Manifestação contra o leilão realizado no Rio de Janeiro (Divulgação/Instituto Arayara)

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194 blocos de combustíveis fósseis foram arrematados em leilões do Brasil

Empresa aberta em agosto adquiriu 122 unidades em três bacias; Área de Fernando de Noronha não recebeu lances

13.12.2023 - Atualizado 14.03.2024 às 10:20 |

DO OC – Nesta quarta-feira (13), poucas horas depois de a 28° conferência do clima (COP28) publicar o texto do Balanço Global no qual convoca os países a “fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis”, o Brasil deu início a um megaleilão para ofertar 603 blocos de norte a sul no 4° Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC). 193, 32% do total, foram arrematados para a exploração de gás e petróleo. Na parte da tarde, um dos cinco blocos oferecidos no pré-sal em regime de partilha foi arrematado pela BP Energy.

63,2% dos 193 blocos adquiridos na OPC, o que equivale a 122, foram para as mãos de apenas uma empresa, a mineira Elysian. A organização com apenas um sócio, Ernani Machado, ainda sem funcionários e com CNPJ aberto em agosto, adquiriu unidades em terra nas bacias Potiguar, Espírito Santo e Sergipe-Alagoas. Machado é sócio de duas empresas de programa de informática, a JMM Tech e a J.M.M Tech. Foi sócio de uma exportadora e importadora de alimentos e minerais, a Trade JMM, que está com o CNPJ inapto desde 2019 por omissão de declarações.

O fato de uma empresa iniciante ter arrematado tantos blocos tem deixado ambientalistas preocupados. “Questionamos a habilidade dessa empresa para fazer um licenciamento ambiental adequado e ter um cuidado responsável com os territórios. Nos preocupamos com algum tipo de acidente ou problema ambiental. Qual será a capacidade dessa empresa para operar os danos causados?”, comenta Nicole Figueiredo, diretora-executiva do Instituto Arayara.

Por outro lado, Figueiredo lembra que a litigância ambiental teve alguma vitória. O Instituto Arayara havia movido ações judiciais contra a inclusão de 77 blocos com sensibilidades ambientais no leilão. Apenas quatro dos citados nas ações foram arrematados, sendo três na bacia Amazonas e um da bacia Paraná. “Foi uma taxa de sucesso na litigância ambiental, o que mostra que os investidores não querem insegurança jurídica”, diz Nicole Figueiredo.

Os onze blocos da Cadeia Submarina de Fernando de Noronha, na bacia marítima Potiguar, estão entre os que escaparam de lances. “O mercado disse não a Noronha no ‘leilão do fim do mundo’, mas foram adquiridas áreas que mereciam mais estudos socioambientais prévios”, ressalta Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.

Para Suely Araújo, independente do resultado do leilão, há uma constatação clara sobre o Brasil: o governo optou pela intensificação da produção de petróleo em plena crise climática. “Temos de fazer uma opção como país e a decisão é urgente: queremos ser uma potência climática ou um petroestado poderoso? Os dois papéis são antagônicos, ainda mais em um país que pode gerar renda e justiça social apoiando-se na descarbonização e na transformação ecológica”, diz. 

O leilão realizado no Rio de Janeiro foi aberto com um discurso controverso do diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), Rodolfo Saboia. Além de afirmar que não há contradição entre a transição energética e o oferecimento de novas áreas para explorar fósseis no Brasil, Saboia disse que uma eventual paralisação de petróleo no Brasil não contribuiria para a redução de emissões. O Brasil é o 9° maior produtor de petróleo do mundo, logo, a declaração de Saboia sobre as emissões de gases que intensificam o aquecimento global é enganosa. 

Os lances tiveram início com a área de acumulação marginal Japiim, localizada em terra na bacia do Amazonas. O Campo de Japiim foi descoberto em 2001 e teve uma declaração de comercialidade em 2004. Foi adquirido pela Petrobras, mas devolvido à ANP. A Manifestação Conjunta publicada em 2022 que colocou o Japiim novamente como apto para ser leiloado aponta que o campo está em uma área isolada, em meio à floresta amazônica, próximo ao campo Azulão, onde a empresa Eneva já tem infraestrutura para exploração de gás natural. Foi a brasileira Eneva, em consórcio com a ATEM, quem adquiriu o Japiim na rodada desta quarta-feira.

O leilão seguiu com as ofertas dos blocos em mar localizados na bacia de Pelotas. De um total de 165, 44 foram arrematados. A Petrobras vai operar 26 só com a britânica Shell e três em consórcio com a Shell e a Corporação Nacional de Petróleo Offshore da China (CNOOC). Já a americana Chevron arrematou sozinha 15 blocos. Em Pelotas, foram adquiridos blocos que estão em áreas de recursos não-convencionais, o que significa que a extração do combustível deve ser feita por meio de fraturamento hidráulico (fracking), uma técnica mais poluente. Blocos arrematados em terra nas bacias do Paraná, Recôncavo, Sergipe-Alagoas, Potiguar e Amazonas também estão sobrepostos a áreas de fracking.

O leilão do OPC terminou depois das 14 horas e teve blocos arrematados em todas as nove bacias oferecidas. A área total arrematada foi de 47,2 mil km2, o total de bônus ofertado alcançou R$ 421,8 milhões e a previsão de investimento mínimo na fase de exploração deverá ultrapassar R$ 2 bilhões. 15 empresas levaram ao menos um bloco. A rodada foi acompanhada por ambientalistas que protestavam na frente do hotel onde ocorreu o leilão.

Depois, a ANP retornou para realizar o 2° Ciclo da Oferta Permanente de Partilha, no qual a BP Energy arrematou um bloco na bacia de Santos, do pré-sal, com uma área de 3 mil km2. O bônus ofertado foi de R$ 7 milhões e a previsão de investimento mínimo para a exploração é de R$ 360 milhões.  

Segundo Ricardo Baitelo, gerente de projetos do IEMA e coordenador da Coalizão Energia Limpa, independente do resultado do leilão em volume de contratação, o sinal de oferecer um volume recorde de blocos mostra uma grande desconexão do Brasil com a urgência de descontinuar o uso de combustíveis fósseis. “A contribuição brasileira nas negociações [climáticas] para pressionar para o financiamento da transição [energética] do Sul global não pode ser dissociada do compromisso em parar de ampliar a estrutura de exploração e uso de combustíveis fósseis, tanto para uso doméstico quanto internacional”, comenta. (PRISCILA PACHECO)



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