Ex-presidente Lula e Dilma Rousseff, à época ministra-chefe da Casa Civil, na cerimônia da primeira extração de óleo do pré-sal, em 2009. Foto: Ricardo Stuckert/PR

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Preço do óleo é ‘golpe’ em biocombustíveis

Fontes limpas para o transporte tornam-se menos competitivas e espantam investimentos, dizem analistas. Na eletricidade, por outro lado, mercado de renováveis deve permanecer estável

05.02.2016 - Atualizado 11.03.2024 às 08:27 |

CÍNTYA FEITOSA
DO OC

Se a geração de eletricidade renovável pouco deve se abalar pelo preço baixo do petróleo nos últimos meses, não se pode dizer o mesmo do setor de biocombustíveis. Analistas acreditam que, se o crescimento do mercado já era lento, agora mesmo é que deve estagnar. Notícia ruim também para o clima, já que os transportes respondem por 14% das emissões mundiais e 95% do abastecimento do setor vem de fontes fósseis, de acordo com o último relatório do IPCC, o painel do clima das Nações Unidas.

Com o valor muito baixo, estimula-se o consumo do combustível, em detrimento de fontes menos poluentes, como o etanol. “O preço do petróleo baixo é um golpe brutal contra os biocombustíveis. Eles não são competitivos”, diz Eduardo Viola, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Ele acredita que o acordo de Paris também fica na pior com os preços do petróleo, que tendem a permanecer em baixa. “A única solução seria taxar o carbono”, afirma, defendendo que a medida tornaria o combustível mais caro na ponta, privilegiando fontes limpas.

No Brasil a lógica se inverte um pouco, mas prolonga a falta de investimento estratégico nos biocombustíveis. É que, quando o barril de petróleo disparou para mais de US$ 140, na década passada, aqui dentro o governo subsidiou os preços da gasolina e do diesel, sob o argumento de manter a inflação sob controle. Isso prejudicou o etanol, que não conseguia competir na bomba com a gasolina, e desestimulou os proprietários de carros flex a abastecer com álcool. Agora, que o barril oscila na casa dos US$ 30, o governo faz justamente o contrário: mantém o valor alto, parte para compensar as perdas da época dos subsídios, parte para evitar que a Petrobras entre em uma crise ainda mais profunda do que a atual.

Além disso, o pré-sal virou uma pedra no sapato, uma vez que o valor do barril de petróleo deve ficar em torno de US$ 40 ou US$ 50 para que a extração valha a pena. “A tendência é que os preços continuem baixos”, diz José Goldemberg, professor da Universidade de São Paulo. “Além de ter mais países produzindo, o consumo de petróleo está caindo. O pré-sal fica inviável.”

De acordo com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), em 2015 o financiamento do banco para o setor de cana-de-açúcar caiu 60% em relação ao ano anterior. O valor, R$ 2,74 bilhões, só fica na frente do investimento em 2006, de R$ 1,98bilhão, e está bem atrás do montante de 2010, quando foram investidos R$ 7,6 bilhões. Mesmo assim, em 2015 o setor teve recorde de produção de etanol, segundo dados da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) – com uma ajuda dos preços do açúcar, que também caíram, tornando a produção do combustível mais vantajosa.

“O governo protegeu a gasolina durante muito tempo, prejudicando a produção de etanol. Vemos uma morte lenta do setor”, diz Ricardo Baitelo, diretor da campanha de energia do Greenpeace. Com um aumento geral no preço dos combustíveis no começo deste ano, em uma mudança de tributação, a gasolina permanece mais vantajosa para o consumidor final. No resto do mundo, entre 2005 e 2010 houve aumento de 21% no consumo de biocombustíveis, de acordo com a AIE (Agencia Internacional de Energia), enquanto de 2010 a 2013 o setor cresceu apenas 8% e se estabilizou.

Para Larissa Basso, pesquisadora da UnB, mesmo que a um ritmo lento, o consumo interno pode ter estímulo, uma vez que os preços da gasolina estão em aumento constante e o petróleo não tem se mostrado um bom investimento no país.

“Pode ser que a alta dos preços da gasolina faça o etanol voltar a valer a pena, e os investimentos também devem aumentar”, diz. Ela defende que a crise deveria servir para um planejamento mais robusto no setor, e não em curto prazo. Mas não acredita que a mudança será motivada pela agenda climática. “Se o governo tivesse compromisso com o clima, injetaria recursos no setor. Mas, quando tem interferência, o que pesa são os objetivos macroeconômicos de curto prazo.”

Eletricidade

A geração de eletricidade por energias renováveis, por sua vez, não deve sofrer um choque muito grande com os preços de petróleo, como seria de esperar dez anos atrás. O mercado de energia solar e eólica já está consolidado e depende menos de subsídios. A maior expansão do parque elétrico renovável foi na China, que em 2015 registrou um aumento de mais de 30% na capacidade instalada, de acordo com a CPIA (Associação da Indústria Fotovoltaica chinesa), chegando a 43 gigawatts – possivelmente ficando à frente da Alemanha e tornando-se o maior país em energia solar no mundo.

Nos Estados Unidos, o uso de carvão em 2015 caiu para 34% da matriz, de acordo com a organização Energia Sustentável na América. É o menor nível desde 1949, quando começaram os registros. O resultado se deve à política energética do governo Obama, possibilitada pela revolução do gás de folhelho – que baixou tanto de preço que tornou-se um concorrente do carvão na geração de eletricidade, derrubando o preço do próprio carvão. De acordo com a organização, as emissões de gases de efeito estufa no setor de energia caíram 18% em 2015 em relação aos níveis de 2005.

“Não é só a questão do clima que interfere nesta mudança”, diz Larissa Basso, referindo-se principalmente à China, onde a poluição das indústrias tornou-se um grave caso de saúde pública e há necessidade de diversificação da economia, para manter o crescimento. “Mas o fato de os investidores permanecerem no setor é positivo para o seu crescimento e ganho em tecnologia.”

Assim como no resto do mundo, os preços do petróleo não causarão grande impacto na geração de eletricidade por fontes renováveis no Brasil. De acordo com os dados mais recentes da EPE (Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao governo federal), a oferta de energia eólica quase dobrou de 2013 para 2014, e a solar triplicou – de tímidos 5 megawatts para 15 megawatts. No entanto, a geração elétrica a partir de fontes não-renováveis foi de  26,9% em 2014, contra 23,3% em 2013

Houve ainda uma retração no ritmo de instalação e capacidade contratada em 2015. Segundo Ricardo Baitelo, o preço do petróleo não deve estimular o aumento do uso de usinas térmicas para geração de energia, já que o fator determinante do uso das térmicas é a chuva nos reservatórios das hidrelétricas, que está sendo mais abundante este ano. Mas o Brasil não pode dar um passo atrás nas renováveis. Ele atribui parte da queda ao valor do dólar, já que grande parte da tecnologia vem de fora. “A retração na instalação e a própria meta do Brasil na conferência do clima dão um sinal amarelo para as renováveis”, diz. O país se comprometeu a aumentar a participação de energia não-hídrica de 28% a 33% até 2030.

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