O ministro-substitito do Meio Ambiente, Edson Duarte (Foto: Claudio Angelo/OC)

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Desastres ambientais vão para a conta do agro, diz ministro

Para Edson Duarte, do Meio Ambiente, setor rural só tem a perder com flexibilização do licenciamento ambiental e das regras para agrotóxicos: “Atalho pode tornar a estrada mais longa”

13.05.2018 - Atualizado 11.03.2024 às 08:28 |

DO OC – O agronegócio brasileiro tem tudo a perder e nada a ganhar com as flexibilizações do licenciamento ambiental e da lei dos agrotóxicos, que podem ser votadas nos próximos dias na Câmara dos Deputados por pressão da bancada ruralista. Quem diz é o ministro-substituto do Meio Ambiente, Edson Duarte, 52.

Segundo o ministro, o pleito central dos ruralistas na questão do licenciamento, a dispensa para a agropecuária extensiva, já havia sido atendido pelo texto negociado com os deputados pelo seu antecessor, Sarney Filho (PV-MA).

A proposta de acordo, porém, foi renegada pela Frente Parlamentar da Agropecuária, que defende um outro projeto de lei que amplia isenções e deixa na mão de Estados e municípios a definição dos critérios de rigor para as licenças.

Os ruralistas afirmam que brigam pela desburocratização do licenciamento. Duarte alerta: “O atalho pode tornar a estrada mais longa.” Para o ministro, enfraquecer esse instrumento é um risco para o setor produtivo.

“Além da judicialização alta, a flexibilização vai trazer para a conta do setor uma imagem que vai ser muito prejudicial”, diz. “Porque, se tivermos daí para a frente algum problema com os nossos biomas e alguns impactos e acidentes ambientais, isso certamente irá para a conta do movimento de flexibilização da legislação.”

Sobre a lei de agrotóxicos, que pode ter seu enfraquecimento votado nesta segunda-feira (14) numa comissão especial, Duarte alerta tratar-se de outro “tiro no pé” do setor rural, que pode ensejar ações protecionistas de países que compram nossas commodities – na esteira de problemas recentes do Brasil com as exportações de carne e frango.

Baiano de Jacobina, Duarte foi deputado federal pelo PV de seu Estado e assessorava Sarney Filho, que deixou o ministério em abril para tentar mais um mandato parlamentar. Ele assumiu em caráter interino, em meio a tentativas dos ruralistas de emplacar nomes ligados ao setor para o Meio Ambiente. Mas vem agindo como se efetivo fosse: na última semana, iniciou com a equipe do ministério uma mobilização nacional pelo combate ao desmatamento na Amazônia.

O plano inclui idas a campo para prestigiar os fiscais do Ibama e o envio de mais de 30 mil cartas e e-mails a proprietários rurais de áreas críticas na Amazônia, alertando-os de que os satélites estão vigiando a região e que desmatamento ilegal será punido.

“É para fazer o contraponto à possível ideia de que troca de ministro, ano eleitoral e mudanças na legislação que estão ocorrendo no Congresso possam servir de estímulo a uma caça ao ouro.”

Também tem feito articulações com outros ministérios para tentar trazer a Conferência do Clima da ONU de 2019, a COP25, para o Brasil. A proposta foi feita por seu antecessor, mas esbarrou no veto da Venezuela.

Em entrevista ao OC, Duarte falou sobre Congresso, Executivo e os planos do ministério para o restante do governo Temer. Leia a entrevista.

(CLAUDIO ANGELO)

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O Brasil vive uma ofensiva ruralista sem precedentes ou sempre foi assim e a reação do Executivo é que era outra?

Não é novidade esse movimento do setor agropecuário e de outros setores dentro do Congresso. O setor agropecuário sempre teve uma representação numerosa, basicamente com o mesmo número. Nos últimos anos, avançou muito na sua organização, nas suas articulações com respeito à votação de pautas no Congresso Nacional. Só que, ultimamente, a gente tem discutido com membros dessa bancada que nem todo projeto que parece ter uma cara de favorecimento ao setor agropecuário, fazendo um enfrentamento com o meio ambiente, é benéfico ao setor.

Pode dar um exemplo de projeto que é prejudicial ao setor produtivo?

Eu citaria dois projetos cujo momento é inoportuno e podem ser um tiro no pé para o setor: a lei de agrotóxicos e o licenciamento ambiental.

