A senadora Kátia Abreu (PP-TO), autora dos dois projetos, o aprovado e o desaparecido, que mudam a meta de clima (Edilson Rodrigues/Agência Senado)

#PRESS RELEASE

Senado cria retrocesso na meta de clima às vésperas da COP26

Projeto aprovado às pressas e encaminhado para a Câmara elimina redução absoluta e condiciona meta a “projeção” de emissões do país a ser feita por decreto de Jair Bolsonaro

22.10.2021 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

O Senado aprovou em tempo recorde, na última quarta-feira (20), um projeto de lei que cria um retrocesso na política de clima do país, condicionando a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) a uma “projeção” de emissões que será definida em decreto de Jair Bolsonaro. O texto aprovado some com um projeto anterior, mais avançado, que havia sido apresentado em abril. E, às vésperas da COP26, deixa nas mãos do negacionista climático mais perigoso do planeta a tarefa impositiva de recalcular as promessas de clima do país.

O PL 1.539, de autoria da senadora Kátia Abreu (PP-TO), altera um dos artigos da lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima, a PNMC (Lei 12.187/2009). O texto tem duas versões: uma de 27 de abril, que foi protocolada na Mesa do Senado e deu origem ao texto aprovado nesta semana (relatado por Marcelo Castro, do MDB do Piauí), e uma de 28 de abril, publicada apenas no Diário do Senado e misteriosamente desaparecida da tramitação.

A versão de 28 de abril trazia avanços em relação à NDC apresentada à ONU em dezembro pelo governo: ela antecipava para 2025 a meta de redução de emissões em relação a 2005 estipulada para 2030 (43%); estabelecia a data de 2025 para zerar o desmatamento ilegal; e punha um teto de 1,2 bilhão de toneladas nas emissões em 2025 a despeito de qualquer mudança na metodologia que altere as emissões no ano-base. Isso eliminaria a possibilidade de “pedalada”, que foi o que o governo fez ao atualizar a base de cálculo do ano de 2005 (de 2,1 bilhões de toneladas para 2,8 bilhões) sem ajustar os percentuais de redução em relação à NDC original, de 2015 —dando ao Brasil um passe livre para emitir até 400 milhões de toneladas de CO2 a mais que o seu compromisso prévio. Mas nada dizia sobre metas para 2030.

A versão do texto que foi a votação, porém, tem ao menos quatro problemas sérios e retrocede até mesmo em relação à NDC atualizada em dezembro passado pelo nada saudoso Ricardo Salles, que introduziu a “pedalada” de carbono.

O primeiro deles é que o PL aprovado e mandado para a Câmara fala em reduzir as “emissões projetadas” do país (em 43% em 2025 e 50% em 2030). Só que desde 2015 o Brasil não calcula metas em relação a “emissões projetadas”, e sim de forma absoluta em relação a um ano-base. “Emissões projetadas” foram a base para a primeira versão da PNMC, de 2009, que estipulou um cenário inflado e irreal de emissões para 2020 e se comprometeu a cortar 36,8% a 38,9% em relação ao que fora projetado nesse cenário. A NDC do Brasil de 2015 acabou com isso: fixou 2005 como ano-base e determinou cortes absolutos a partir do que era emitido naquele ano.

O segundo problema sério é que tanto a projeção das emissões quanto o detalhamento das ações para alcançar a meta ficarão a cargo de um decreto presidencial a ser editado. Você entendeu certo: Jair Messias Bolsonaro projetará as emissões do Brasil e detalhará as medidas para reduzi-las. A imaginação do presidente irá substituir um número de referência.

O terceiro problema sério é que a antecipação do desmatamento ilegal zero para 2025, que Kátia Abreu alegou ser sua grande preocupação quando propôs o projeto — após Bolsonaro ter prometido fazê-lo em 2030 — também evaporou do texto, que se limita ao truísmo de dizer que os cortes de emissões propostos terão “ênfase” na eliminação do desmatamento ilegal nos termos do Código Florestal.

O quarto problema sério é que a lei cria uma situação paradoxal: a partir do momento em que ela for promulgada, o país passa a ter duas NDCs, e, ao mesmo tempo, nenhuma. Ficaremos com a meta atual, internacional, depositada junto à Convenção do Clima da ONU, (37% em 2025 e 43% em 2030), e a nova, nacional (43% em 2025 e 50% em 2030), ainda sem regulamentação e sequer sem uma base de cálculo, à espera da canetada de Bolsonaro.

É urgente retirar essa sandice de pauta antes que o trator de Arthur Lira (PP-AL) a aprove, dando a Bolsonaro a desculpa perfeita para reduzir ainda mais a pífia ambição climática do Brasil e criando um constrangimento extra para o país, que já chega à conferência de Glasgow na semana que vem na condição de pária ambiental mundial.

REAÇÕES:

“Esse projeto de lei traz uma falsa impressão de aumento de ambição, mas na verdade, abre margem para manobras deste governo para aumentar nossas emissões de gases de efeito estufa às vésperas da COP26. Por decreto, o governo pode inflar as projeções de 2025, trazendo premissas exageradas para dar margem para os emissores.” Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil.

“Neste momento desastroso da política ambiental brasileira, muito faz quem não atrapalha. Se o Congresso aprovar este PL tal como se encontra, tudo o que já está ruim pode piorar. O PL cairia como uma bomba em plena conferência de clima, afetando ainda mais a imagem do país. De quebra, dão a Bolsonaro a desculpa perfeita para retroagir nas metas climáticas.” Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

“O PL para mudança da Política Nacional sobre Mudanças Climáticas não estabelece o cálculo para alcançar a meta acordada para 2025 e deixa a sociedade confusa sobre a real efetividade e intenção da meta aprovada. Em meio a um desgoverno do meio ambiente, o PL é no mínimo suspeito.” Fabiana Alves, coordenadora de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil.

“O PL está desalinhado com o Acordo de Paris, na forma e no conteúdo. Não amplia a ambição climática do Brasil e confunde as mensagens para a COP26. O Brasil pode reduzir entre 66% e 82% as emissões até 2030, e ainda crescer e se desenvolver, conforme estudos recentes.” Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.

“Se a intenção do Senado parecia boa, a pressa em alterar o projeto de lei em plenário e os interesses envolvidos parecem ter levado a erros que o tornaram uma via aberta para retrocessos nas metas climáticas. O Acordo de Paris estabelece que os países devem garantir a progressividade de suas metas e o texto aprovado faz o inverso: retroage as metas brasileiras. Se não for corrigido na Câmara, o Congresso Nacional fará o Brasil passar um vexame ainda maior na Conferência do Clima.” Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental  

“O projeto de lei deveria apresentar metas mais ambiciosas para o Brasil, especialmente no que se refere à restauração florestal e à contenção do desmatamento. A emergência climática exige compromissos efetivos do Governo e da sociedade com políticas públicas de meio ambiente.” Malu Ribeiro, Fundação SOS Mata Atlântica

“Estipular metas sobre projeções a serem feitas por decreto sem parâmetro objetivo conhecido é mais ou menos o mesmo que dobrar a meta sem ter meta. A meta fica por conta da caneta de plantão!” André Lima, Instituto Democracia e Sustentabilidade

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Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 70 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. Desde 2013 o OC publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil.

 

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