Área desmatada no Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

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Desmatador processado por “dano climático” tem derrota na Justiça

Cálculo feito a partir da emissão de CO2 de áreas desmatadas resulta em multas mais caras

07.03.2023 - Atualizado 11.03.2024 às 08:31 |

A decisão foi proferida na semana passada. Titular da Sétima Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas, a juíza Mara Elisa Andrade rejeitou o pedido feito pelo fazendeiro Dauro Parreira de Rezende, réu num processo por desmatamento com multa valorada em R$63,5 milhões (ele pedia um novo cálculo do valor da ação). Rezende é acusado de desmatar ilegalmente mais de 2 mil hectares no Projeto de Assentamento Extrativista Antimary, em Boca do Acre, município no Sul do Amazonas, a 1200 quilômetros de Manaus. 

O caso de Rezende seria apenas mais um numa rede interminável de crimes e ilegalidades que tomou conta da Amazônia a partir do governo Bolsonaro, não fosse por um importante detalhe: é que além da multa de R$ 8 milhões por danos ambientais, a maior parte do valor a ser restituído pelo réu – mais especificamente, R$ 44,7 milhões – adveio de um cálculo feito pelo MPF a partir da emissão de gás carbônico, configurando assim um “dano climático”. 

“Essa é a primeira vez que eu vejo uma decisão na Justiça de uma ação civil pública motivada por dano climático”, explicou Paulo Moutinho, cientista sênior do Ipam, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia [na verdade, há um caso pregresso, julgado na mesa Vara em 2022, mas de valor bem mais baixo, R$165 mil]. 

A história foi mencionada por Moutinho na última quinta-feira, 2 de março, durante sua apresentação no Décimo Seminário Técnico-Científico de Análise de Dados do Desmatamento na Amazônia Legal, ocorrido na sede do Ministério do Meio Ambiente, em Brasília. Na abertura, a ministra Marina Silva, enfatizou que a pauta ambiental é também uma pauta política: “Não há combate à desigualdade sem enfrentar o desmatamento.”

E não há combate ao desmatamento sem enfrentar a grilagem.

 

Área de 56 milhões de hectares

Diretor do Controle de Desmatamento e Queimadas do MMA, Raoni Rajão mencionou uma estimativa recente feita na UFMG, a Universidade Federal de Minas Gerais, que calculou em cinco vezes o retorno financeiro de uma terra grilada. “É a mesma taxa de lucro de quem traz cocaína da Colômbia. Mas as penas para os dois crimes são muito distintas: em um deles você pode pegar até 20 anos de cadeia, no outro você converte a pena em pagamento de cesta básica”, explicou, lembrando que 70% das fazendas registradas no CAR (Cadastro Ambiental Rural) dentro de Terras Indígenas – ou seja, ilegais – ainda estão com o cadastro ativo. “O problema não é falta de estímulo positivo para tirar as pessoas da grilagem; é carência de estímulo negativo. O porrete está curto.” 

O cientista Claudio Almeida, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) lembrou que a falta de fiscalização e de punição transformaram a Amazônia num terreno fértil para o crime organizado – que tem papel importante no financiamento da grilagem. “Para desmatar 100 hectares você gasta ao menos 300 mil reais. Não é barato, é alguém fazendo um grande investimento com perspectiva no futuro.” 

Os índices mais altos de desmatamento e grilagem têm ocorrido em terras públicas – ou, mais especificamente, em Florestas Públicas Não Destinadas (FPND), aquelas que ainda não foram homologadas como área de proteção ambiental. “É errado achar que isso é terra de ninguém Isso é terra do povo brasileiro, e que os governos precisam cuidar”, explicou Paulo Moutinho, do Ipam. Segundo ele, 27% das Florestas Públicas Não Destinadas estão cobertas por fazendas com registro no CAR – ou seja, por áreas griladas. E praticamente metade do desmatamento dessas florestas ocorre exatamente nas áreas sobrepostas por propriedades registradas no CAR. “No meu entender é grilagem pura.”

Moutinho diz que a Amazônia ainda tem 56 milhões de hectares de Florestas Públicas Não Destinadas – uma área duas vezes maior que o estado de São Paulo. “Estamos esperando os governos darem uma destinação, como manda a Lei de Florestas de 2006.” Ele lembrou que só nos primeiros dois anos de PPCDAm (o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, tocado pela ministra Marina Silva no primeiro governo Lula), foram criados 24 milhões de hectares de florestas protegidas, que ajudaram a derrubar drasticamente as taxas de desmatamento. 

Ele acredita que o modelo de sucesso do PPCDAm pode ser repetido se contar com ações de fiscalização da Polícia Federal, do ICMBio e do Ibama e – novidade -, com ações judiciais contra desmatadores, como no caso da terra grilada em Boca do Acre, no Sul do Amazonas, em que o fazendeiro pode vir a pagar R$44,7 milhões pelos danos climáticos. “Isso tem que estar embutido dentro das multas do Ibama daqui pra frente”, prosseguiu, defendendo a inciativa. “É fácil calcular os prejuízos em termos de emissão, nós publicamos o protocolo na (revista) Science.”

Atualmente, o Observatório do Clima se colocou à disposição como amicus curiae (amigo da corte) em outros três processos parecidos – dois no Amazonas e um no Pará -, com multas igualmente altas. “Em um deles, só o dano climático ascrescenta R$91 milhões ao valor da causa”, contou o advogado Nauê Bernardo Pinheiro de Azevedo, assessor jurídico do OC. “Queremos ajudar o Estado a processar os grandes desmatadores.” (ROBERTO KAZ)

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