Área desmatada no Mato Grosso para expansão do agronegócio. Estado foi o "campeão" em alertas de desmatamento e degradação. (© Paulo Pereira/Greenpeace)

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Por que o governo não divulga os dados de emissão de carbono

O Terceiro Inventário nacional, que dá os dados de 2005, deveria ser um produto técnico, mas virou refém de decisão política

08.04.2016 - Atualizado 11.03.2024 às 08:27 |

TASSO AZEVEDO
MARINA PIATTO*

Daqui até o meio do ano, o país precisa publicar seu terceiro inventário de emissões de gases de efeito estufa, que dará a cifra oficial de nossas emissões até o ano de 2010 e também o número revisado de emissões do Brasil em 2005, ano do último levantamento do tipo disponível. Isso mesmo: a nossa conta oficial de emissões de carbono mais recente se refere a dez anos atrás.

O terceiro inventário foi finalizado ainda em 2014 e passou por consulta pública em janeiro de 2015. O documento aguarda publicação desde pelo menos agosto do ano passado.

Quem teve acesso à versão final conta que ele vai mostrar que as emissões em 2005 foram bem maiores do que sugeria o segundo inventário: saltaram de 2,2 bilhões para 2,7 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e). Isso colocaria o Brasil na terceira posição entre os maiores emissores globais em 2005, atrás apenas da China e dos EUA.

A diferença, apesar de enorme, pode ser explicada por evolução na metodologia de medição das emissões e remoções de gases de efeito estufa, especialmente no que se refere a desmatamento e captura de carbono pelas florestas remanescentes.

Apesar de já contar com os dados não publicados, o governo anunciou em setembro a proposta de compromissos para o Acordo de Paris com base nos dados antigos. A meta de reduzir as emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030 com relação a 2005 foi calculada com base nos dados ultrapassados do segundo inventário, o que daria uma emissão de 1,2 bilhão de toneladas de CO2 em 2030.

Considerando os novos números, o governo fica com duas opções: ou revisa a meta em termos absolutos, que passaria a 1,5 bilhão de toneladas em 2030 — ou seja, nenhuma redução em relação às emissões atuais –, ou revisa a meta proporcional, que passaria a ser de 55% de corte até 2030 em relação a 2005 em vez de 43%. E este parece ser um dos motivos pelos quais a publicação do inventário, que deveria ser um produto eminentemente técnico, virou refém de uma decisão política.

Comunicar emissões de forma ágil, atualizada e com a melhor informação científica disponível traria diversos ganhos para o Brasil. O mais imediato seria a aplicação de políticas de controle de poluição: hoje nossos inventários são olhares no retrovisor, descolados do ritmo da economia. Saber como elas evoluem ano a ano é importante para aplicar regulações e incentivos, proteger a população e gerar emprego e renda.

Outro ganho diz respeito aos nossos compromissos internacionais. Hoje o Brasil está desobrigado de revelar ao mundo quanto emite anualmente. Com a entrada em vigor do Acordo de Paris, que exigirá um mecanismo global de transparência, isso deverá mudar. Todas as nações serão obrigadas a reportar emissões e, quanto mais cedo estiverem prontas para isso, melhor.

Um terceiro ganho diz respeito ao próprio acesso a mercados de carbono e ao cumprimento das metas nacionais de corte de emissões. Hoje, por exemplo, o país não reporta quanto emite todos os anos por degradação de solos em pastagens. Cálculos feitos pelo Imaflora a partir dos dados do SEEG, o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima, sugerem que as emissões do setor agrícola seriam 25% maiores caso esses dados fossem computados. No entanto, esse mesmo setor tem potencial de emissões negativas – ou seja, de sequestro de carbono – caso as metas propostas de recuperação de pastagens sejam cumpridas. Por não contabilizar o quanto emite, o país não pode receber os benefícios de reduções de emissões.

Além disso, monitorar o que acontece no seu quintal é uma tradição no Brasil. Na década de 1980, fomos os pioneiros em estimar o desmatamento em florestas tropicais usando satélites. Nos anos 2000, o sistema Deter, do Inpe, permitiu que esse monitoramento ocorresse em tempo real. Na mesma década, surgiu o SAD, sistema do Imazon que ampliou a transparência do monitoramento – e foi fundamental para defender a credibilidade do sistema do Inpe contra ataques em 2008. A expressiva queda do desmatamento na Amazônia na ultima década deve muito aos sistemas de monitoramento.

Os dados do terceiro inventário são fundamentais para atualizar e balizar os esforços de monitoramento de emissões no Brasil. Sem eles praticamente todas as políticas públicas para redução de emissões perdem eficácia.

Ajustar as contas do clima é crucial para ajustar as contas com o clima. Além de evitar situações embaraçosas para o país no futuro.

* Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Planeta, da revista Época.

Tasso Azevedo é engenheiro florestal e coordenador do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa) do Observatório do Clima
Marina Piatto é agrônoma e coordenadora da Iniciativa de Clima e Agrupecuária do Imaflora

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