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Observatório do Clima reúne cientistas brasileiros do IPCC para discutir conclusões e projeções do novo relatório

Evento contou com a presença de José Marengo (INPE) e Roberto Schaeffer (COPPE/UFRJ), que fazem parte do painel de cientistas da ONU sobre mudanças do clima e contribuíram no 5º relatório.

07.01.2015 - Atualizado 11.03.2024 às 08:25 |

Evento contou com a presença de José Marengo (INPE) e Roberto Schaeffer (COPPE/UFRJ), que fazem parte do painel de cientistas da ONU sobre mudanças do clima e contribuíram no 5º relatório.

OC, 10/06/2014
Bruno Toledo

As mudanças do clima já fazem parte da realidade atual da vida em todo o planeta, e sua magnitude é tamanha que o enfrentamento desse desafio persistirá por gerações. Pior: se não agirmos efetivamente para conter a concentração de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera nas próximas duas décadas, o aumento da temperatura média global pode superar 4ºC até 2100, o que colocará a Terra num processo irreversível de aquecimento, com consequências imprevisíveis.

Os três volumes do 5º Relatório de Avaliação (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), lançados entre setembro de 2013 e maio de 2014, reforçaram a urgência já apontada pela ciência para as mudanças do clima. Segundo o relatório, a responsabilidade humana sobre esse processo é clara, e precisamos de ações urgentes para diminuir as emissões globais de GEE e para preparar nossas comunidades e economias para os impactos decorrentes das alterações no clima.

Para entender melhor a mensagem dada pelo IPCC em seu novo relatório, o Observatório do Clima promoveu uma oficina com a participação de dois pesquisadores brasileiros que fazem parte do IPCC e que contribuíram na elaboração do novo relatório do grupo: José Marengo, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Aplicada (INPE), e Roberto Schaeffer, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Além de dar um panorama sobre as principais conclusões do IPCC no AR5, Marengo e Schaeffer também debateram os desafios e as oportunidades para o Brasil no contexto das mudanças climáticas, no que tange à sua mitigação, adaptação aos seus efeitos e políticas públicas no tema.

O que diz a ciência sobre o clima global

O aquecimento global provocado pelas atividades humanas é fato: a temperatura média do planeta está subindo, tanto sobre os continentes como nos oceanos. “O aquecimento é inequívoco, e vem sendo observado desde os anos 1950”, explica Marengo. “Os índices observados nessas últimas décadas são sem precedentes na história recente do planeta”.

José Marengo (INPE), durante oficina do Observatório do Clima sobre o AR5 do IPCCApresentado em setembro passado, o volume elaborado pelo Working Group I (WG1) do IPCC para o AR5 reforça a responsabilidade humana por essas alterações nos padrões climáticos da Terra. “O aquecimento não é resultado direto do homem, mas a ação antrópica amplifica esse processo natural de uma forma clara e evidente, o que aumenta os impactos decorrentes dele”.

Pelas projeções históricas, os modelos que consideram apenas as variáveis ambientais apresentam uma tendência de estabilização climática. Ou seja, desconsiderando a ação humana, o clima no planeta não estaria vivenciando um aumento da sua temperatura média. “Quando comparamos os dados desses modelos de forçantes [mecanismos que alteram o equilíbrio climático do planeta] naturais com os modelos que aplicam forçantes antrópicas, vemos uma divergência crescente entre eles a partir da metade do século XX, já que os dados que levam em consideração o impacto humano apresentam tendência de aumento da temperatura – ou seja, a influência humana é clara”, argumenta Marengo.

O mais grave é que aparentemente o planeta está próximo das projeções mais altas para a temperatura global até o final do século XXI. Isso significa que as ações adotadas até hoje não surtiram efeito. Pior: a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera continua aumentando, o que potencializa o processo de aquecimento global. Segundo Marengo, “se continuarmos nesse ritmo, sem alterar efetivamente as emissões globais, em 2040 o processo de aquecimento do planeta para além dos 2ºC será irreversível”.

Impactos e adaptação

Uma das principais tarefas do IPCC é desenvolver projeções a partir de possíveis cenários climáticos para as próximas décadas, com o propósito de identificar riscos e impactos decorrente de cada situação de aumento de temperatura. No entanto, na medida em que o planeta caminha para um processo de aquecimento acima dos 2ºC até 2100, as consequências ficam mais difíceis de se prever – o que desafia a capacidade humana de se preparar para possíveis impactos negativos.

De acordo com o volume apresentado pelo Working Group II (WG2) em março passado, centenas de milhões de pessoas poderão ser forçadas a migrar devido ao aumento do nível do mar nas próximas décadas. Esse aumento decorre da expansão térmica dos oceanos (por causa do aquecimento da água), da perda das geleiras nos polos e da redução na retenção de água na terra.

