Em 2023, o ano mais quente da história até o momento, o Brasil enfrentou ao menos oito ondas de calor. O registro mostra um termômetro no centro do Rio de Janeiro em agosto (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

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Calor extremo pode derrubar PIB global em até US$ 24 tri, diz estudo

Prejuízos estão relacionados a perdas de saúde e de produtividade no trabalho, além de perdas indiretas por causa do aumento de temperatura

13.03.2024 - Atualizado 19.03.2024 às 19:33 |

DO OC – Em um momento no qual países do Sul global enfrentam ondas de calor e algumas áreas do Norte têm um inverno menos frio, um grupo de pesquisadores aponta que a perda global do Produto Interno Bruto (PIB) se agravará com o aquecimento do planeta, pois as cadeias de suprimentos serão afetadas. O estudo publicado na revista Nature nesta quarta-feira (13) mostra que a perda projetada fica entre US$ 3,75 trilhões e US$ 24,7 trilhões, dependendo da quantidade de CO2 emitida. Os autores explicam que os países mais pobres serão os mais afetados, mas em um mundo globalizado os ricos também sairão perdendo.

O estudo avaliou o impacto dos estresse térmico nos sistemas socioeconômicos até 2060, incluindo a perda de saúde e diminuição da produtividade diária do trabalho devido a ondas de calor extremo, além de perdas indiretas devido à estagnação da produção. Foram consideradas 141 regiões e 65 setores em todo o mundo. “Os impactos negativos do calor extremo, às vezes, ocorrem silenciosamente nas cadeias de suprimentos globais, até mesmo escapando completamente do nosso conhecimento”, comenta Daoping Wang, um dos coautores do estudo.

Foram calculadas as perdas econômicas esperadas em três cenários de aquecimento global, os chamados Shared Socioeconomic Pathways (SSP) – caminhos socioeconômicos compartilhados, em tradução livre –, correspondentes à projeção de  níveis baixos, médios e altos de emissões globais . O melhor cenário é o nomeado como SSP 119, no qual a sociedade segue um caminho mais sustentável e o aumento da temperatura global não superaria 1,5 °C em relação ao período pré-industrial (1850-1900) até 2060. Recentemente, o serviço climático europeu Copernicus divulgou que a temperatura média global dos últimos meses, de março de 2023 a fevereiro de 2024, ficou 1,56 °C acima da média pré-industrial.

Neste cenário, a perda total do PIB é de 0,9% em 2040, sendo 0,5% por causa da perda de saúde, 0,3% em perda de produtividade no trabalho e 0,1% em perda indireta. Em 2060, a perda total pode ser um pouco menor, 0,8%, totalizando 3,75 trilhões de dólares (os valores são com base nos preços constantes de 2020). O número médio global de dias com ondas de calor aumentaria 24% em comparação com 2022 e o número médio anual de mortes por causa das altas temperaturas alcançaria  590 mil.

O SSP 245 é o cenário intermediário, considerando esforços históricos de mitigação. O mundo ultrapassaria 1,5 °C, mas agiria para conter o aumento de temperatura. Nele, as perdas totais são de 2% no PIB global, sendo 0,5% em perda indireta. “À medida que o grau de estresse térmico aumenta progressivamente, os efeitos indiretos ganham mais peso nas perdas totais”, diz o artigo.

O cenário chamado SSP 585 é o mais trágico. Representa um planeta com crescimento rápido e irrestrito na produção econômica e na utilização de energia suja. Em 2060, as perdas econômicas aumentam 500% em comparação com o SSP 119. A perda total do PIB global atinge 3,9%, sendo 1,6% de perda em saúde, 0,8% em produtividade no trabalho e 1,5% em perdas indiretas, somando US$ 24,70 trilhões. O número de dias por ano com ondas de calor pode ser 104% maior em comparação com 2022 e o número médio anual global de mortes induzidas pelo calor pode aumentar para ao menos 1,12 milhões. A proporção da perda do PIB global devido a perturbações na cadeia de abastecimento é de 0,1%, 0,3%, 0,7% e 1,5% por década a partir de 2030.

Os autores explicam que quando as perdas diretas são de magnitude baixa a média o impacto na rede de abastecimento, como alimentos e minerais, é limitado regionalmente. Porém, quando agravam, afetam as cadeias de abastecimento mundiais e geram perdas adicionais indiretas. Além disso, os cientistas reforçam que os países mais pobres serão os principais prejudicados, mas os ricos também devem ser impactados conforme o calor piora. “Os países em desenvolvimento sofrem perdas econômicas desproporcionais em comparação com as próprias emissões de carbono. À medida que vários nós nos países em desenvolvimento são atingidos simultaneamente, o dano econômico pode se espalhar rapidamente pela cadeia de valor global”, diz Yida Sun, co-líder da pesquisa.

Por exemplo, os países da União Europeia enfrentarão perdas indiretas consideráveis a partir do momento em que for reduzida a capacidade de produção de minerais e produtos alimentares dos seus parceiros comerciais, especialmente os países em desenvolvimento. Já a Índia pode causar uma perda de 0,9 a 2,3% na indústria alimentícia dos Estados Unidos. Segundo o estudo, se os EUA apoiassem os esforços de adaptação da Índia por meio de transferência de tecnologia, reduziriam indiretamente as próprias perdas. No artigo ainda é ressaltado que estas considerações poderão orientar as decisões políticas para a cooperação global de futuros esforços de mitigação contra as mudanças climáticas e de adaptação ao estresse térmico.   

“Esta pesquisa é um lembrete importante de que a prevenção de todos os graus adicionais de mudança climática é crítica”, diz Dabo Guan, autor que liderou a pesquisa na universidade pública de Londres, a University College London (UCL). (PRISCILA PACHECO)



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