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‘Outros países preencherão vácuo dos EUA’

Cientistas americanos dizem que China, Rússia e Brasil podem aumentar sua influência no mundo se governo Trump abandonar liderança americana no combate às mudanças climáticas

14.11.2016 - Atualizado 11.03.2024 às 08:27 |

CLAUDIO ANGELO
DO OC, EM MARRAKESH

Se Donald Trump abandonar a ação contra as mudanças climáticas, como vem indicando que fará, estará abrindo espaço na cena internacional para outras lideranças, como a China, a Rússia e até mesmo o Brasil. Esses países poderão usar sua liderança no clima, no vácuo dos EUA, como escada para uma ascensão global em outros temas.

A aposta é de Christopher Field, da Universidade Stanford, e Katharine Mach da Carnegie Science, nos EUA, e respectivamente coordenador e coordenadora-adjunta de um dos grupos que produziram o Quinto Relatório de Avaliação do IPCC, o painel do clima da ONU.

Ambos chegaram a Marrakesh para a COP22 no dia seguinte à eleição do magnata para a Presidência dos Estados Unidos. Como vários outros participantes da conferência, ainda tentavam se recuperar do choque de ter como homem mais poderoso da Terra um homem que chamou a mudança climática de “fraude” e que já disse, durante a campanha, que estimularia o setor de óleo e gás e ressuscitaria a indústria do carvão em seu país.

Os cientistas apostam em que há limites para as bravatas de Trump no setor de energia. “Quem está ganhando a guerra contra o carvão é o gás natural, não as regulações”, diz Mach. Field completa o raciocínio e diz que, se o republicano de fato quiser estimular a extração de óleo e gás não-convencionais, por meio do “fracking” (fraturamento hidráulico), estará automaticamente minando a possibilidade de o carvão ser competitivo, já que foi o preço baixo do gás que possibilitou a redução do uso de carvão – e das emissões do setor elétrico.

No entanto, prosseguem, Trump poderá reduzir incentivos ao desenvolvimento de energias limpas nos EUA, o que minaria a capacidade do país de ser líder nesse tema, como vem sendo especialmente no segundo governo de Barack Obama. “Outros países poderiam tomar a dianteira”, diz Field.

Na semana passada, Marrakesh já viu um movimento nesse sentido. Os negociadores da China deram uma entrevista coletiva para dizer que seu país não de desviaria da ação que tem tomado para desenvolver (e vender) tecnologias energéticas limpas e que, embora entendessem que a liderança na cena climática seja atribuição dos países desenvolvidos, “nós ficaríamos felizes se a ação da China estimulasse outros países”.

Field e Mach falaram ao OC no Bab Ighli, centro de eventos que abriga a COP22, na noite de quinta-feira, antes de uma fonte do governo Trump ter dito à agência Reuters que o presidente eleito buscaria a via mais rápida possível para abandonar o Acordo de Paris. Leia a entrevista.

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Quão ruim é a vitória de Donald Trump para o clima?

Chris Field – Acho que houve declarações contraditórias de Trump durante a campanha. Por um lado, ele disse que está interessado em legitimamente proteger o ambiente e, por outro, ele é a favor de se livrar de um monte de regulações ambientais e de acordos internacionais. Essas afirmações são inconsistentes entre si. A maioria das regulações ambientais é boa para o ambiente e para a economia. Isso quer dizer que Trump vai se ater às evidências? Ou sua administração vai ignorar as evidências e se livrar das regulações? Eu queria muito saber a resposta, ou ser otimista sobre a resposta.

