Crédito: Felipe Werneck

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Na newsletter: Código Florestal completa uma década de fracasso

16.05.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

Até o carpete da Câmara dos Deputados sabia, naquele ano de 2012, que a flexibilização do Código Florestal brasileiro, imposta pelo Congresso Nacional ao fraco governo de Dilma Rousseff, iria resultar em ampla anistia ao desmatamento e nenhum palmo de floresta recuperada.

A lei florestal que prometeu “pacificar o campo” completa dez anos no final deste mês e, para a surpresa de zero pessoa, tem sido um fracasso retumbante. Novos dados do Serviço Florestal Brasileiro mostram que menos de meio por cento dos imóveis inscritos no CAR (Cadastro Ambiental Rural) receberam diagnóstico de regularidade ambiental. Os outros 99,6% seguem sem recuperar o que desmataram irregularmente e anistiados por prazo indeterminado de qualquer penalidade.

A bancada ruralista, como também previram os cientistas e os ambientalistas na época, segue trabalhando para enfraquecer ainda mais o código: ano passado, aprovaram a flexibilização das áreas de preservação permanente urbanas, já tentaram mais de uma vez acabar com a reserva legal e agora querem ainda mais prazo para adesão aos programas de regularização ambiental.

Mas nem tudo é desgraça: a ciência brasileira marcou um golaço nesta semana com a nomeação do climatologista Carlos Nobre à Royal Society britânica. O brasileiro que dedicou 40 anos a entender as fragilidades da Amazônia se junta como membro estrangeiro ao clube de Isaac Newton, Charles Darwin e Stephen Hawking.

Boa leitura.

CÓDIGO FLORESTAL: 10 ANOS DE FRACASSO

Aprovada em maio de 2012, a nova lei florestal concedeu anistia para desmatadores e prometeu aumentar o controle ambiental por meio de um cadastro obrigatório para todas as propriedades rurais do país. Dez anos depois, apenas 0,4% dos 6,5 milhões de cadastros receberam um “diagnóstico final da regularidade ambiental do imóvel rural”. Os registros no Cadastro Ambiental Rural (CAR) são autodeclarados, por isso todas as informações precisam ser analisadas por órgãos de meio ambiente.

Nove Estados não concluíram nenhuma análise: BA, ES, MG, MS, PE, PI, RN, RR e RS. Mato Grosso apresenta a maior proporção de cadastros com análise completa (3,3%), seguido por Rondônia (2,9%) e São Paulo (1,9%). Em termos de área, os cadastros com análise de regularidade ambiental concluída representam apenas 2% do total no país. O último balanço com esses números foi divulgado no dia 4 pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB).

A revisão do código florestal ocorreu após mais de uma década de pressão da bancada ruralista. Entre outros benefícios, produtores rurais receberam anistia para multas por desmatamentos ilegais ocorridos até 22 de julho de 2008. No papel, o objetivo do CAR é “integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”.

Líder da bancada ruralista quando o novo código foi aprovado, a senadora Kátia Abreu (PP/TO) dizia que a nova lei representava o fim da “ditadura ambiental” exercida, segundo ela, por “ONGs inimigas do Brasil”, e pacificaria o campo, fazendo o desmatamento cair. Ocorreu o contrário. Em dez anos, o Estado de Tocantins, pelo qual ela foi eleita, concluiu a análise de apenas 41 cadastros.

Desde a criação do CAR, o prazo final para registro de todos os proprietários rurais foi adiado várias vezes, até se tornar indeterminado na gestão Bolsonaro. Agora, a mesma bancada ruralista quer alterar a lei mais uma vez e ampliar o prazo de inscrição no CAR para aqueles que pretendem obter os benefícios do Programa de Regularização Ambiental (PRA).

Uma primeira flexibilização já aconteceu: no ano passado, o Congresso mudou as regras para a fixação de limites das APPs (áreas de preservação permanente) urbanas, deixando a decisão na mão das prefeituras. A alteração favorece especuladores imobiliários e foi judicializada.

