Mosquito "Aedes aegypti", transmissor da zika

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Calor permitiu invasão da zika, diz estudo

Modelo desenvolvido por britânicos mostra que temperaturas extremas causadas pelo El Niño de 2015 foram chave para a disseminação do vírus que causa microcefalia na América do Sul

19.12.2016 - Atualizado 11.03.2024 às 08:27 |

CLAUDIO ANGELO
DO OC

Pesquisadores britânicos acabam de mostrar com números algo que até agora era apenas uma suspeita: o El Niño recorde de 2015, conjugado à tendência de aquecimento global, foi chave para a epidemia do vírus zika no Brasil, ligada ao aumento do número de casos de microcefalia.

Em estudo publicado nesta segunda-feira no site do periódico PNAS, os cientistas liderados por Cyril Carminade, da Universidade de Liverpool, sugerem que nunca nos últimos 66 anos as condições climáticas favoreceram tanto o mosquito Aedes aegypti quanto em 2015.

A combinação do calor e da umidade com a falta de imunidade da população brasileira – acredita-se que o zika tenha entrado no país pela primeira vez apenas em 2013 – teriam causado a catástrofe vista no ano passado e neste ano: até o começo de dezembro, segundo o Ministério da Saúde, havia 2.228 casos de microcefalia confirmados no país. Do 1,3 bilhão de pessoas expostas hoje ao vírus da zika em 75 países e territórios do mundo, 15% estão no Brasil.

O El Niño “Godzilla” que causou extremos de calor, seca e chuva em várias partes do planeta entre 2015 e 2016 já havia sido aventado como cúmplice da epidemia. A própria diretora-geral da Organização Mundial da Saúde, Margaret Chan, levantou a suspeita em janeiro deste ano.

Carminade e colegas decidiram verificar a hipótese, com a ajuda de um modelo matemático desenvolvido por eles originalmente para explicar como o clima havia facilitado a disseminação da doença da língua azul (que afeta o gado) na Europa em 2006.

O modelo busca estimar o chamado potencial de reprodução da doença, conhecido pela sigla R0. Grosso modo, esse parâmetro corresponde ao número de casos secundários surgidos a partir de um único paciente. Valores de R0 maiores do que 1 significam potencial de epidemias.

O R0 da zika foi estimado a partir de características de seus dois principais vetores: os mosquitos Aedes aegypti (que causa a maior parte dos casos de zika, dengue e chikungunya no Brasil) e Aedes albotopicus (que causa a doença em regiões mais frias). Os cientistas sabem que calor e umidade ajudam o mosquito a se proliferar: a fêmea do Aedes, a “mosquita” imortalizada pela ex-presidente Dilma Rousseff, fica mais ativa e pica mais em climas mais quentes. Isso foi fatorado no modelo, que estimou o risco de zika no mundo todo usando uma base de dados climáticos que vai de 1950 a 2015.

Para o A. aegypti, o modelo sugere que no Rio de Janeiro a média seja de 5 novos casos por infecção, algo que bate com as observações. Na Colômbia, esse potencial chega a 6,9.

No entanto, há períodos no registro histórico em que o risco de infecção aumenta significativamente. O maior deles ocorreu em 2015, ano do El Niño – e da explosão de casos de zika na América do Sul. Em 1998, outro ano de El Niño, também houve pico de risco transmissão (mas, naquela época, o vírus ainda não havia aportado no continente).

“Se eu assumir que o sinal de mudança climática é uma tendência linear nesse período e que o efeito do El Niño é relacionado apenas à variabilidade interanual, a anomalia em 2015 é relacionada 33% ao El Niño e 67% à tendência de mudança climática”, disse Carminade ao OC. Ele ressalta, no entanto, que “não publicaria esses números”: são apenas uma ilustração do efeito combinado das duas coisas e é muito difícil atribuir pesos a uma e outra. “Ambos tiveram um papel: o El Niño ocorrendo num Oceano Pacífico mais quente”, completa.

Para reforçar o argumento, o cientista britânico lembra, ainda, que a dengue em 2015 bateu recorde no Brasil, com 1,6 milhão de casos, segundo a Organização Panamericana da Saúde.

O estudo não olhou para o efeito da urbanização precária no Brasil e da falta de saneamento básico como condições que permitem o desenvolvimento do Aedes. Esse tem sido outro fator a dificultar a atribuição direta das doenças transmitidas pelo mosquito à mudança do clima nas últimas décadas. Afinal, num país que aquece ao mesmo tempo em que vê manchas urbanas se expandindo e cidades crescendo no interior, não dá para saber quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha. O pesquisador da Fiocruz Cristóvam Barcellos já mostrou que a área suscetível à dengue triplicou no país neste século, com clima, urbanização e aumento da população agindo em sinergia para criar uma situação perfeita – para o mosquito, bem-entendido.

No entanto, 2015 viu um risco aumentado de zika em todo o mundo tropical, não só no Brasil. Isso dá mais segurança aos pesquisadores para atribuir a diferença nas taxas de infecção à oscilação climática.

“O El Niño hoje em dia ocorre em um pano de fundo mais quente – o Oceano Pacífico tropical está aquecendo. E alguns de meus colegas climatologistas já propuseram a possibilidade de El Niños monstros em um pano de fundo mais quente”, disse Carminade. “Portanto, se não mitigarmos nossas emissões, poderíamos esperar que El Niños no futuro possam ter impactos mais sérios na saúde das sociedades.”

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