Ex-ministro discursando na 65ª Assembleia Geral da ONU, em 2010. Crédito: FLickr/Ministério das Relações Exteriores

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Comissão de notáveis estudará “botão de pânico” do clima

Ex-chanceler Celso Amorim integrará grupo de líderes para discutir o que fazer quando o aquecimento global ultrapassar 1,5°C

29.04.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

DO OC – O ex-chanceler brasileiro Celso Amorim será um dos integrantes de um grupo de autoridades mundiais que está sendo formado para discutir estratégias para lidar com a crise do clima se – ou melhor, quando – o aquecimento da Terra ultrapassar a marca de 1,5°C. Chamado Climate Overshoot Comission (algo como Comissão sobre a Ultrapassagem Climática), o comitê será composto por 15 ex-presidentes, ministros e representantes de organizações internacionais que explorarão alternativas para limitar o aumento da temperatura e reduzir os riscos causados pelo aquecimento do planeta acima da meta estabelecida em 2015 no Acordo de Paris.

Segundo o IPCC, o painel do clima da ONU, o aquecimento global ultrapassará 1,5oC em relação à média pré-industrial em algum momento entre hoje e 2040 em todos os seis cenários de emissões de gases de efeito estufa avaliados. Em um desses cenários, o de emissões mais baixas, a humanidade consegue até o fim do século devolver a elevação de temperatura abaixo desse patamar. Só que o IPCC também afirma que vários impactos climáticos irreversíveis ocorrerão nesse período de ultrapassagem (overshoot, em inglês) da meta de Paris. Quanto menos intenso e menos duradouro for o overshoot, menos seres humanos e ecossistemas sofrerão.

“Mesmo assim, pouco se discute sobre o que pode ser feito para reduzir os impactos desse aquecimento, ou até mesmo para que ele ocorra em menor intensidade e pelo menor tempo possível. É como um elefante na sala que ninguém quer ver. Precisamos ter em mente que os riscos aumentam a cada 0,1°C, e por isso decidimos criar um grupo de vozes independentes e globais que buscarão expandir a conversa sobre políticas de mudança climática”, afirma Jesse Reynolds, secretário-executivo da comissão.

“Aceitei integrar essa comissão porque posso ajudar a dar um impulso político no tema, contribuindo principalmente com minha experiencia em negociações internacionais. Entendo que a minha atuação na comissão possa ajudar também a acender a consciência internamente, a aprofundar o debate para dentro do Brasil”, disse Amorim, que foi ministro das Relações Exteriores do Brasil durante os governos de Itamar Franco, Lula e Dilma Rousseff. O convite ao diplomata brasileiro partiu do francês Pascal Lamy, ex-secretário-executivo da Organização Mundial do Comércio. Lamy coordena o Paris Peace Forum, organização à qual a comissão sobre o overshoot está vinculada.

De acordo com Reynolds, a principal estratégia para combater a crise climática segue sendo a redução de emissões de gases de efeito estufa, mas há outras ferramentas que podem ser aprimoradas e implementadas para limitar os riscos, e que deverão estar entre os principais tópicos de debate da comissão.

A primeira, explica, diz respeito à captura de CO2 da atmosfera, ferramenta indicada pelo IPCC como imprescindível para que seja possível zerar as emissões líquidas e manter o aquecimento abaixo de 2°C até o final do século. Diferentemente de outros poluentes, o dióxido de carbono permanece no ar por centenas de anos, e como é preciso colocar na conta global as emissões residuais de setores como aviação, por exemplo, os melhores cenários previstos pelo painel só serão alcançados se forem removidas 5 bilhões de toneladas de CO2 a cada ano até 2050, chegando a 13 bilhões até o final do século. Hoje as emissões estão aumentando em vez de diminuir.

A remoção do CO2 pode ser feita por meio de soluções biológicas, como o reflorestamento, e tecnológicas, como a captura direta do ar. No entanto, a implementação dessas estratégias envolvem questões políticas e geográficas, como a disputa pela terra para agricultura e pecuária, e econômicas, pelos altos custos para o desenvolvimento de equipamentos capazes de sugar o poluente da atmosfera.

 

VULCÕES SIMULADOS

Também pautada para as discussões da comissão está a geoengenharia solar, estratégia ainda bastante especulativa que tem como principal proposição a pulverização maciça de partículas de enxofre na estratosfera. Isso criaria um efeito semelhante ao de uma grande erupção vulcânica, o que reduziria a quantidade de luz solar que atinge a Terra, refletindo parte dela de volta ao espaço. A ideia surgiu a partir da observação de que erupções como a do monte Pinatubo, em 1991, levaram a quedas temporárias nas temperaturas globais, consequência da liberação de nuvens de cinzas que se transformam em micropartículas de aerossóis no ar, formando uma camada que reflete a luz solar que entra no planeta.

“Tecnicamente, se sabe que isso seria possível e que, bloqueando 1% da radiação solar, seria possível diminuir em até 2oC a temperatura do planeta. Mas ainda há muito debate sobre os efeitos e impactos ambientais da liberação proposital de aerossóis na atmosfera. Além disso, há uma lacuna bastante significativa de governança global sobre esse tipo de iniciativa, que os formuladores de políticas devem abordar, e que a comissão se propõe a discutir”, afirma Reynolds.

Um terceiro ponto destacado pelo secretário-executivo como foco do grupo são as estratégias de adaptação às mudanças climáticas. “Se você olhar para a história das negociações em clima, você verá que esse tema ganhou destaque apenas nos últimos anos”, diz. O último relatório do IPCC sobre o tema, publicado neste ano, aponta que secas devastadoras, calor extremo e inundações recorde já estão ameaçando a segurança alimentar e os meios de subsistência de milhões de pessoas e deixando mais da metade da população mundial sob insegurança hídrica. O relatório mostrou, ainda, que cada décimo de grau de aquecimento aumenta as ameaças a pessoas, espécies e ecossistemas.

“Quem colocou esse tema na agenda climática há alguns anos foram os países em desenvolvimento, pois eles se deram conta que suas populações são as mais vulneráveis ao aquecimento da terra. O que pode ser feito, globalmente, para reduzir os impactos nessas populações? Quais os limites para a adaptação dos sistemas humanos e naturais? Essas são algumas das perguntas desafiadoras que pretendemos abordar”, afirma o secretário-executivo.

A comissão pretende realizar cerca de seis reuniões, que deverão ocorrer a cada dois meses e contarão com cientistas e especialistas na temática de clima. A primeira já está agendada para setembro, na Itália. Ao final, o grupo deverá lançar um relatório com uma serie recomendações de estratégias eficazes e integradas para reduzir os riscos provocados pelo aumento da temperatura global acima de 1,5°C até o final do século.

Até o momento, 12 das 15 autoridades convidadas já confirmaram participação na comissão, que será presidida por Lamy. A lista completa de membros deve ser divulgada em breve. (JAQUELINE SORDI)

 

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