Recentemente tivemos problemas sérios ligados à carne e ao frango. Foram problemas relativos a alguns [produtores], mas que acabaram trazendo um prejuízo generalizado.

O sr. está falando da Operação Carne Fraca?

Da Carne Fraca e, mais recentemente, de problemas que aconteceram com o frango [em abril, a União Europeia embargou 20 frigoríficos, o que pode afetar até um terço das exportações brasileiras]. E isso acabou causando um prejuízo do qual o setor ainda não se recuperou. Num momento em que o esforço nacional é dizer que estamos, sim, corrigindo eventuais falhas no processo de fiscalização e o problema não se repetirá, o Congresso vem e vota essas duas matérias que sinalizam uma possível flexibilização de duas salvaguardas importantes na área ambiental, o [controle do] agrotóxico e o licenciamento. Isso pode passar um recado ruim lá para fora, assim como para dentro do próprio país. Pode dar motivação a um movimento protecionista que vem crescendo no mundo. E a questão ambiental, e sobretudo a flexibilização de instrumentos de segurança no que diz respeito à qualidade do alimento, que é o caso do agrotóxico, que pode ter afetar diretamente a saúde, isso pode, sim, ensejar boicotes, bloqueios, suspensão de acordos comerciais.

Mas aí há duas questões. Uma o quanto essas pessoas no Congresso representam de fato o setor rural e a outra é que, sempre que se trata de desregulamentar, as divisões internas desaparecem e eles votam todos em bloco.

É da cultura, é histórico. Se é para desregular você tem a simpatia de um grande grupo. E há a ideia de que, se é para regular, é para criar dificuldades. Precisamos buscar sempre o meio termo. Não precisa necessariamente burocratizar, mas que isso jamais signifique flexibilização dos cuidados. Porque o atalho pode tornar a estrada mais longa. Flexibilizar na legislação pode levar a uma judicialização maior. E isso não significa agilidade, pelo contrário, aí sim, os processos vão ficar mais longos.

“O atalho pode tornar a estrada mais longa. Flexibilizar na legislação pode levar a uma judicialização maior.”

No licenciamento, há um projeto que vem sendo construído pelo Ministério do Meio Ambiente, e a gente achava que tivesse aceitação da bancada ruralista, e que já previa isenção para atividade agropecuária.

O acordo possível de ser construído foi aquele em que o setor agropecuário extensivo não teria a exigência do EIA-Rima [Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente], mas essa dispensa exigiu o cumprimento de uma série de legislações que o EIA-Rima iria pedir, em relação ao solo, a agroquímicos, a reserva legal, área de preservação permanente. A dispensa não significou uma flexibilização dos controles legais que existem hoje.

O problema é que a bancada ruralista não reconhece mais esse projeto.

Não reconheceu. E não reconheceu porque outros setores, que não têm representantes tão organizados e numerosos quanto a bancada rural, pegaram carona, e a bancada rural vem percebendo que aquilo que ela vem tensionando hoje não lhe interessa diretamente. Outros setores, ligados a estradas, construção civil, saneamento e outros mais, estão pegando carona. De tal forma que há movimentos dentro do setor rural dizendo que, se flexibilizar a lei de forma generalizada, que é o movimento hoje existente, a conta vai ficar para o setor.

Mas eles parecem confortáveis com isso, não? Porque o projeto de licenciamento do Senado, de autoria do senador ruralista Acir Gurgacz (PDT-RO), é cópia-carbono do texto que a Confederação Nacional da Indústria circulou semanas atrás.

Eu tenho conversado com muitos, feito alertas, e tenho sido muito bem recepcionado nesses alertas. Eu acho que o setor não ganha, mas perde. Uma flexibilização para as outras áreas não vai dar nada ao setor rural. É um pseudo-ganho, porque, além da judicialização alta, a flexibilização vai trazer para a conta do setor uma imagem que vai ser muito prejudicial. Porque, se tivermos daí para a frente algum problema com os nossos biomas e alguns impactos e acidentes ambientais, isso certamente irá para a conta do movimento de flexibilização da legislação. E isso é perigoso. Não só para o meio ambiente, mas para o ambiente de negócios. Para o emprego, para quem está investindo, e para a imagem do setor, que é importante sobretudo para quem exporta.

