#PRESS RELEASE

COP27 termina com uma revolução e três maldições

Conferência do clima na África decide enfim criar fundo para perdas e danos, mas fracassa em atacar o ponto central da crise climática, os combustíveis fósseis

20.11.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

PRESS RELEASE

A 2Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas terminou no início da manhã deste domingo (madrugada no Brasil) em Sharm El-Sheikh, no Egito, com uma vitória e três derrotas com sabor de maldição do faraó. A vitória, a ser comemorada, é que a “COP africana” concordou em criar um revolucionário fundo para financiar perdas e danos climáticos nos países mais vulneráveis do mundo. No entanto, as divisões de sempre entre países ricos e pobres fizeram com que o encontro terminasse sem um acordo substantivo sobre o que deveria ser o ponto principal de conversa – como acelerar o corte de emissões de modo a evitar que o aquecimento global ultrapasse 1,5oC neste século.

A chamada “decisão de capa” da COP27 apenas repete, de forma mais diluída, aquilo que já havia sido acordado em 2021 em Glasgow: que o mundo precisa estabilizar a elevação de temperatura segundo a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris. Diferentemente de Glasgow, porém, Sharm El-Sheikh ignorou o elefante na sala, os combustíveis fósseis. Pressões de último minuto de potências petroleiras como a Arábia Saudita e a Rússia – cuja invasão da Ucrânia aumentou a insegurança energética no mundo e o uso de combustíveis fósseis – fizeram com que a menção de Glasgow a uma redução gradativa (“phase down”, no jargão dos diplomatas, que já era insuficiente) dos combustíveis fósseis fosse eliminada do texto.

O texto da COP27 faz apenas referência, pela primeira vez, a energias renováveis e de “baixa emissão”, um jabuti egípcio. Pode parecer um avanço, mas é insuficiente para a ciência e deve acabar justificando uma sobrevida ao gás natural. Com isso, o principal documento político da COP, que os europeus esperavam que fosse um “Glasgow Plus”, ou seja, um avanço em relação à COP26, acabou virando o que alguns negociadores chamaram de “Glasgow Minus”.

Uma outra manifestação dessa pasmaceira foi o resultado do chamado Programa de Trabalho em Mitigação (MWP, ou Mitigation Work Program). Ele foi criado também em Glasgow, com o objetivo de acelerar o corte de emissões dos países para manter o 1,5oC ao alcance. Neste ano, alguns países desenvolvidos, em especial a UE e o Reino Unido, esperavam que ele avançasse na determinação de ajustes anuais ou bienais na metas até que o corte de emissões necessário para o alcance da meta (43% em 2030) fosse atingido.

Só que os países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, tesouraram o programa. Segundo o G77, o bloco de negociação que reúne 130 economias pobres e emergentes, não se pode inventar um novo ciclo de metas para os países, já que o Acordo de Paris estabeleceu que o ajuste coletivo na ambição é feito de cinco em cinco anos apenas (mas a qualquer tempo qualquer país pode aumentar a meta de sua NDC, ou Contribuição Nacionalmente Determinada). Para esses países, mexer no calendário das NDCs equivale a renegociar o acordo do clima. O texto acordado em Sharm El-Sheikh para o Programa de Trabalho em Mitigação explicita que ele será “não-prescritivo e não-punitivo”, além de não impor novas metas. Ou seja, na prática, não servirá para nada.

No pano de fundo da querela está a terceira maldição da COP27, o financiamento climático. Os US$ 100 bilhões anuais de 2020 a 2025 prometidos pelos países desenvolvidos continuam sem definição sobre quando e como serão pagos. Já são três anos de promessas não cumpridas. Os recursos foram cobrados pelo presidente eleito do Brasil em seu discurso na COP. No início da conferência, a primeira-ministra de Barbados, Mia Amor Mottley, também pediu uma revisão do sistema financeiro global “injusto e obsoleto”. A decisão de capa faz apenas um convite aos bancos multilaterais de desenvolvimento e às instituições financeiras internacionais a reverem suas práticas e instrumentos de financiamento climático. Ou seja, nada.

