Hub Africano, montado no Egito para delegados do continente acompanharem a negociação virtual (Foto: Flickr/UNFCCC)

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Após três semanas, reunião de clima termina marcando reunião

Com incertezas sobre vacina e conferência presencial na Escócia em novembro, britânicos encerram encontro virtual propondo conversa entre ministros para destravar negociação

18.06.2021 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

DO OC – Nada poderia ser mais emblemático da primeira negociação virtual de mudanças climáticas da história do que a maneira como ela terminou nesta quinta-feira (17): dando pau.

Na manhã de quinta, após a plenária final do encontro, uma entrevista coletiva de encerramento realizada pela Convenção do Clima das Nações Unidas trouxe a secretária-executiva do órgão, a mexicana Patricia Espinosa, e o ministro do Meio Ambiente do Reino Unido, Alok Sharma, para resumir as três semanas de negociações informais.

Sharma é o presidente da COP26, a conferência do clima que os britânicos querem realizar de qualquer forma a partir de 31 de outubro em Glasgow, Escócia, e tinha muito a dizer ali. Mas a transmissão congelou quando o moderador lhe passou a palavra, e o que se ouviu nos três minutos seguintes foi um diálogo que diplomatas, observadores e jornalistas escutaram muitas vezes durante aquela negociação:

“Parece haver um problema técnico…”

“Excelência, o sr. consegue nos ouvir?”

“A conexão não está muito boa, então vamos tentar sem câmera.”

E o clássico “você está no mudo”, seguido de uma orientação de Espinosa: “Alok, você desligou a câmera? Você está congelado.” Até Sharma capitular e passar o resto da coletiva apenas com voz, porque “a coisa da internet não está funcionando”.

A “coisa da internet” acabou sendo o grande tema de fundo de uma reunião que tinha coisas bem mais urgentes para tratar. A sessão preparatória para a COP26 precisava produzir consensos entre 196 países sobre alguns assuntos que precisam ser resolvidos em Glasgow para que o Acordo de Paris possa operar sem solavancos. As conversas giraram em torno da regulamentação do mercado de carbono (o chamado artigo 6 do acordo do clima), de financiamento climático, de perdas e danos causados aos países pobres pelas mudanças do clima já em curso e de adaptação.

Como a reunião era virtual por causa da pandemia, combinou-se que as três semanas de conversa seriam “informais”, ou seja, não produziriam um texto a ser lapidado na COP, mas sim um conjunto de entendimentos a serem formalizados em algum momento no segundo semestre. Mas a “coisa da internet” não ajudou, virtualmente enterrando a esperança dos britânicos de que a conferência de Glasgow pudesse ser realizada também de forma virtual.

“A grande lição desse encontro é sobre a inviabilidade de uma negociação on-line”, disse Stela Herschmann, especialista em Política de Clima do Observatório do Clima, que acompanhou a negociação. “Vários representantes, mas principalmente dos países em desenvolvimento, tiveram problemas tecnológicos, de conexão e de qualidade de áudio. Até mesmo cofacilitadores enfrentaram dificuldades em algumas sessões. Isso sem falar na dificuldade de acompanhar diferentes fusos horários; países também relataram dificuldade de se articular entre eles.”

Avanço nos temas, que é bom, quase não houve. Os países passaram a maior parte do tempo on-line reafirmando suas as posições de praxe que acabaram refletidas numa série de “notas informais”. O que levou a reunião a produzir seu único resultado concreto: marcar outra reunião. Em julho, ministros de vários países deverão se reunir em Londres para destravar as negociações críticas e talvez produzir um documento que possa ser trabalhado em Glasgow. O representante brasileiro, registre-se, será Ricardo Salles, enrolado na Justiça. Se ele ainda tiver passaporte em julho.

“A melhor chance que nós temos de assegurar uma resolução em Glasgow é uma discussão franca, amigável e focada entre ministros antes de irmos para lá. Em julho o Reino Unido está organizando uma reunião ministerial, trazendo um grupo representativo para rascunhar o resultado equilibrado de Glasgow”, disse Sharma na coletiva.

Quem participou da malfadada conferência de Copenhague, em 2009, há de se lembrar de que a tentativa da presidência dinamarquesa de produzir um “resultado equilibrado” com um “grupo representativo” de países – representativo segundo o conceito da presidência – causou o bafafá político que acabou fazendo a cúpula naufragar.

O temor de falta de inclusão por parte dos países em desenvolvimento e das ONGs que observam o processo também escorrega para o elefante na sala de Glasgow: a vacinação. Sharma fez questão de dizer em mais de uma ocasião que o governo britânico pretende fazer uma COP presencial, mas em que condições sanitárias? Em diversos momentos nas últimas semanas, negociadores e ambientalistas de países em desenvolvimento – em especial os africanos – manifestaram o temor de que a falta de vacina impedisse uma participação efetiva dessas nações e que Glasgow terminasse espelhando na própria realização as desigualdades entre Norte e Sul que contaminam desde 1995 as conferências de clima.

Um representante da Oxfam no Quênia na semana passada criticou o “vírus da desigualdade” e afirmou que os países desenvolvidos precisam quebrar patentes e massificar a vacinação nos países mais pobres. “O G7 já aplicou 524 milhões de doses. O continente africano inteiro, com 1,3 bilhão de pessoas, aplicou 24 milhões. O Reino Unido deu duas vezes mais vacinas que todo o continente africano.

O Reino Unido botou uma carta controversa na mesa: Sharma anunciou a intenção de seu país de distribuir vacinas “a todos os delegados credenciados pela ONU que não puderem obtê-las de outra forma”. Se a afirmação parece vaga é porque é mesmo: o presidente da COP26 não detalhou como a distribuição será feita, nem se quem se vacinou com vacinas que hoje não são reconhecidas como imunizantes em alguns países, como a Coronavac, poderão viajar para a Escócia.

O que traz outra questão: é ético credenciados para a COP, incluindo ONGs e jornalistas, “furarem a fila” da vacina nos países em desenvolvimento? A Climate Action Network, rede de 1.500 organizações ambientalistas, discutiu o assunto e deve se posicionar formalmente no mês que vem. Segundo Stela Herschmann, “a confiança em uma COP de sucesso está em risco”.

As ONGs têm defendido uma “COP inclusiva e segura”, mas cabe muita coisa nessa definição, e nem todos os países enxergam “inclusão” da mesma forma, ainda mais de observadores. Para provar esse ponto, por solicitação da China as reuniões de um dos grupos negociadores foram fechadas a observadores. O grupo era justamente o que discutia o mecanismo de transparência do Acordo de Paris.

Com tantos senões sobre vacinas e os problemas da negociação virtual – que alguns países em desenvolvimento já adiantaram que não aceitarão –, um segundo adiamento da COP26 não pode ser descartado ainda. Há precedente, inclusive: a COP da biodiversidade, que ocorreria em outubro na China, provavelmente será adiada para abril ou maio.

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