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Na newsletter: Amazônia tem sete “dias do fogo” na Semana da Pátria

12.09.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

Sete de Setembro foi dia de fogos. Não os de artifício para comemorar o bicentenário da Independência, mas os fogos da derrubada da floresta amazônica para dar lugar a pastagens e garantir posse de terras públicas, um hábito mantido desde antes do grito de Dom Pedro I e que só ganhou voracidade nos últimos anos.

Na Semana da Pátria, enquanto paraquedistas pendiam como estranhos frutos de árvores em Copacabana e Jair Bolsonaro arregimentava seus fanáticos para um comício de dia inteiro (transmitido ao vivo pelas TVs e prestigiado pelo presidente de Portugal), a Amazônia ardia. O número de focos de queimada nos primeiros sete dias de setembro já era 10% maior do que em todo o mês de setembro do ano passado

A fumaça atravessou o país e chegou a São Paulo, ao Paraná e à Bolívia. Nesta sexta-feira (9), o Inpe divulgou os números chocantes, mas não surpreendentes, dos alertas de desmatamento em agosto: um aumento de 81% em relação ao ano passado. No Cerrado, o número de alertas foi o segundo maior da série histórica para o mês, perdendo apenas para o recorde de 2019, também sob Bolsonaro.

E, se alguém ainda acha que a destruição é um preço justo a pagar por emprego, renda e desenvolvimento, dois dados publicados nesta semana dão a real: o Brasil caiu três posições no IDH no ano passado (além das cinco que já havia caído em 2019, antes da pandemia), mostrou o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). E um estudo na revista Science mostrou que no mínimo um terço da área desmatada no mundo tropical não é usada para produção agropecuária – ou seja, é pura especulação com terra.

Boa leitura.

DIA DO FOGO, “RELOADED”

O desmatamento em agosto aumentou 81% em relação ao mesmo mês de 2021 e é o segundo maior da série histórica iniciada em 2015, perdendo apenas para o recorde no primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro, apontou nesta sexta-feira (9/9) o sistema Deter, do Inpe. Os satélites registraram a derrubada de 1.661 km2, ante 918 km2 em agosto do ano passado. Nos quatro anos do governo Bolsonaro o desmatamento no mês de agosto foi 133% maior do que no mesmo período dos quatro anos anteriores.

Como o desmatamento na Amazônia é medido de agosto de um ano a julho do ano seguinte, a série de dados de 2023 começa com alta – e a conta será do próximo Presidente da República. A persistir a tendência, ele herdará de Bolsonaro cinco meses de descontrole e terá problemas sérios para reduzir o desmatamento no primeiro ano de mandato. No Cerrado, o desmatamento aumentou 14% em agosto, chegando a 452 km2.

Ao “Baile da Ilha Fiscal” do desmatamento somam-se as queimadas, que voltaram a assolar com força a região amazônica. O número de focos registrado pelo Inpe em agosto (33.116) foi o maior para o mês em 11 anos. Houve alta de 7% em relação a agosto de 2019, quando o infame episódio do “Dia do Fogo” botou o Brasil no centro de uma crise internacional.

Já a área queimada em agosto foi de 24.066 km2, um aumento de 30% em relação a igual período do ano passado e a segunda maior desde a seca recorde de 2010 (perdendo apenas para 2019, primeiro ano de Bolsonaro).

Em setembro, o número de focos de incêndio detectados pelo Inpe em apenas nove dias já é 29% maior do que o de todo o mês de setembro do ano passado. A média nos nove dias é de 2.400 focos, marca que supera o “Dia do Fogo” de agosto de 2019, quando fazendeiros bolsonaristas articularam queimadas em série na Amazônia.

Como mostrou o OC nesta quarta (7/9), o Ibama havia executado até 5 de setembro apenas 37% do orçamento disponível para prevenção e controle de incêndios florestais. O auge de queimadas não ocorreu por obra divina.

Apesar dos dados alarmantes de desmatamento e queimadas (e da inação imposta aos órgãos ambientais), o governo continua mentindo: em vídeo divulgado no Dia da Amazônia, afirma que houve “reforço da fiscalização”. O Fakebook.ecomostrou que isso é falso: os autos de infração aplicados pelo Ibama por crimes contra a flora na Amazônia Legal caíram 51% sob Bolsonaro: a média mensal de janeiro a junho no período de 2015 a 2018 (governos Dilma e Temer) foi de 2.348, ante média de 1.146 de janeiro a junho de 2019-2022 (governo Bolsonaro).