“Se tivermos daí para a frente algum problema com os nossos biomas e alguns impactos e acidentes ambientais, isso certamente irá para a conta do movimento de flexibilização da legislação. E isso é perigoso.”

A Frente Parlamentar da Agropecuária está sendo inocente útil nessa história?

A FPA entrou nessa, mas acho que vários dirigentes já percebem que eles só têm a perder com esse movimento. Que a melhor proposta para o Brasil é o acordo que nós fizemos, exatamente com a FPA.

Que acordo é esse?

O acordo do projeto que nós construímos, que estabelece três elementos combinatórios para definir o que é licenciamento simplificado e o que tem EIA-Rima: o porte, o potencial poluidor e a localização do empreendimento. E que tem um único caso de dispensa, à agropecuária extensiva, mediante o cumprimento de uma lista de normas legais já existentes. O Executivo já cumpriu sua parte no que diz respeito ao projeto do licenciamento. Nossa parte foi oferecer uma proposta como contraponto a um movimento que existia dentro do Congresso. O ministro Sarney Filho liderou um movimento, com apoio da Presidência da República, de chamar todos os atores dentro e fora e isso foi feito, durou um ano e meio e chegamos a um texto. O problema são as alterações que estão propondo agora a esse texto.

Então sobre essas alterações não tem conversa com o Ministério do Meio Ambiente?

Não tem, porque essas alterações não favorecem o Brasil, nem o meio ambiente, nem a sociedade, nem os empresários.

O governo desde 2011 vem perdendo o controle sobre os ruralistas na Câmara. Hoje o Executivo tem bala na agulha para barrar uma votação dessas?

Todo governo tem altos e baixos em sua relação com o Parlamento. A representação política brasileira mudou muito nas últimas décadas. Aumentou muito a representação partidária, aumentou a subdivisão dentro dos partidos e dos grupos de interesse representados. E isso fica muito difícil dentro de um parlamento gigante como é o do Brasil. Por outro lado, nosso modelo eleitoral favorece a eleição de candidatos que representam interesses locais, paroquiais, não necessariamente linhas ideológicas. Essa complexidade da relação institucional brasileira cria naturalmente uma dificuldade para o Executivo fazer essa gestão.

Ou seja, vai ter que ser na conversa.

Vai. Não há nenhum outro instrumento que funcione que não seja o convencimento. Entender a agenda ambiental como adversária e ver no meio ambiente o grande problema do setor produtivo brasileiro é um equívoco e alguns setores poderão pagar caro por ele. Da nossa parte, não venceremos a guerra enquanto não nos aliarmos com um setor que entenda que meio ambiente e produção são dois lados de uma mesma moeda.

Vou dar um exemplo: no ano passado, o setor de grãos bateu um recorde de safra. E o principal fator foram condições climáticas favoráveis. Não foi crédito, nada. Foi clima. Aumentar o desmatamento na Amazônia é continuar apostando na mudança do regime de chuvas no Brasil, das condições climáticas do país, e isso pode ser desastroso para parte significativa da produção brasileira.

“Da nossa parte, não venceremos a guerra enquanto não nos aliarmos com um setor que entenda que meio ambiente e produção são dois lados de uma mesma moeda.”

Falando em desmatamento: o desmatamento cresceu 248% em março segundo os dados do Imazon. E estamos em ano eleitoral e é isso mesmo o que acontece se não fizermos nada adicional. O que o governo está fazendo para evitar mais uma alta?

Primeiro, mantendo uma política rígida, firme e forte de comando e controle. Isso se dá com boa parte do efetivo do Ibama e do ICMBio, o fortalecimento de nossas relações com outras forças de segurança e com o Ministério Público. Estamos atuando em todos os biomas, mas com prioridade para a região amazônica e as áreas mais críticas. Não estamos tendo problema orçamentário.

Além disso, estamos trabalhando numa campanha chamada Mobilização Nacional pelo Combate ao Desmatamento Ilegal, com os seguintes eixos: comando e controle, presença da presidente do Ibama e minha em campo, estimulando os fiscais para esse trabalho, que é de alto risco, e um trabalho de mobilização social e institucional. Eu estou indo até o setor produtivo, dialogando com sindicatos rurais, com os governos estaduais, com os produtores e veículos de comunicação deles, dizendo: não deixe que a atividade criminosa na Amazônia se associe ao agronegócio que cumpre a lei. O que ocorre na Amazônia é crime, tem que ser tratado como crime, é caso de polícia.

