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Mineração responde por 5% das emissões do Brasil

Dados são do SEEG/Observatório do Clima, compilados a pedido do Observatório da Mineração, e incluem siderurgia; mercado de carbono ainda não atingiu resultados esperados

11.08.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

MAURÍCIO ANGELO
DO OBSERVATÓRIO DA MINERAÇÃO

A cadeia minero-siderúrgica emitiu 107,6 milhões de toneladas de CO2e em 2020, de acordo com dados levantados pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) no SEEG/Observatório do Clima, a pedido do Observatório da Mineração.

Esse montante, que contribui diretamente para o agravamento da crise climática no Brasil e no mundo, responde por cerca de 5% das emissões totais brasileiras.

Se tirarmos o desmatamento do cenário, que ocupa uma proporção enorme diante do problema crônico que representa e dos recordes nos últimos anos, a mineração e a siderurgia permanecem como um dos principais setores responsáveis pelas emissões de gases que causam o efeito estufa.

Os dados consideram o consumo de energia da queima de combustíveis das indústrias ligadas à mineração e a transformação de materiais. Veja os detalhes no quadro abaixo.

Para Felipe Barcellos, analista de projetos do Iema, especialista em modelagem de emissões atmosféricas e autor da análise, um dos motivos que levaram a um monitoramento mais atento do setor minero-siderúrgico foram os discursos de neutralidade em carbono da indústria e o anúncio frequente de medidas para supostamente tornar mais “verde” a matriz energética de cada uma.

Outro fato relevante é que, nesse contexto, o mercado na verdade é dominado por poucas empresas e os ativos – plantas industriais, por exemplo – passam de mão em mão sem atacar as verdadeiras causas do problema.

“São ativos que ficam dentro do portfólio de poucas empresas e, no fim, as emissões continuam acontecendo”, destaca Barcellos.

Os dados de 2020, divulgados em outubro de 2021, mostram que mesmo na pandemia o Brasil aumentou em 9,5% as emissões de gases estufa, lançando na atmosfera 2,16 bilhões de toneladas de CO2, o maior montante desde 2006. O país foi na contramão do mundo, que reduziu em 7% as emissões. O desmatamento – mudança de uso da terra – responde por 46% do total.

Para Shigueo Watanabe Jr., mestre em física pela Universidade de São Paulo e especialista em emissões de gases estufa, o desmatamento é como se fosse um “elefante na sala”, impedindo que outras coisas recebam a atenção que precisam, como a cadeia minero-siderúrgica.

“Fica todo mundo olhando o desmatamento e não olha uma série de coisas que a gente já poderia e deveria começar a mexer para ter um impacto muito positivo lá na frente”, avalia Watanabe.

Alto forno da CSN em Volta Redonda

O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que reúne as principais mineradoras que atuam no Brasil e o Instituto Aço Brasil, que representa as maiores siderúrgicas, se comprometem oficialmente com uma série de ações para mitigar as mudanças climáticas.

Em amplo posicionamento publicado em novembro de 2021, ainda no âmbito da COP 26, o Ibram detalhou como a mineração, do ponto de vista das empresas, tem lidado com o assunto.

O Ibram afirma que “coordena ações de mitigação e adaptação em relação ao tema Mudança do Clima junto a seus associados, em âmbito nacional e internacional”.

O acordo assinado pelo Brasil durante a COP 21 em Paris em 2015 inclui a meta de reduzir em 37% as emissões de gases de efeito estufa em relação aos níveis de 2005, até 2025 e, na revisão da meta manipulada pelo governo Bolsonaro para assumir um compromisso na prática inferior ao anterior, reduzir, em 2030, as emissões de GEE em 43% na mesma base de comparação.

O Ibram lista os impactos e os “riscos” que a crise climática representa para a mineração, derivados, segundo as empresas, “da imposição de metas de redução de emissões [de gases-estufa] sem a devida ponderação da contribuição das fontes”.

O Ibram indica, portanto, discordar que a participação da mineração seja significativa – ao contrário do que os dados mostram – e que a disposição da indústria para uma mudança real é, no mínimo, questionável.

Na sequência, o posicionamento do Ibram exige uma série de medidas essencialmente econômicas do governo federal, como “simplificação ao acesso e ampliação da participação da indústria a recursos financeiros para fomento do investimento em baixo carbono”.

O Ibramresgata o Plano Setorial de Mineração de Baixo carbono (Plano MBC), elaborado dez anos atrás em uma interlocução da indústria com o Ministério de Minas e Energia que teve pouco ou nenhum efeito prático, já que as emissões se mantiveram estáveis na última década, mesmo com flutuações de mercado e ações elaboradas.