Enquanto o desmatamento come a floresta, a fumaça de queimadas criminosas avança para o sul/sudeste e atinge outros países, como Bolívia e Peru. “A Amazônia nunca queimou tanto em uma Semana da Pátria quanto agora, com exceção de 2007, que foi um ano muito seco”, diz Ane Alencar, diretora de Ciência no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e coordenadora do MapBiomas Fogo.

AGROPECUÁRIA CAUSA MAIS DE 90% DO DESMATAMENTO EM TODO O MUNDO TROPICAL

Um estudo publicado nesta quinta-feira na revista científica Science aponta que entre 90% e 99% de todo o desmatamento nos trópicos é causado direta ou indiretamente pela agropecuária. No entanto, no máximo dois terços disso de fato resultam em expansão da produção agrícola nas terras desmatadas. Ou seja, o agro está acabando com as florestas tropicais do planeta essencialmente para nada, ou para especular com terra. No Brasil, mais de 98% do desmatamento tem como vetor a agropecuária. Descontadas as áreas de pasto degradado, o total destinado à produção fica em 55%. “Ou seja, boa parte do desmatamento é puro desperdício de capital natural”, diz Tasso Azevedo, um dos autores brasileiros do estudo. Leia aqui.

UM TERÇO DO DESMATE NO BRASIL OCORREU NOS ÚLTIMOS 37 ANOS

Entre 1985 e 2021, o Brasil perdeu 13,1% de vegetação nativa, entre florestas, savanas e outras formações não florestais. Esse território foi ocupado pela agropecuária, que agora responde por um terço do uso da terra no Brasil. Os dados são da Coleção 7 do MapBiomas, lançada no ultimo dia 26, com dados que vão de 1985 até 2021. Entre as principais constatações do consórcio de monitoramento por satélite está o fato de que as alterações causadas pela ação humana nos últimos 37 anos correspondem a um terço (33%) de toda a área antropizada do país desde o Descobrimento. Nesse período, o Brasil passou de 76% de cobertura da terra de vegetação nativa (florestas, savanas e outras formações não florestais), para 66%. Por outro lado, a área ocupada por agropecuária cresceu de 21% para 31% do país, com destaque para o crescimento de 228% das áreas de agricultura e que agora representam 7,4% do território nacional. Leia aquie explore a plataforma do MapBiomas aqui.

DESMATAMENTO AQUECEU E SECOU O CERRADO

Menos popular que o Dia da Amazônia, o Dia do Cerrado é comemorado amanhã (11) com mais uma péssima notícia para o bioma mais velozmente destruído do Brasil. Um estudo publicado na revista Global Change Biology pelas ecólogas Mercedes Bustamante e Ariane Rodrigues, da Universidade de Brasília, mostrou que o desmatamento já aqueceu o território em 1oC e reduziu em 10% a evapotranspiração, ou seja, a capacidade de as plantas bombearem umidade para a atmosfera. Os detalhes estão em reportagem de O Globo.

Para quem mesmo assim sentir vontade de celebrar a resistência da savana mais biodiversa (e, na modesta e assumidamente enviesada opinião dos autores desta newsletter, mais bonita) do planeta, a campanha #VotePeloCerrado realizará atividades no domingo na maior cidade do bioma, Brasília.

ARTISTAS SE UNEM À SOCIEDADE CIVIL NO DIA DA AMAZÔNIA

Na última segunda-feira foi celebrado o Dia da Amazônia, com uma nova reunião entre artistas e sociedade civil para mobilizar a sociedade para os riscos que a maior floresta tropical da Terra corre. A Virada Cultural Amazônia de Pé realizou mais de 600 atividades no país inteiro, incluindo shows em oito capitais no domingo. No Rio de Janeiro, onde Geraldo Azevedo foi a grande atração, dezenas de artistas compareceram à Casa Amazônia Livre, onde gravaram um vídeo defendendo o voto consciente pela floresta.

ÁSIA VIVE MEGAENCHENTE E MEGA-SECA AO MESMO TEMPO

Trinta e três milhões de pessoas atingidas, um terço do território inundado, mais de 1.200 mortos, 3 milhões de crianças em situação de risco. Esses eram até a semana passada alguns dos números da catástrofe climática que atinge o Paquistão. Desde junho, chuvas quase três vezes mais intensas que a média dos últimos 30 anos castigam o país, causando enchentes devastadoras. No mesmo continente asiático, a China registrou o que pode ter sido a onda de calor mais extensa e mais duradoura da história humana, que se estendeu por mais de dois meses. Leia aqui.[:][:]

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