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Brasil chega a Lima na contramão dos esforços globais contra mudanças do clima

Com emissões em alta, mesmo com baixo crescimento econômico, Brasil começa a COP20 numa posição mais frágil que em outras conferências do clima.

01.12.2014 - Atualizado 11.03.2024 às 08:25 |

Bruno Toledo

A capital do Peru será a capital global dos esforços contra as mudança do clima pelas próximas duas semanas. Começou nesta segunda a 20ª Conferência das Partes (COP 20) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em espaço montado no quartel general do Exército peruano em Lima. Pelos próximos 14 dias, negociadores de mais de 190 países se reunirão com a dura missão de desatar os nós que impedem o enfrentamento global efetivo das mudanças climáticas.

O principal objetivo da COP 20, sem dúvidas, será avançar na estrutura do futuro acordo climático internacional que sucederá o Protocolo de Quioto a partir de 2021, mas que precisa ter seu texto finalizado e aprovado pelos governos até a próxima Conferência do Clima, que acontece daqui a 12 meses em Paris.

O cenário em Lima é favorável para esse avanço. Os dois maiores emissores de gases de efeito estufa do planeta, a China e os Estados Unidos, apresentaram compromissos importantes rumo a uma redução substancial de suas emissões nas próximas décadas. Mesmo que esses anúncios não sejam tão ambiciosos como o necessário, eles são sinais importantes da disposição desses países para enfrentar o desafio climático e para trazer benefícios econômicos e comerciais para suas economias.

Outro motivo para otimismo é o avanço na capitalização Fundo Climático Verde (GFC, sigla em inglês), que conseguiu angariar US$ 9,7 bilhões, graças às doações recentes de países como Espanha, Estados Unidos e Reino Unido. O valor praticamente bate a meta prevista pela UNFCCC para o final de 2014, e esses recursos serão importantes para financiar ações urgentes em adaptação e mitigação das mudanças do clima em países em desenvolvimento.

Por fim, o ímpeto dado pela Cúpula do Clima, em setembro, em Nova York, criou um movimento importante para que a sociedade civil internacional possa cobrar e pressionar por ações climáticas mais ambiciosas e efetivas por parte dos governos. Mesmo que os resultados concretos da Cúpula tenham sido mais simbólicos que práticos, o encontro de chefes de governo em Nova York ajudou a colocar o tema climático novamente na agenda mainstream da política internacional e incentivou a mobilização de milhões de pessoas pelo mundo.

Se o contexto global é favorável para avanços práticos, o contexto brasileiro não poderia ser tão contrastante. Como o Observatório do Clima apontou, a partir dos dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SEEG), as emissões brasileiras aumentaram 7,8% em 2013, mesmo com o baixo crescimento apresentado pelo país no ano passado (2,6%).
Entre 2012 e 2013, a Amazônia sofreu com o aumento da taxa de desmatamento em 29%, que interrompeu uma sequência de quase uma década de reduções significativas. No ano passado, as emissões associadas ao desmatamento subiram 16%, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima. Mesmo com o anúncio recente dos dados do PRODES, que apontam para uma redução de 18% na taxa entre 2013 e 2014, informações do DETER e do Imazon já apontam para uma retomada acelerada do desmatamento nos últimos meses, o que pode colocar em risco a pequena recuperação apontada pelo PRODES.

Além disso, quase 70% dos investimentos federais em energia nos próximos anos estão direcionados para fontes fósseis em energia, que vão inevitavelmente sujar nossa matriz energética. Exemplo recente do retrocesso disso foi o leilão de energia realizado na semana passada, que ressuscitou o carvão mineral, incluindo na base da matriz energética.

Esse contexto doméstico fragiliza a posição brasileira nas negociações climáticas, com reflexos imediatos no processo diplomático atual. Por exemplo, o governo brasileiro cogita encaminhar suas contribuições nacionalmente definidas, base para a conclusão dos futuros compromissos do Brasil no novo acordo climático, apenas no final do primeiro semestre de 2015, meses depois do deadline original recomendado por decisão da COP 19, realizada em Varsóvia no ano passado. Ou seja, o Brasil está abrindo mão da sua condição de liderança política em clima, esperando para ver o que outros países farão para depois definir o que podemos fazer.

Enquanto o Brasil retrocede, as mudanças do clima já fazem parte da realidade dos brasileiros, impondo custos altíssimos para o país, devido ao clima extremo – particularmente nos últimos meses, com a estiagem que aflige o Sudeste e a seca que atinge todo o semiárido do Nordeste há alguns anos.

O Observatório do Clima espera que o Brasil assuma uma posição condizente com aquilo que já apresentou em conferências passadas, alinhada com aquilo que se espera do país nesse momento importantíssimo das negociações climáticas. Somos um dos maiores emissores do planeta e temos condição para avançar efetivamente em esforços mais substanciais de redução de nossas emissões – por exemplo, reduzindo o desmatamento amazônico para zero, ampliando os investimentos para agricultura de baixo carbono e revertendo a queda da participação de fontes renováveis em nossa matriz energética, através de investimentos maciços em renováveis modernas. Se colocarmos o avanço em nossos esforços climáticos como estratégico para o Brasil, isso será positivo para a competitividade de nossa indústria e para a geração de novos empregos em setores importantes como energia solar, hoje estratégicos para países como China e Estados Unidos.

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