Segundo José Marengo, “os dados indicam um aumento entre 40 a 70 cm no nível do mar, o que pode parecer pouco, mas que representa um volume de água de bilhões de toneladas”. Além da elevação do nível do mar, eventos climáticos extremos, como ciclones tropicais, poderão se tornar mais frequentes.

Na América Central e do Sul, as mudanças climáticas poderão trazer prejuízos na agricultura e na disponibilidade de água potável. Nos Andes, as geleiras que cobrem as montanhas se reduzirão consideravelmente, comprometendo o abastecimento de água em todo o altiplano boliviano. Em compensação, a vazão dos rios da bacia do Prata aumentará, ameaçando comunidades que vivem em suas margens. O regime de chuvas também contribuirá para piorar o cenário hídrico na região: “a tendência é de maior contraste entre as regiões secas e úmidas do continente, com a maior ocorrência de chuvas em áreas úmidas e de secas em áreas semiáridas – particularmente no Nordeste brasileiro”, explica Marengo.

Nesse contexto, a adaptação climática passa a ser uma necessidade urgente para todo o planeta, e particularmente para o Brasil e região.  A agricultura, em especial as culturas de milho, soja e trigo, será bastante afetada no continente. A produtividade das lavouras poderá diminuir bastante, seja pelo aumento da frequência e/ou da duração de estiagens ou pela maior ocorrência e força das precipitações. “Sem adaptação, poderemos ter graves perdas na agricultura, mas com adaptação, em alguns casos, poderíamos ter até ganho de produtividade”.

Para Marengo, o Brasil não está adaptação às variações climáticas, e precisa começar a agir. “Adaptação é algo que precisa ser feito do zero. Não adianta importar um modelo, pois se ele não dialogar com o local, ele não funcionará. Por isso esse é um esforço que precisa ser feito em colaboração com todos os setores da sociedade brasileira”, defende.

Mitigação e o custo de não agir

Além de reunir o estado da arte da ciência do clima e de projetar cenários de impactos, o IPCC também avalia o conhecimento científico mais recente sobre as opções de mitigação das mudanças climáticas necessárias para se evitar consequências mais severas. O último volume do AR5, elaborado pelo Working Group III e apresentado no final de abril passado, traz algumas observações sobre a questão da mitigação.

Oficina do Observatório do Clima sobre o AR5 do IPCCO grande desafio nessa questão é que mesmo depois de duas décadas de esforços internacionais para reduzir as emissões, eles se mostraram infrutíferos, já que as emissões continuaram crescendo. “Como podemos pensar em mitigar se elas não param de crescer?”, questiona Roberto Schaeffer.

Boa parte desse aumento decorre do setor de energia, que reflete também as mudanças recentes na renda per capita e no número de habitantes dos países em desenvolvimento, particularmente os chamados “emergentes”. “Estamos consumindo mais energia nesses países, e estamos consumindo energia cada vez mais suja, de fontes energéticas fósseis que estão sujando cada vez mais a matriz global”, aponta Schaeffer. “Além disso, precisamos considerar também que boa parte das emissões desses países em desenvolvimento acabam acontecendo para atender ao consumo crescente dos países desenvolvidos”.

Essa situação aponta para alguns caminhos. Primeiro, é necessário investir recursos e esforços crescentes em mitigação climática, caso contrário as perdas futuras serão consideráveis para toda a humanidade. Segundo Schaeffer, “se pensarmos num mundo que crescerá entre 1,6% e 3% do PIB global ao ano até 2100, imagina-se que o custo mitigação seria de até 0,06% anual – e esse custo não incluiria outros co benefícios atrelados à mitigação”.

No entanto, reduções substanciais nas emissões irão requerer grandes mudanças nos padrões atuais de investimento. Por exemplo, a eficiência energética precisaria ser fortemente incentivada, em detrimento de investimentos em energias fósseis. “Precisamos mirar mudanças tecnológicas, pois com as tecnologias de hoje não conseguiremos resolver o problema climático. Precisamos apostar na inovação tecnológica para ter condições de enfrentar esse desafio”, defende Schaeffer.

Em países em desenvolvimento, que ainda não possuem sua infraestrutura completamente estabelecida, é fundamental que a inovação esteja presente desde a sua base. “Os esforços de mitigação são mais fáceis e baratos de serem aplicados nos lugares em que não temos infraestrutura, que ainda estão construindo essas instalações”.

Para Schaeffer, não há como não mitigar. A mitigação é uma necessidade humana e um esforço que precisará ser continuado nas próximas décadas, pois o desafio das mudanças climáticas não será resolvido apenas por esta geração. “As mudanças climáticas continuarão sendo um desafio para as gerações futuras, que precisarão lidar com elas e continuar com as ações que estamos começando agora”.

