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“Estamos indo de crise climática a desastre climático”, diz ONU

Novo relatório da agência ambiental mostra que promessas de Glasgow não fizeram nem cócegas no corte de emissões necessário para limitar aquecimento a 1,5ºC

27.10.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

DO OC – Um relatório das Nações Unidas publicado nesta quinta-feira (27) mostra que todas as promessas climáticas feitas no ano passado na conferência de Glasgow, a “COP da ambição”, não tiveram nada de ambicioso: somadas, elas reduzem emissões em 0,5 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) em 2030. Precisariam ser no mínimo 40 vezes maiores para dar à humanidade uma chance de cumprir a meta do Acordo de Paris.

A diretora-executiva do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), Inger Andersen, não fez questão de dourar a pílula. Em entrevista coletiva de lançamento do documento, o relatório anual Emissions Gap, ela disse que não existe hoje “uma trajetória crível” para limitar o aquecimento global a 1,5oC, como preconiza o acordo do clima. “O impacto coletivo das novas metas terá cortado 1% das emissões, quando precisamos de 43%”, afirmou. “Estamos escorregando de uma crise climática para um desastre climático.”

Andersen basicamente descartou, ainda que nos termos nebulosos da linguagem diplomática, a possibilidade de o mundo cumprir o acordo do clima nos 96 meses que restam para isso. Primeiro, devido à distância entre o que a humanidade emite hoje, o que os países botaram na mesa na forma de NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) e o que é necessário para limitar o aquecimento a 1,5oC neste século.

Aos números: as emissões em 2021, excluindo desmatamento, foram estimadas em 52,8 bilhões de toneladas de CO2e. Somando os dados de desmatamento, que ainda não estão disponíveis para o mundo todo, elas podem alcançar ou ultrapassar o recorde histórico de 2019 de 54 bilhões de toneladas. Para manter 1,5oC ao alcance, seria preciso emitir em média 33 bilhões de toneladas em 2030. Mesmo que todas as NDCs sejam cumpridas à risca, o mundo ainda ficaria com um hiato (o gap que dá título ao relatório) de 20 bilhões a 23 bilhões de toneladas para alcançar a meta. O mundo está, neste momento, numa trajetória de aquecimento de 2,4oC a 2,6oC.

A outra razão para o pessimismo do Pnuma é que as promessas de neutralidade climática em 2050 feitas no ano passado por vários países, inclusive pelo Brasil, têm “credibilidade muito incerta”.

Em Glasgow, a vontade dos anfitriões britânicos de produzir uma boa notícia para decretar sucesso da conferência era tão grande que iniciou-se um movimento para pressionar os países a anunciar metas para 2050. Isso gerou fortes críticas de diplomatas de países em desenvolvimento, que viram na movimentação uma distração sobre o problema concreto a resolver para 2030.

O relatório do Pnuma mostra que as críticas estavam corretas: embora as promessas de neutralidade de fato tenham a capacidade de reduzir o aquecimento projetado a 1,8oC, algo bem mais próximo da meta de Paris, são apenas três os países do G20 (que detêm 75% das emissões do planeta) que têm hoje uma trajetória de emissões totalmente compatível com o “net zero”: Canadá, Reino Unido e EUA – e, mesmo assim, este último somente por causa da lei de combate à inflação aprovada neste ano, que inclui investimentos bilionários em clima.

Em desalinho: emissões dos países do G20 não batem com as ambições de zerar emissão líquida (Fonte: Pnuma)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O terceiro motivo para ceticismo é a escala da transformação financeira necessária para dar chance ao 1,5oC. O Pnuma calcula em US$ 4 trilhões a US$ 6 trilhões por ano os recursos financeiros necessários para transformar a economia mundial do atual modelo dependente de combustíveis fósseis e uso insustentável da terra para um modelo descarbonizado. Segundo o IPCC, o painel do clima da ONU, é preciso sextuplicar os recursos hoje aplicados em redução de emissões e adaptação.

A questão das finanças deve dominar o debate na COP27, a conferência do clima de Sharm El-Sheikh, Egito, que começa em nove dias. Países europeus e pequenas ilhas defendem o chamado Programa de Trabalho em Mitigação, uma espécie de acelerador da ambição das NDCs. Já os países emergentes baterão o pé para que os ricos ponham dinheiro na mesa: lembrando que até hoje nem sequer os US$ 100 bilhões que eles prometeram anualmente a partir de 2020 para financiar o combate à crise do clima nos países pobres foram disponibilizados.

Somando-se isso ao cenário de forte retomada das emissões no pós-pandemia e à sobrevida aos combustíveis fósseis dada pela invasão da Ucrânia, o mundo deve perder mais 12 preciosos meses de ação climática em 2023.

Andersen, do Pnuma, diz que o caso é grave, mas tenta manter o ânimo: “Cada fração de grau importa, bem como cada tonelada de CO2 removida”.

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