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Lobby dos combustíveis fósseis cresce 26% na COP27

Relatório lançado hoje mostra que a representação de lobistas é maior do que a dos dez países mais impactados pela crise climática, somados. Delegados da indústria dos fósseis são também o dobro dos indígenas

10.11.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

DO OC – “Se você quer combater a malária, não pode convidar os mosquitos”. Essa foi a imagem usada por Phillip Jakpor, ativista climático nigeriano da Public Participation Africa, para resumir sua contrariedade à presença ostensiva de lobistas da indústria de combustíveis fósseis na COP27, em declaração à BBC News. O desconforto tomou conta de grande parte dos participantes da 27a Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU nesta quinta (10/11), depois do lançamento de relatório inédito que revelou um aumento de 26% na representação do setor, na comparação com a COP26. O número de agentes da indústria de petróleo, carvão e gás identificados saltou de 503, no ano passado, para 636, neste ano. 

 

O relatório foi produzido pela organização Global Witness, em parceria com a Corporate Accountability e a Corporate Europe Observatory. Os resultados mostram que, naquela que vem sendo chamada de “a COP africana”, não há sequer uma delegação de países do continente africano que seja maior do que a representação dos lobistas dos combustíveis fósseis. Em termos gerais, na comparação com todas as delegações, o time de 636 lobistas só perde para a delegação dos Emirados Árabes Unidos, que conta com 1.070 integrantes — setenta deles identificados como representantes das corporações. Do total de delegações nacionais, 29 contam com lobistas entre seus integrantes, aponta o relatório. Depois dos Emirados Árabes, o país com mais lobistas é a Rússia, com 33 agentes representantes da indústria fóssil 

 

O número de lobistas supera, também, as delegações dos 10 países mais impactados pelas mudanças climáticas somadas, de acordo com classificação feita pela German Watch e citada no relatório. Myanmar, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh, Paquistão, Tailândia e Nepal somam 545 delegados, segundo levantamento do Carbon Brief. Porto Rico, que aparece no topo da lista da German Watch, não foi contabilizado por não ter delegação própria, estando inserido na dos Estados Unidos que tem, no total, 136 integrantes. 

 

Ainda segundo o relatório, o lobby dos fósseis tem duas vezes mais representantes que os  povos indígenas, reiteradamente identificados como os maiores preservadores de florestas e vegetações nativas. O documento destaca também o quanto ativistas do sul global, comunidades indígenas e outros grupos vulneráveis foram excluídos da conferência pelos altos preços das passagens e acomodações — e da ausência de uma política de financiamento que abarcasse os grupos vulneráveis —, dificuldades no acesso a vistos e medidas de perseguição política perpetradas pela ditadura egípcia de Al-Sisi.

 

Impactos na ação climática

 

Ao longo do dia de hoje, organizações da sociedade civil e ativistas questionaram a presença dos lobistas, sinalizando para o que, segundo suas avaliações, podem ser os impactos negativos da interferência da indústria na COP27. Cartazes, intervenções e também ações nas redes, com a hashtag #PeopleNotPolluters, deram o tom das manifestações. 

 

Para Ilan Zugman, diretor para América Latina da 350.org, um movimento internacional em defesa das energias renováveis, as corporações de combustíveis fósseis deveriam se responsabilizar e buscar soluções para a transição energética. Mas, ao contrário disso, direcionam seus esforços para travar as medidas que buscam a redução em 50% das emissões de gases até 2030, fundamentais para que a meta de 1,5º seja atingida: “A indústria dos combustíveis fósseis sabe há mais de 45 anos que suas atividades são as maiores contribuidoras das mudanças climáticas. Ao invés de avisar ao mundo e pensar em maneiras de fazer uma transição energética mais cedo, o que fizeram? Gastaram bilhões de reais para ocultar as informações e também para fazer lobby”, disse.  

 

Por isso, ele acredita que a participação dos lobistas na COP27 não trará contribuições de qualquer natureza à agenda climática: “Esses delegados participam com a única intenção de atrapalhar e atrasar as negociações climáticas e seguir garantido lucros cada vez mais maiores, enquanto dezenas de países sofrem verdadeiras catástrofes sociais. Enquanto seguirmos permitindo a presença dos poluidores em espaços de negociações climáticas, o avanço será sempre mais lento. E a ciência é muito clara: não temos tempo a perder”, declarou. 

 

Para a Global Witness e organizações parceiras, existe um conflito de interesses. A reivindicação é que a participação de lobistas da indústria de combustíveis fósseis em COPs seja banida, “de maneira semelhante à restrição imposta aos lobistas da indústria de tabaco nas agendas de saúde pública”, diz o documento. 

 

Metodologia

 

Para o levantamento, as organizações se basearam nos dados dos mais de 30 mil delegados credenciados na COP27, utilizando técnicas de raspagem de dados, machine learning e “dedicando muitas horas à análise” das informações obtidas. Foram considerados como lobistas de combustíveis fósseis pessoas vinculadas às corporações com negócios ativos e expressivos em combustíveis fósseis, e também pessoas que participam das atividades como representantes de órgãos comerciais vinculados à indústria. Segundo o relatório, os números podem ser ainda maiores: como a metodologia considera apenas os delegados que apresentam seus vínculos com as indústrias poluentes, não contabiliza os prováveis lobistas que preferem esconder essa relação. (LEILA SALIM)

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