Comunicação e formação

O cenário desenhado pelo AR5 do IPCC é bastante desafiador. Para responder apropriadamente, é fundamental que o público em geral e, especialmente, os tomadores de decisão tenham todas as informações necessárias para refletir, elaborar e executar ações efetivas na mitigação das emissões e na adaptação aos efeitos das mudanças climáticas.

Roberto Schaeffer (UFRJ), Daniela Chiaretti (Valor Econômico), e José Marengo (INPE), durante oficina do Observatório do Clima sobre o AR5 do IPCCEntretanto, a comunicação das informações ao público e a formação de gestores públicos em mudanças climáticas ainda são “calcanhares-de-Aquiles” do esforço contra as alterações no clima.
“A imprensa tem dificuldade de comunicar corretamente o conteúdo e os destaques dos relatórios do IPCC”, afirma Daniela Chiaretti, jornalista do Valor Econômico e mediadora da oficina. “Os cientistas poderiam expandir seus canais de comunicação, aproveitar melhor as mídias sociais e investir um pouco de tempo em simplificar os dados mais técnicos”.

Como em todos os campos da ciência, o esforço de simplificação parece ser uma dificuldade séria no que tange às mudanças climáticas. “É complicado para nós [cientistas] reduzirmos termos e conceitos ao mínimo”, argumenta José Marengo. “Não podemos simplificar tudo a ponto de afetar o conteúdo da pesquisa”, concorda Roberto Schaeffer. Uma saída para isso pode ser melhorar os canais de diálogo entre cientistas e jornalistas e a melhor preparação dos profissionais da imprensa no tema.

Não são apenas os comunicadores que têm dificuldades com o tema: os agentes públicos também sofrem com a falta de conhecimento, condições e tempo para lidar apropriadamente com a questão climática. “A grande dificuldade de lidar com mudanças climáticas é que este é um desafio de longo prazo, a ser enfrentado por pessoas com mandatos de apenas quatro anos”, observa Schaeffer. Esse problema também é observado nos gestores e técnicos de escalão mais baixo no poder público. “Geralmente são pessoas muito jovens, e existe uma rotatividade grande dentro dos ministérios e secretarias. Isso não deixa muito espaço para continuidade e aprendizados”.

Além desses problemas, os debatedores da oficina também identificaram uma lacuna climática na agenda das eleições presidenciais desse ano, que pode estar influenciando os processos internos da diplomacia brasileira nas negociações do novo acordo climático global, a ser finalizado em 2015 em Paris,

“Não vejo mudanças climáticas na agenda dos principais candidatos à Presidência da República”, aponta Schaeffer. Para o especialista, a imprensa deve ter um papel crítico para colocar o tema na pauta eleitoral. “Isso é crucial, porque o posicionamento do país nas negociações dependerá de quem estará no governo federal em 2015”.

OC: a mensagem do IPCC para o Brasil

Para o Observatório do Clima, as mensagens do IPCC associadas à dura realidade de eventos climáticos extremos que afetam a vida de milhões de brasileiros de forma cada vez mais frequente e intensa, de norte a sul do país, demandam respostas urgentes dos tomadores de decisão.

O Brasil é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa e é muito vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas. O Governo Federal precisa ter uma visão estratégica e de longo prazo sobre mudanças climáticas, que são um imenso desafio para o desenvolvimento, a economia e o bem estar das pessoas.

É fundamental que se incorpore a lógica das mudanças climáticas, seus riscos e oportunidades, às políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do país e aos grandes planos de investimentos públicos em setores como infraestrutura, energia, agricultura e pecuária, indústria etc. Hoje investimentos pesadamente em modelo de desenvolvimento que gera aumento de emissões, o que vem sendo observado pelo Sistema de

Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa – SEEG do Observatório do Clima.  Exemplos desta contradição são os 70% de investimentos do setor de energia direcionados aos combustíveis fósseis na próxima década e os R$ 150 bilhões do Plano Agrícola e Pecuário 2014/2015 frente a pouco mais de R$ 4 bilhões a serem investidos em agricultura de baixo carbono.

O próximo governo, a ser definido nas eleições presidenciais de 2014, será o responsável por determinar o caminho que o Brasil irá trilhar em meio a um contexto de clima cada vez mais severo, de necessidade premente de redução global de emissões de gases de efeito estufa e negociações da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima que demandam dos países a indicação de suas futuras metas de redução de emissões já no primeiro trimestre de 2015. Cabe, portanto, aos candidatos à presidência debater mudanças climáticas como tema estratégico e propor ações concretas sobre mitigação e adaptação às mudanças climáticas em seus programas de governo. E o Governo Brasileiro deve ir às negociações internacionais como protagonista, com metas que contribuam para limitarmos o aquecimento global aos 2ºC até o final deste século.

Fotos do evento: Felipe Frezza (GVces)

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