“O CAR foi o instrumento mais importante da lei florestal de 2012, mas os números absurdamente baixos de imóveis com análise concluída retiram qualquer possibilidade de comemoração dos 10 anos da legislação. Sem a validação, não são implementados os programas de regularização ambiental. Entre outros problemas, consolida-se a anistia para desmatamentos ilegais ocorridos até 22 de julho de 2008”, diz a ex-presidente do Ibama e especialista em Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo.

DESMATE NA AMAZÔNIA BATE RECORDE EM PLENO MÊS DE CHUVA

Os alertas de desmatamento na Amazônia chegaram a 1.026 km² em abril, recorde histórico para o período, segundo o sistema Deter-B, do Inpe. O número é 74% maior que o recorde anterior, batido no ano passado pelo governo Bolsonaro (580 km²). Comparada à média dos seis anos anteriores para o mesmo mês, a área de alertas é 165% maior. É a primeira vez na história do sistema Deter-B que os alertas mensais de desmatamento ultrapassam a marca de 1.000 km² no mês de abril, o último do chamado “inverno” amazônico, quando as chuvas são mais constantes. No acumulado do ano até aqui (o Inpe sempre mede o desmatamento de agosto de um ano a julho do ano seguinte), os alertas já chegam a 5.084 km², 5% a mais que no ano passado e segundo maior número da série histórica — perdendo apenas para o recorde de 5.680 km2 batido pelo próprio governo Bolsonaro em 2020.

LIMITE DE 1,5ºC PODE SER PASSADO EM 5 ANOS

Relatório divulgado nesta semana pela Organização Meteorológica Mundial das Nações Unidas (OMM) indicou que o mundo está prestes a enfrentar o ano mais quente já registrado, e que há 50% de chance de o aquecimento global ultrapassar 1,5°C nos próximos cinco anos, enterrando a meta do Acordo de Paris. Segundo o levantamento, a possibilidade de a elevação da temperatura global ultrapassar o limite estabelecido no acordo, ainda que temporariamente, aumentou de forma constante desde 2015. Ainda de acordo com a OMM, há 93% de chance de que um dos anos entre 2022 e 2026 seja o mais quente de que se tem registro, despontando o atual campeão (2016). O relatório foi divulgado uma semana após a Índia sofrer uma onda de calor histórica, com as maiores temperaturas em mais de cem anos, o que levou a apagões, férias antecipadas em escolas, falta d’água e incêndios em lixões.

LEI DA UE IGNORA 3 MI DE KM2 DE VEGETAÇÃO NA AMÉRICA DO SUL

Análise do Mapbiomas mostra que cerca de 3 milhões de km² de vegetação nativa só na América do Sul podem ficar desprotegidos, caso a nova regulamentação proposta pela União Europeia (UE) sobre importações livres de desmatamento seja mantida como está. Especialistas apontam que, ao adotar em seu regulamento a definição de florestas usada pela FAO (agência da ONU, que define florestas como terras com área superior a 0,5 ha, com árvores maiores que 5 metros de altura e cobertura de copa superior a 10%), a UE deixaria de fora de seus critérios de due diligence grandes áreas de sete biomas sul-americanos críticos, dominados por ecossistemas não florestais, como pastagens, pântanos, bosques e savanas. Cerrado, Pantanal e campos do Pampa são algumas das regiões em risco. Sem a exigência, a conversão de grande parte dessas áreas em terras agrícolas e pasto poderá ser acelerada.

O MONÓXIDO DE CARBONO DO CAPITÃO JAIR

O Fakebook.eco rebateu nesta semana o vídeo divulgado pelo presidente Jair Bolsonaro que prometia a “verdade” sobre meio ambiente no Brasil, espalhando desinformação, com dados falsos e fora de contexto e até confundindo monóxido de carbono com dióxido de carbono. Assista aqui e compartilhe no grupo da família.