Reconhecendo, porém, que a redução das emissões de carbono “não é suficiente para conter o aquecimento global”, o Ibram atualiza o posicionamento do setor mineral defendendo instrumentos de mercado que favorecem o próprio bolso das empresas e pede mais e mais financiamento público e incentivos para que as mineradoras possam, enfim, cooperar.

No centro dessa defesa está a precificação de carbono. Segundo as mineradoras, este seria um “mecanismo eficiente para viabilizar o atingimento das metas de redução de emissões anunciadas; fomentar outras; e viabilizar e assegurar soluções que contribuam para a contenção do aquecimento global em menos de 2 °C”.

Para isso, o Ibram defende que exista “um mercado de carbono robusto, creditício e regulado, a fim de promover a efetiva compensação das emissões, ou seja, por meio da compra de créditos de carbono em mercados robustos (cap and trade)”.

A defesa ferrenha da precificação do carbono também é adotada pelo Instituto Aço Brasil e pelo sindicato da indústria de cimento.

Planta industrial da Usiminas em Ipatinga

“Comprar e vender” carbono a “preços competitivos”, mercado baseado em uma série de incentivos públicos, é uma solução que levanta amplo debate e que, até o momento, não tem surtido os efeitos esperados em regiões onde essa implementação está mais madura, como a Europa.

O aço é o maior emissor dos setores industriais na Europa, representando 5,7% das emissões totais da UE. Se fosse um país, destaca o ClimaInfo, a indústria global do aço seria o terceiro maior emissor do mundo, atrás dos EUA e à frente da Índia. Em 2020, a indústria emitiu 3 GtCO2e (bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente), ou 1,5 vezes as emissões do Brasil, para produzir 1,9 bilhões de toneladas de aço.

Uma análise de janeiro deste ano, antes da guerra na Ucrânia, que impactou toda a indústria mundial e as commodities em geral, afirmou que a indústria siderúrgica, o cimento e outros setores preferiram comprar créditos de carbono a fazer a transformação tecnológica necessária.

Na medida em que as benesses governamentais diminuirão nos próximos anos e a pressão sobre as empresas aumentar, é possível que o cenário mude. A experiência europeia, porém, é muito indicativa para o Brasil.

O preço da tonelada de carbono precisaria ficar muito acima do já elevado patamar atual (entre 80 e 90 euros) para fazer os empresários se mexerem, diz a análise. Mas o que realmente garante o mínimo de transformação na indústria são subsídios. Dinheiro público, em suma.

Sem esse “empurrão”, tudo permanece como está. É esse o tom de todos os posicionamentos setoriais – Ibram, Aço Brasil e sindicato do cimento – relatado aqui.

“É um sinal claro do que vai acontecer aqui”, acredita Shigueo Watanabe. Para isso, seria necessário primeiro implantar de fato o mercado que está parado para “estimular” que as empresas façam a mudança tecnológica para uma economia de baixo carbono e cumpram as metas de redução.

“O mercado de carbono só vai fazer sentido se o preço do carbono aumentar a ponto de que valha a pena você fazer a mudança de matriz. Se não, é trocar seis por meia dúzia, um compensa daqui, outro compensa de lá e não tem nenhuma mudança real na matriz de emissões dessas indústrias. É isso que precisa acontecer”, analisa Watanabe.

Entre os especialistas, há ainda um justificado ceticismo sobre a eficácia desses mecanismos de mercado.

Texto sobre bioeconomia publicado este mês no site do Grupo Carta de Belém, articulação de pesquisadores e movimentos sociais que atua na defesa do direito à terra, por ocasião do 10º Fórum Social Pan-Amazônico (Fospa), afirma que “a saída do capital para as mudanças climáticas é jogar os problemas para os países do Sul, sem alterar o padrão de produção e consumo dos países do Norte”.

Ao invés de se pensar em transformações e mudanças reais, são construídas propostas baseadas em compensação e remoção de carbono, diz o texto. De acordo com Leticia Tura, diretora-executiva da ONG Fase, “não se pode reduzir toda a questão ambiental, toda questão ecológica apenas a carbono. Os ecossistemas são muito diversos”, lembrou.

O projeto atual, afirma o Carta de Belém, é de desmontes das políticas públicas, “remontadas sob uma perspectiva privatizante, como é o caso dos projetos do mercado de carbono (nos seus diferentes nomes: Redd+, NetZero, Soluções Baseadas na Natureza), transferindo dinheiro público para empresas privadas que atuam na especulação com créditos de carbono ou mesmo para o agronegócio. O que gera impactos diretos sobre a soberania popular em territórios da Amazônia”, criticam.

 

Esta reportagem foi publicada originalmente no site do Observatório da Mineração.

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