Trio responsável pela revogação do decreto do zoneamento ambiental da cana-de-açúcar. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

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Fim do zoneamento da cana-de-açúcar é crime de lesa-pátria

Governo Bolsonaro extingue o zoneamento ambiental da cana-de-açúcar para a Amazônia e Pantanal e ameaça drasticamente estes biomas.

13.11.2019 - Atualizado 11.03.2024 às 08:29 |

LUCAS FERRANTE
ESPECIAL PARA OECO

Nesta quarta-feira, dia 06 de novembro de 2019, o presidente Bolsonaro e os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Tereza Cristina, da Agricultura, assinaram em conjunto um decreto que extingue o zoneamento ambiental da cana-de-açúcar para a Amazônia e Pantanal. Esta medida ameaça drasticamente estes biomas, afetando a biodiversidade e serviços ecossistêmicos, com impacto que se estende a outras áreas do país.

Em 2018, o Senado havia cogitado revogar o decreto de 2009 que estabelecia o zoneamento de cana-de-açúcar, sendo questionado até mesmo pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), o representante do setor sucroalcooleiro. Para evitar este impacto, eu e o pesquisador Philip Fearnside, ganhador do prêmio Nobel da Paz, publicamos um artigo na revista Science – a revista com maior impacto científico no mundo – sobre as consequências desastrosas que a liberação da cana traria para a Amazônia. Divulgamos o artigo entre os senadores, que pautaram contra a liberação do cultivo em 2018. A proposta acabou sendo arquivada.

O presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar, Evandro Gussi, publicou uma nota recente no site da ÚNICA, apoiando a revogação do decreto, sem nenhum respaldo científico e ignorando todas as pesquisas sobre o tema. Segundo Gussi, não seria mais necessário o zoneamento ambiental para cana-de-açúcar na Amazônia e Pantanal, sob a justificativa que a Renovabio – a nova Política de Biocombustíveis aprovada em 2017 – seria suficiente para mitigar estes impactos, o que claramente é uma afirmação fantasiosa e delirante.

Essa afirmação é o contrário do que a ciência tem mostrado, uma vez que em 2018 a carta publicada na revista Science e com revisão de outros cientistas experts do assunto, levanta todos os impactos que a liberação do plantio de cana-de-açúcar terá nestes biomas sobre biodiversidade e serviços ecossistêmicos, mas também sobre o abastecimento humano e a própria agricultura das regiões Sul e Sudeste do país pelo colapso dos serviços ambientais da Amazônia.

 Trio responsável pela revogação. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil.

Definitivamente, como publicado na revista Science, que é posterior a aprovação do Renovabio, fica claro através das evidências científicas apresentadas que a cana-de-açúcar na Amazônia e Pantanal irá gerar impactos sem precedentes. Se essa liberação não for revogada, para o bem do setor, de forma alguma podemos considerar que os biocombustíveis brasileiros são “limpos” e não estejam associados a uma cadeia de desmatamento e degradação ambiental da Amazônia. Além disso, este é mais um entrave para o Brasil frente ao Acordo de Paris, que visa mitigar as mudanças climáticas. Desta forma, países da União Europeia que em 2018 importaram aproximadamente 43 milhões de litros de etanol devem reavaliar as importações do produto brasileiro pelo impacto ambiental que sua produção terá sobre o clima global, já que o setor avançará e contribuirá com a destruição da Floresta Amazônica.

Para mostrar como são graves os impactos da permissão de cana-de-açúcar no Pantanal e na Amazônia e as consequências para a própria agricultura brasileira, segue em português e com referências bibliográficas a carta publicada na revista Science em 2018, posterior a criação da Renovabio.

Cana-de-Açúcar da Amazônia: Uma Ameaça à Floresta

Lucas Ferrante & Philip Martin Fearnside

A vegetação da Amazônia varia de florestas densas a áreas de savana, e as florestas da região e sua biodiversidade são vulneráveis ao avanço contínuo das mudanças no uso da terra para agricultura e pecuária (2). No Brasil, o cultivo de cana-de-açúcar é atualmente proibido nos Biomas do Pantanal e Amazônia (3). A cana-de-açúcar está entre as culturas com os maiores aumentos de produção na última década, e o Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura-FAO (4).

As plantações de cana estão projetadas para aumentar devido à demanda por biocombustíveis (5). Já têm demonstrado que as plantações de cana-de-açúcar ameaçam a biodiversidade, com seus efeitos se estendendo além das áreas cultivadas até as florestas adjacentes (6).

O Senado Federal agendou uma decisão para 2018 sobre um projeto de lei que propõe a abertura da região amazônica à cana-de-açúcar (7).

Essa cultura seria supostamente plantada em áreas degradadas, em pastagens naturais da Amazônia e nos “hotspots” de biodiversidade no Cerrado. Devido aos possíveis efeitos catastróficos sobre a floresta amazônica e sobre a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos da América do Sul e a produtividade agrícola do Brasil, instamos o Senado a não aprovar esse projeto.

A ameaça da cana-de-açúcar é apenas uma das muitas causas de destruição da Amazônia (5). As florestas amazônicas desempenham um papel importante no clima da América do Sul, com contribuições substanciais de precipitação para a agricultura no sudeste do Brasil (8–9). Em médio e longo prazo, a perda florestal ameaçaria a própria produção agrícola e de biocombustíveis do Brasil, sendo a área com maior produção agrícola localizada no sul e sudeste do País (10), que depende do vapor de água da região amazônica (8–9).

Os tomadores de decisão políticos e as instituições nacionais e internacionais que financiam grandes empresas agrícolas não devem ser enganados pelo doce sabor de uma nova fronteira agrícola a ser explorada. Eles devem ser orientados pela necessidade de evitar a perda da biodiversidade da Amazônia, do patrimônio genético e dos valiosos serviços ecossistêmicos, incluindo a regulamentação climática para a área com a maior população e produção agrícola da América do Sul (10–11).

Notas:

  1. Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2018. Amazon sugarcane: A threat to the forest; Sciencemag.
  2. P. M. Fearnside, in Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science, H. Shugart, Ed. (Oxford University Press, New York, 2017).
  3. Brasil, Presidência da República, Decreto Nº 6.961, DE (17 de setembro de 2009).
  4. Food and Agriculture Organization of the United Nations, Commodities by Country(2018).
  5. P. M. Fearnside, in Biofuels and Neotropical Forests: Trends, Implications, and Emerging Alternatives, E.J. Garen, J. Mateo-Vega, Eds., (Environmental Leadership & Training Initiative, Yale University, New Haven, CT, 2009), p. 29–36.
  6. L. Ferrante et al., J. Biogeogr.44, 1911 (2017).
  7. Brasil, Senado Federal, Projeto de Lei do Senado N° 626 (2011).
  8. P. M. Fearnside. Ciênc. Hoje.34, 63 (2004).
  9. D. C. Zemp et alAtmosp. Chem. Phys.14, 13337 (2014).
  10. IBGE, Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (2018).
  11. IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Estimativas da população residente para os municípios e para as unidades da federação brasileiros com data de referência em 1º de julho de 2017 (2017).

Esta reportagem foi publicada originalmente por Oeco e reproduzida pelo OC por meio de uma parceria de conteúdo.

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