O avanço de Sharm El-Sheikh ficou por conta do fundo de perdas e danos. Depois de três décadas de pressão dos países-ilhas para que os maiores responsáveis pela crise climática custeassem os prejuízos  causados por eventos extremos aos quais já não cabe adaptação, como ciclones e enchentes, enfim o tema entrou na agenda da negociação na COP27. Os países ricos sempre resistiram a isso, com medo de abrir uma avenida para o litígio internacional –  afinal, pagar por perdas e danos equivale a reconhecer que eles devem compensação pelo estrago que fizeram na atmosfera e que afeta de maneira desproporcional as nações que menos esquentaram o planeta.

Na COP do Egito, o tema foi encarniçado. Em Glasgow, os países haviam combinado que neste ano ocorreria um “diálogo” sobre financiamento a perdas e danos. Depois de muita pressão dos países em desenvolvimento e da sociedade civil, o tema foi debatido formalmente em Sharm El-Sheikh. Na semana passada, o G77 propôs que o tal “mecanismo financeiro” fosse um fundo sob a Convenção do Clima, nos mesmos moldes do Fundo Verde do Clima, criado em 2010.

Mas os desenvolvidos, em especial os EUA, passaram a bloquear a negociação. O enviado especial de clima do governo americano, John Kerry, dizia a quem quisesse ouvir que os EUA não topariam um fundo de jeito nenhum. Os EUA e a Europa querem que os países emergentes também contribuam, algo que o G77 rejeita. Quando passou pelo Egito a caminho da reunião do G20 em Bali, Joe Biden tentou vender uma alternativa talibã, o Global Shield – um fundo voluntário de US$ 170 milhões criado pelo G7 e funcionando de acordo com as regras do G7, ou seja, com o controle dos países ricos.

No final, chegou-se a uma solução de compromisso, com ajuda de uma manobra da União Europeia: houve a decisão de criar um fundo para assistência “aos países mais vulneráveis”, mas a única coisa de concreta a sair da COP27 foi a definição de que um comitê de transição com 24 integrantes, sendo 10 de países desenvolvidos e 14 de países em desenvolvimento,  que vai discutir como o fundo será estruturado e operacionalizado até a COP28. Além disso, um parágrafo da decisão fala em estudar “uma variedade de fontes” de financiamento, o que não exclui arrancar contribuições dos países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil.

“Se por um lado foi alcançado um resultado histórico com a criação de fundo para perdas e danos, por outro andamos de lado mais uma vez em relação à ambição climática. Um ano já se passou desde Glasgow e o que vimos foram países querendo retroceder. Temos agora apenas sete anos para cortar as emissões de gases de efeito estufa pela metade para limitar o aumento da temperatura a 1,5oC. O programa de trabalho em ambição climática aprovado não garante que as reduções vão acontecer na velocidade que precisamos”, avalia Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima.

“Melhoramos a distribuição do remédio, mas não avançamos no tratamento da doença”, disse Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima. “Sem um aumento significativo na ambição das metas nacionais e sem atingir o nível de financiamento adequado para adaptação e mitigação, o fundo de perdas e danos será um eterno trabalho de Sísifo, vencido constantemente por uma realidade climática cada vez mais violenta. Não vai haver recurso de perdas e danos que baste.”

Em posicionamento divulgado na manhã deste domingo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que a COP27 deu um “passo importante” em direção à justiça para aqueles que fizeram tão pouco para causar a crise climática (incluindo as vítimas das recentes inundações no Paquistão que inundaram um terço do país), mas falhou na questão prioritária da redução de emissões. “Precisamos reduzir drasticamente as emissões agora – e essa é uma questão que esta COP não abordou”, declarou Guterres. “Um fundo para perdas e danos é essencial, mas não é uma resposta se a crise climática tirar um pequeno estado insular do mapa ou transformar um país africano inteiro em deserto. O mundo ainda precisa de um salto gigantesco na ambição climática.”

 

Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 77 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. Desde 2013, o OC publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil.

 

 

Informações para imprensa

Solange A Barreira

[email protected]

+ 55 11 98108-7272

Related

Nossas iniciativas