Katharine Mach – Trump disse várias vezes que quer incentivar o óleo e gás e trazer de volta o carvão. O que é interessante aqui é que, domesticamente, quem está ganhando a guerra contra o carvão é o gás natural, não as regulações. Vários Estados estão empurrando as renováveis hoje em dia. E todos os cinco Estados que têm mais energia eólica votaram em Trump. Então é interessante pensar nisso: a maioria dos americanos acha que o clima está mudando e querem ver ação a respeito, e ao mesmo tempo eles podem dizer, bem, energia limpa trata de gerar empregos, construir economias sólidas e limitar riscos catastróficos. Em muitos aspectos é só ganha, ganha, ganha ganha, de formas que os apoiadores de Trump gostariam.

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Como se compara isso com a era Bush, quando um presidente republicano também assumiu e rejeitou a ação climática?

CF – Há um par de coisas fundamentalmente diferentes entre os anos Bush e os dias de hoje. A primeira é que naquela época se podia questionar legitimamente se a mudança climática causada por humanos era um assunto importante. Isso está fora de questão hoje. E os poucos céticos do clima que ainda restam estão à margem do sistema global. Outra grande diferença é que os renováveis em todos os casos são competitivos em custo com os combustíveis fósseis e, em muitos casos, são a opção mais barata. Nós saímos de um ambiente no qual se encarava a redução das emissões de gases de efeito estufa como um sacrifício. O Brasil é claramente um líder na implementação de biomassa competitiva, por exemplo.

Quão importante é a liderança dos EUA? É importante, em parte porque os EUA têm uma tradição de ser um grande emissor, mas também têm uma tradição de ter preocupação com os rumos que o mundo toma. E capitular dessa liderança é sem dúvida um problema sério. E outros países veem isso potencialmente como uma oportunidade para seus ambientes diplomáticos, e um vácuo na liderança americana é uma oportunidade para a China, a Índia, a Rússia, o Brasil, de serem mais influentes no palco global. E para reconhecer que ser um líder no clima é uma das maneiras de ser líder em assuntos globais. E eu espero que os EUA não estejam preparados para sacrificar essa liderança. Mas, se estiver, nós estamos vendo mais e mais países interessados em tomar a dianteira.

O que quer dizer então é que, ao renunciar da liderança no clima, os EUA estariam abdicando de…

…de liderar em uma ampla gama de outros temas.

Em termos das implicações para o clima, se os EUA adotarem a abordagem de ir mais devagar, quão mais rápido o clima aqueceria? E isso tem dois componentes: um o que acontece nos EUA e outro, como a percepção da inação dos EUA afeta outros países. Sobre o primeiro aspecto, honestamente, se eu olho para a dinâmica que está afetando as emissões dos EUA, em sua maior parte, é o preço baixo do gás natural e a troca do carvão pelo gás natural, o que basicamente não tem nada a ver com regulação de emissões. E isso deve continuar em qualquer administração.

Trump falou muito em favor de encorajar o fracking, e, se o fracking for estimulado, não há hipótese de o carvão ser competitivo. A questão real passa a ser o que acontece com os renováveis, e aqui nós estamos vendo um crescimento muito rápido das renováveis, mas também trabalhamos num ambiente no qual energia eólica e energia solar têm isenções fiscais importantes e a remoção dessas isenções provavelmente retardaria a penetração das renováveis no setor de eletricidade. E retardariam o progresso dos EUA na redução de emissões. No longo prazo, a maior implicação seria que isso minaria a capacidade dos EUA de ser um líder no desenvolvimento, nas vendas e nos ganhos econômicos advindos das tecnologias limpas. Outros países poderiam tomar a dianteira.

Porque, na época de Bush, quando as empresas solares americanas se mudaram para a Alemanha, o mercado não era tão grande, nem a China estava vendendo painéis solares baratos no mundo todo.

CF – Mas há outros países que estão prontos para competir, não apenas na produção de energia, mas em toda uma gama de soluções climáticas, desde carros eficientes até construções eficientes, até iluminação e eletricidade. As tecnologias mais importantes do século 21 poderão ser as tecnologias limpas, e eu acho muito difícil de acreditar que os EUA possam abandonar sua capacidade de ser líder nessas áreas.

