como será sua sinergia; ou como eles serão “amarrados” entre si. O detalhamento de funções, modalidades e procedimentos da “estrutura de transparência”, do “comitê para facilitar a implementação e promover cumprimento” e da “avaliação global” estão sendo discutidos pelo Grupo de Trabalho do Acordo de Paris. Este grupo compreende todos os países membros da Convenção do Clima e foi encarregado de detalhar alguns aspectos do acordo para preparar a sua entrada em vigor. Ele já se reuniu na Alemanha em maio de 2016, e se encontrará novamente na COP22.

O Acordo de Paris não é um tratado robusto e coercitivo no direito internacional. Antes é necessário transpor uma barreira muito mais complexa, que é o desafio doméstico – político, operacional e até cultural – de criar políticas nacionais coordenadas de combate à mudança do clima, sem prejuízo do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza. Nesse contexto, será fundamental o papel das sociedades civis nacionais no engajamento com seus governos para que sejam adotadas políticas domésticas mais ambiciosas. Em paralelo, os mecanismos de transparência e revisão estabelecidos no Acordo de Paris permitirão aos governos conhecer melhor suas realidades e potenciais de melhoria nas ações de mudança do clima. Além disso, ao reportar suas ações, os países se colocam sob o escrutínio público e ficam sujeitos a vexação e pressão política.

A expectativa é que, com um sistema de transparência e revisão internacional, tenhamos todos acesso a mais informação, e o Acordo de Paris possa evoluir com tomada de decisões amparadas em dados concretos e na ciência, além da vontade política no plano doméstico. Se esse sistema será efetivo em evitar um desastroso aumento global de temperatura da Terra ainda não há como saber. Mas, se Paris sozinho não for capaz de trazer a solução, está ao menos criando as ferramentas certas.

Caroline Dihl Prolo é advogada na área de direito ambiental do escritório Stocche Forbes e consultora legal do International Institute for Environment and Development (IIED). Prestou assessoria legal ao grupo dos países menos desenvolvidos durante as COPs 19, 20 e 21.

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