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Nossas expectativas para a COP24

Conferência de Katowice começa com Brasil na berlinda e necessidade de entregar um pacote de ações consistente com os achados mais recentes da ciência

01.12.2018 - Atualizado 11.03.2024 às 08:28 |

KATOWICE, 01 DE DEZEMBRO DE 2018 – A 24a Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas, a COP24, começa neste domingo (2) em Katowice, Polônia, com um duplo desafio: do ponto de vista formal, os negociadores de 195 países e da União Europeia precisam concluir o chamado “livro de regras” ou “manual de operações” do Acordo de Paris, que determinará, entre outras coisas, a maneira como as metas nacionais de mitigação e adaptação à mudança do clima, as NDCs, serão cumpridas e averiguadas. Do ponto de vista prático, Katowice precisa obter das partes um compromisso de que as NDCs hoje na mesa terão suas metas revisadas no sentido de maior ambição já em 2020, de forma a evitar a catástrofe climática.

A conferência de clima da Polônia será a primeira realizada após a publicação do SR15, o Relatório Especial sobre Aquecimento Global de 1,5oC do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Encomendado pela Convenção do Clima em 2015, o documento avaliou os impactos e as trajetórias de emissão de gás de efeito estufa (GEE) consistentes com a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris. Os cientistas concluíram que, se quisermos evitar que o aquecimento da Terra ultrapasse 1,5oC antes do meio do século, será preciso cortar as emissões globais em 45% até 2030. Isso significa, segundo o relatório “Emissions Gap”, da ONU, lançado no último dia 27, quintuplicar os esforços atuais de redução de emissões de gases de efeito estufa.

O Diálogo Talanoa, processo iniciado em 2018 para orientar os países no sentido de ampliar a ação climática e que terá sua etapa política nesta COP, apresenta-se como oportunidade para os países darem indicações concretas de que irão ajustar as NDCs originalmente propostas para revisá-las conforme o nível de ambição recomendado pela ciência. Deixar de revisá-las significará perder a chance de alcançar o objetivo de 1,5oC – e possivelmente também de limitar o aquecimento em menos de 2oC, como acordado em Paris.

O Brasil chega à COP24 num momento político singular e sob atenção de toda a comunidade internacional. Em 2018, a taxa de desmatamento na Amazônia atingiu seu maior patamar em uma década, e os primeiros meses de medição da série de 2019 indicam que a tendência é de nova alta.

O governo que toma posse em janeiro mandou um recado extremamente negativo ao mundo às vésperas do início da conferência de Katowice, ao negar-se a realizar a COP25 no país sob a alegação infundada de ameaça à soberania. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, e seu chanceler, Ernesto Araújo, têm indicado que a temática do desenvolvimento sustentável será não apenas minimizada, mas ativamente combatida no novo governo. São preocupantes os sinais de que o Brasil, berço da Convenção do Clima das Nações Unidas, pode abandonar o Acordo de Paris, seja de direito – denunciando o tratado, a exemplo dos Estados Unidos –, seja de fato – abandonando os esforços para cumprir sua NDC.

Veja aqui o que o Observatório do Clima espera da COP24:

O QUE KATOWICE PRECISA ENTREGAR:
  • Um compromisso de considerar o ajuste das NDCs em 2020: o relatório do IPCC mostrou que as ações dos países não podem mais andar em descompasso com as descobertas e recomendações da ciência. A COP24 precisa indicar ações aos países para atualizar e reapresentar as NDCs, com base nas conclusões do relatório SR15, do IPCC, e das informações e orientações do Diálogo Talanoa.
  • A conclusão da parte mais substantiva do “manual de operações” do Acordo de Paris, que inclua, entre outros itens: a) o mecanismo de transparência que permita a verificação do cumprimento das NDCs; b) um mecanismo de ambição, com normas para o chamado “Global Stocktake”, pelo qual as NDCs sejam revisitadas e ampliadas a cada cinco anos; c) a integração do mecanismo de perdas e danos ao mecanismo de ambição.
  • Um compromisso dos países com a ampliação do financiamento climático, com: a) o reconhecimento da liderança das nações desenvolvidas; b) uma ampliação dos aportes atuais de financiamento público de forma a atingir e exceder a meta acordada em Paris de US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020; c) um compromisso dos países ricos de dobrar as contribuições ao Fundo Verde do Clima[1] em comparação com sua dotação inicial; d) acordo sobre uma data para o início da discussão do financiamento climático pós-2025.
EM KATOWICE, OS NEGOCIADORES BRASILEIROS DEVERIAM:
  • Defender a proposta de common timeframes: o Brasil tem sido o principal defensor de que todas as NDCs tenham cinco anos de duração e sejam revisadas a cada cinco anos (o chamado 5 +5). Isso torna as metas mais flexíveis a revisões e ajustes, em comparação com metas de dez anos (atualmente adotadas pela maioria dos países). No entanto, o Brasil tem dado sinais de que insistirá menos nessa proposta na COP24, o que é preocupante, dada a urgência em tornar as NDCs compatíveis com as recomendações da ciência.
  • Evitar contagem dupla de reduções de emissão no Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável: o Brasil tem defendido que o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável, previsto no artigo 6o do Acordo de Paris e pelo qual países, empresas e governos locais possam se engajar na compra e venda de créditos de carbono, seja utilizável apenas para reduções de emissão adicionais às NDCs. Para que isso aconteça, é preciso que o “livro de regras” traga instruções claras sobre ajustes correspondentes (corresponding adjustments) nas ações de mitigação transferidas internacionalmente (ITMOs). Isso evitaria que o vendedor e o comprador usassem o mesmo crédito para cumprir as próprias metas.
  • Evitar créditos problemáticos no MDS: o Brasil tem defendido que os créditos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto[2] sejam transferidos integralmente para o Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável de Paris. Como vários projetos de MDL não têm adicionalidade e há uma grande quantidade de créditos já concedidos, isso poderia aviltar o preço do carbono, tornando o MDS menos atraente.
EM BRASÍLIA, O GOVERNO ELEITO DEVERIA:
  • Reafirmar o compromisso do Brasil com o sistema multilateral, mandando um sinal claro à comunidade internacional de que está comprometido com a permanência do Brasil no Acordo de Paris e com o cumprimento da sua NDC.
  • Indicar claramente que pretende continuar e ampliar as políticas de combate ao desmatamento, de criação de áreas protegidas e de demarcação de terras indígenas.
  • Indicar claramente que pretende manter e ampliar as políticas de crédito agrícola para agricultura de baixa emissão de carbono e priorizar investimentos em bioenergia, energia solar e eólica.
  • Comprometer-se com políticas públicas baseadas em evidências científicas e não em ideologias.

Equipe do OC em Katowice:

Carlos Rittl – secretário-executivo
[email protected]

André Ferretti – coordenador-geral
[email protected]

Mark Lutes – assessor-sênior de Política de Clima do WWF
[email protected]

Claudio Angelo – coordenador de Comunicação
[email protected]
+5561 99825-4783 (WhatsApp)

[1] Criado em 2010, na conferência de Cancún (COP16), trata-se do principal fundo de financiamento a ações climáticas no mundo.

[2] Ou MDL; trata-se de um mecanismo previsto no primeiro acordo do clima, o Protocolo de Kyoto, de 1997, pelo qual atividades que reduzissem emissões em países em desenvolvimento poderiam gerar “créditos de poluição” comercializáveis a serem abatidos de metas de países desenvolvidos.

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