É por isso que estamos enviando correspondências a toda a região, a todos os produtores nas áreas mais críticas dizendo que estamos acompanhando por satélite passo a passo o movimento do desmatamento e que desmatar pode ser feito desde que na legalidade, portanto procure autorização.

São cartinhas, mesmo?

Estamos encaminhando e-mails e cartas e estudo de campo para medir o impacto junto aos proprietários.

Desde quando?

Agora. Acabou de sair esta semana a primeira leva, a gente estima que deverão vir umas 30 mil ou 40 mil correspondências nas regiões mais críticas. Estamos enviando aos produtores dos municípios críticos, autoridades locais e mandando mensagens a todos os blogs, rádios e jornais das regiões mais críticas, dizendo: “Procurem atuar de forma legal. Esta é uma região crítica e, portanto, os órgãos de fiscalização estarão acompanhando”. É para fazer o contraponto à possível ideia de que troca de ministro, ano eleitoral e mudanças na legislação que estão ocorrendo no Congresso possam servir de estímulo a uma caça ao ouro.

Havia uma pressão muito grande para indicar quem ocuparia essa cadeira na transição. Essa pressão arrefeceu?

Eu fiquei muito feliz em ver tantos movimentos querendo indicar o ministro do Meio Ambiente. Sinal de que é uma área importante e estratégica. A partir do momento em que eu me sentei aqui, minha única preocupação foi atuar em dois campos: um, o combate ao desmatamento, porque eu chego exatamente no momento em que se abre uma janela para uma corrida ao ouro do desmatamento na Amazônia. E o segundo é consolidar os instrumentos que estão em fase de maturação. Já concluímos o povoamento do CAR [Cadastro Ambiental Rural] e agora trabalhamos no PRA [Programa de Regularização Ambiental] e tentando consolidar a CRA [Cota de Reserva Ambiental]. Isso vai nos garantir que, ao final do governo Temer, um modelo de gestão ambiental no Brasil fique tão bem consolidado que, venha a governar quem vier, no Brasil e nos Estados, dificilmente terá condições de reverter.

O prazo para os proprietários aderirem ao CAR acaba dia 31. Ele já foi prorrogado três vezes. Há alguma pressão por mais uma prorrogação?

Não vejo demanda, não vejo necessidade. Quem não está dentro é porque não se interessou. Portanto, para que discutir prorrogação para quem não está interessado e não tem necessidade? Temos 5 milhões de cadastros, o que já nos permite trabalhar muito. Esse povoamento era considerado impensável e nós conseguimos. Isso se torna fundamental para consolidar políticas de fiscalização e controle, mas sobretudo de consolidação de uma política de apoio aos produtores em reserva legal e APP, que somam quase 100 milhões de hectares.

“Quem não está dentro [do CAR] é porque não se interessou. Portanto, para que discutir prorrogação para quem não está interessado e não tem necessidade?”

A Venezuela se opôs formalmente ao Brasil como sede da COP25, e muita gente no governo também, é contra, alegando custo alto. O sr. teria uma conversa no Itamaraty a esse respeito na semana passada. Essa conversa aconteceu? Qual foi o resultado? O que dá para fazer?

Estamos trabalhando desde o momento em que o Sarney Filho anunciou a intenção do Brasil em sediar a COP. Naquele momento o ministro tinha a sinalização do governo como interessado na pré-candidatura. A consolidação da candidatura exige algumas medidas. Uma delas é a concordância regional. E essa concordância não aconteceu com o veto venezuelano. Com o veto não é possível. Nós estamos trabalhando junto ao Itamaraty nos desenhos possíveis, tentando entender quais as possibilidades de contornar o veto. Mas já começamos a fazer um trabalho interno como se o veto não existisse. Tanto que solicitei uma reunião com o ministro do Planejamento sobre as condições orçamentárias de fazer o evento. Caso o conjunto de medidas externas e internas não favoreça [a COP], a única saída é a chamada troca de senhas, em que, não sendo na região em razão do veto venezuelano, haveria uma troca com outra região e o Brasil se candidataria para a COP seguinte, com mais prazo para fazer os contornos diplomáticos necessários.

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