A Amazônia é o bioma que registra o maior número de focos de calor (Foto: Greenpeace)

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Clima tornará Amazônia duas vezes mais inflamável neste século

Estudo sugere que 16% da floresta queimará em 2050 e que incêndios emitirão mais carbono; zerar desmatamento atenua, mas não resolve problema

10.01.2020 - Atualizado 11.03.2024 às 08:29 |

DO OC – O aquecimento global deve tornar vastas porções da selva amazônica parecidas com a inflamável Austrália nos próximos 30 anos. Matas úmidas que antes não pegavam fogo deverão queimar anualmente, elevando ainda mais as emissões de gases de efeito estufa. Isso tende a ocorrer mesmo sem desmatamento – embora de forma menos grave se os brasileiros pararem de derrubar suas florestas.

O alerta foi feito nesta sexta-feira (10) por uma dezena de cientistas do Brasil e dos Estados Unidos no periódico Science Advances. Em seu estudo, eles cruzaram o comportamento do fogo na Amazônia com os modelos climatológicos do IPCC, o painel do clima da ONU.

Antes que alguém diga que se trata apenas de suposição de acadêmicos, cabe lembrar que análise usou versões mais sofisticadas dos modelos computacionais que há pelo menos 13 anos já previam que a mudança do clima induziria secas severas e incêndios catastróficos no continente australiano, como os que estamos vendo desde setembro do ano passado.

O grupo liderado por Paulo Brando, da Universidade da Califórnia em Irvine e do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), estimou que os incêndios florestais induzidos pelo aquecimento da Terra atingirão 16% da Amazônia brasileira até 2050. A área de florestas sujeita a fogo anualmente dobrará em relação à década passada, já anormalmente seca – de 3,3 milhões de hectares pra 6,6 milhões. Nesse mesmo período, somente as emissões brutas por fogo em matas podem chegar a 17 bilhões de toneladas. É quase dez vezes o que o Brasil emite em toda a sua economia por ano.

Esses incêndios e essas emissões não devem ser confundidos com as emissões por queimadas e desmatamento. Neste último caso, criminosos derrubam florestas – frequentemente para plantar capim e especular com a terra, em busca de anistias futuras, como a dada por Jair Bolsonaro em dezembro – e tocam fogo na vegetação derrubada para “limpar” o terreno. Foi o que aconteceu em 2019, ano em que as queimadas na Amazônia aumentaram 30% em relação ao ano anterior, e que o desmatamento, vejam só, também subiu 30%.

Esse combo desmatamento-queimada hoje é o principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa do Brasil.

Mas há outro tipo de incêndio na Amazônia: são os fogos que atingem florestas vivas em anos extremamente secos, como os de El Niños graves. Foi o que aconteceu, por exemplo, em Roraima em 1998, ou na porção central-sul da Amazônia nos anos de seca recorde de 2005, 2010 e 2015/16.

Brando e seus colegas postulam que esses incêndios recorrentes em matas em pé ultrapassarão o desmatamento como principal causa das emissões de gases de efeito estufa por destruição da Amazônia.

“Este estudo é o primeiro a estimar a área queimada e o balanço de carbono após incêndios florestais. Agora temos uma base sólida quando dissermos que os incêndios florestais na Amazônia se tornarão um problema cada vez maior”, afirmou o pesquisador do Ipam ao OC.

CHURCHILL

Os cientistas fizeram suas simulações de clima futuro em computador, utilizando dois cenários climáticos dos modelos do IPCC: o chamado RCP 2.6, no qual a humanidade tem sucesso em estabilizar o aquecimento em 2oC, em linha com o Acordo de Paris; e o RCP 8.5, no qual nada é feito para combater as emissões de carbono. A chance de fogo no centro-sul da Amazônia (que concentra 60% da área do bioma no Brasil) foi cruzada com os cenários de clima em dois cenários de desmatamento: um com taxas semelhantes às atuais e um sem.

Nos cenários com desmatamento, a área queimada entre 2010 e 2050 ultrapassa 22 milhões de hectares (equivalente a uma Argentina) e as emissões acumuladas brutas chegam a 17 bilhões de toneladas.

Nos cenários sem desmatamento a área queimada e as emissões caem  30%.

“Nossa análise mostra que teremos de ter uma estratégia em dois trilhos para proteger a Amazônia”, afirma Douglas Morton, pesquisador do Centro Goddard de Voo Espacial da Nasa, especialista em fogo na Amazônia e coautor do estudo. “Reduzir o desmatamento limita a quantidade de florestas em risco nas próximas décadas, mas essa ação precisa ser casada com esforços globais para reduzir emissões de gases-estufa”, prossegue. “As simulações mostram risco de fogo mesmo sem novos desmatamentos, indicando como a mudança do clima dificultará evitar danos pelo fogo no futuro.”

Brando diz que, mesmo com efeito limitado, os esforços de eliminação do desmatamento precisam acontecer, para não ampliar ainda mais a catástrofe que se anuncia. Ele lembra que o título do artigo científico, The gathering firestorm (a aproximação da tempestade de fogo), é uma referência ao primeiro volume das memórias de Winston Churchill sobre a 2a Guerra Mundial, The gathering storm (a aproximação da tempestade).

“Churchill descreve seus esforços para convencer o Parlamento britânico a agir contra a Alemanha nos anos 1930. Mesmo que as chances de ação sejam pequenas, nosso papel é informar o público e a comunidade científica sobre o problema iminente.”

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