Vocês acham que essas indústrias hoje têm poder suficiente para pressionar Trump?

CF – Você esperaria que as indústrias tradicionais, moribundas, fossem as que têm poder político, e as indústrias emergentes fossem ter problema. Certamente há algumas empresas gigantes de óleo e gás que ainda têm poder, como a Exxon Mobil, a Chevron. Mas onde o dinheiro corre mesmo é nos Googles e Facebooks e nas empresas de tecnologia que também são players importantes no setor de soluções climáticas. Muita coisa tem a ver com o mapa político nos EUA e com onde as indústrias tradicionais, como o carvão, têm um papel nas alavancas do poder político. Uma coisa que a eleição mostrou foi quão desigual é a distribuição do poder político, com as zonas rurais tendo uma influência desproporcional nos resultados da eleição.

E quanto à ciência? Eu sempre tenho a impressão de que cientistas americanos ainda sofrem um estresse pós-traumático da era Bush e, justo quando estavam começando a se recuperar dele, Trump foi eleito. Vocês temem isso?

CF – Baseado na minha experiência no IPCC, eu não diria que os cientistas americanos tenham sido mais conservadores em suas abordagens do que os outros. No último relatório do IPCC, vimos alguns cientistas em todos os grupos de trabalho muito cautelosos na maneira como eles abordam as questões. As recompensas dentro da ciência sempre foram meio desalinhadas com as motivações de informar a sociedade. A ciência sempre enfatiza muito ter certeza sobre o resultado antes de publicar. A comunidade científica tem demorado um pouco a entender a diferença entre os critérios de prova que são adequados para demonstrar que um fenômeno ocorre e os critérios de precaução adequados para entender o risco. Eu não sei se os cientistas americanos fazem isso menos bem que cientistas em outras partes do mundo.

E claro que é cedo ainda para dizer se Trump vai cortar financiamento à ciência do clima, certo?

CF – A única coisa que dá para dizer sobre isso neste momento é que Trump fala um bocado sobre um setor de empreendedorismo vibrante e, se há alguma coisa muito clara na história, é que um setor empresarial vibrante depende de uma pesquisa e desenvolvimento vibrantes e isso, por sua vez, tem na ciência acadêmica uma componente-chave. Eu não posso dizer que tenha ouvido boas coisas a esse respeito de Trump durante a campanha, mas acho que são maciças as evidências de que devemos continuar a buscar um comprometimento grande, na verdade maior, à P&D se quisermos ter a liderança econômica de que ele tanto fala.

KM – O ponto é mover-se para além da questão de se os humanos estão causando as mudanças climáticas para não só existe o entendimento de que ela está acontecendo como nós conseguimos ver os impactos em tempo real. A agenda de P&D não toca mais na questão de se é real, mas do que podemos fazer a respeito.

CF – Acho que tudo se resume à questão: Como fazemos dinheiro no século 21? Se fizermos dinheiro fazendo painéis solares melhores ou veículos elétricos melhores, então a última coisa que você vai querer é dizer: “Vamos parar com isso, porque isso também ajuda o clima”. Precisamos ser espertos. Se tem uma coisa com a qual eu concordo com Trump é que nós precisamos ser espertos com as nossas escolhas.

As pessoas ontem estavam, “é só um presidente”, mas é também um Senado republicano, uma Câmara republicana e talvez uma Suprema Corte republicana.

CF – Tudo isso é verdade. Acho que o impacto que uma administração Trump pode ter sobre o clima, a saúde, é imenso. Uma coisa boa sobre os EUA é que nós temos um amplo conjunto de Estados e governos locais. Nos últimos anos a maioria dos projetos mais estimulantes no clima veio de Estados como Califórnia, Washington, Oregon, Nova Inglaterra. Eles estão dizendo muito sobre os EUA e o resto do mundo, e duvido que a administração Trump, mesmo se tentasse, poderia fazer muita coisa para suprimir as iniciativas locais

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