JABUTI CRIA TUNGA DE R$ 100 BI PARA FAVORECER LOBBY FÓSSIL

O Estadão revelou nesta semana que a dupla Centrão/Bolsonaro opera para aprovar projeto bilionário que prevê a construção de uma rede de gasodutos no país, favorecendo o empresário Carlos Suarez. O governo destinaria R$100 bilhões do lucro do pré-sal para financiar a construção desses gasodutos. A proposta seria incluída como “jabuti” – emenda que não tem relação direta com o projeto original – no PL 414/2021, que trata da modernização do setor elétrico. Suarez e seus sócios são os únicos donos de autorizações para distribuir gás em oito estados. Segundo a Folha, a questão do gasoduto teria contribuído para a queda do ministro de Minas e Energia.

Apesar de Arthur Lira e seus lobistas, a energia renovável segue bombando no mundo. Relatório da Agência Internacional de Energia (IEA) mostrou que a capacidade de geração de energia renovável deve bater mais um recorde em 2022. Espera-se aumento de 320 GW até o fim do ano, o que equivale a toda a demanda de eletricidade da Alemanha. Segundo o documento, o número é superior ao recorde do ano passado, que foi de 295 GW, e está sendo puxado principalmente por políticas de incentivo na China, Europa e América Latina. A energia solar será responsável por cerca de 60% do aumento, atingindo seu melhor resultado em toda a história, com o comissionamento de 190 GW e ganho de 25% na comparação com 2021.

Quem ainda não se chocou com a imagem do “maior churrasco do mundo”, promovido pelo prefeito da cidade de Pauauapebas, no Pará, pode tomar um Engov e correr lá no twitter do jornalista Maurício Angelo, do Observatório da Mineração. Angelo mostrou como a cidade, que tem um dos piores IDHs do Brasil, está gastando o R$ 1,4 bilhão que recebeu de royalties por abrigar a maior mina de ferro do planeta, da Vale.

BRASILEIRO CARLOS NOBRE É ELEITO PARA ROYAL SOCIETY BRITÂNICA

O climatologista Carlos Afonso Nobre, 71, foi eleito como membro estrangeiro da sociedade científica mais antiga do planeta, a Royal Society. Hoje pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, o cientista aposentado do Inpe é o primeiro brasileiro a ser admitido pela academia britânica em mais de um século – o último foi Dom Pedro II, em 1871.

O paulistano foi apontado “pelo seu trabalho nas interações entre biosfera e atmosfera e os impactos climáticos do desmatamento na Amazônia e por sua liderança em programas que moldaram a ciência brasileira”, segundo nota divulgada pela Royal Society. Em 1990 e 1991, ele publicou com dois colegas dois artigos científicos clássicos que mostravam que o aquecimento global poderia causar uma interrupção na “fábrica de chuvas” da Amazônia, transformando grande parte da floresta numa savana empobrecida. Veio daí o termo “savanização”. Hoje Nobre se dedica a estudar o chamado “ponto de virada” a partir do qual o combo mudança do clima + desmatamento empurra a floresta para o estado de savana.

Nobre se junta a um clube fundado em 1663, que teve entre seus membros Isaac Newton, Charles Darwin, Thomas Huxley e Albert Einstein.

“A eleição para a Royal Society de fato é o reconhecimento dos méritos de um grande número de cientistas brasileiros que buscam a preservação de nossos biomas, especialmente a Amazônia, e também alcançar trajetórias sustentáveis para nosso país. Eu muito lhes agradeço pelo trabalho conjunto ao qual temos nos dedicado por quase 40 anos.”, disse o climatologista à newsletter.

OC LANÇA PLANO AMBIENTAL PARA O PRÓXIMO GOVERNO

O Observatório do Clima lançará na próxima quinta-feira (19), em Brasília, o primeiro volume de um grande plano de recuperação da política ambiental brasileira que devolva o país ao trilho do combate à emergência climática e ao desenvolvimento com justiça social. O evento será transmitido pelo canal do OC no Youtube.[:]

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