O ministro Fernando Haddad anuncia o Programa de Transformação Ecológica (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Na newsletter: o PAC “ESG” e os recados da Cúpula da Amazônia

E mais: incêndios no Canadá, desmatamento e a playlist da quinzena

14.08.2023 - Atualizado 11.03.2024 às 08:31 |

O PAC está de volta, 16 anos depois. A sigla continua a mesma, mas seu conteúdo… quanta diferença! O pacote de infraestrutura do governo Lula 2, que tornou-se símbolo do desenvolvimentismo predatório que levou a Belo Monte e afetou o combate ao desmatamento, reencarnou no governo Lula 3 com uma roupagem ESG. A cerimônia de lançamento, ontem no Rio, teve discursos apaixonados em defesa do combate à mudança do clima vindos do núcleo duro econômico do governo. Obras com polêmicas ambientais foram excluídas da lista ou enviadas para estudos. E o ministro da Fazenda apresentou um Plano de Transformação Ecológica com ares de “green deal”, que funcionará em coordenação com o Programa de Aceleração do Crescimento.

A prova do pudim, como dizem os ingleses, está no seu gosto; o governo brasileiro ainda tem uma raiz desenvolvimentista linha-dura, interessada em brita, asfalto e concreto, e 80% dos investimentos em energia ainda estão comprometidos com combustíveis fósseis. O Brasil operou nas negociações da Cúpula da Amazônia para não ter nenhuma restrição à exploração de hidrocarbonetos, e descobrimos, em Belém, que o ministro de Minas e Energia é um negacionista climático que diz ter “estudos” que contradizem o IPCC. Mas a “aliança estratégica” proposta por Fernando Haddad entre meio ambiente e desenvolvimento pode ser um sinal de que algo se mexeu no pensamento econômico brasileiro. “Unir o país contra o desmatamento e o aquecimento global é produzir mais empregos de qualidade no nosso país”, disse o ministro. A gente já sabia disso. Mas amém, ministro.

Boa leitura.

O que fica da Cúpula da Amazônia

Encontro em Belém teve avanços, ausências, oportunidades perdidas e uma traição

A 4ª Cúpula da Amazônia acabou na última quarta-feira (9) em Belém e a pergunta de sempre permanece: o copo está mais cheio ou mais vazio?

Embora tenha sido inovadora ao trazer a sociedade civil em massa para três dias de debates e ao reconhecer a ciência no objetivo central de evitar o ponto de não-retorno da Amazônia, a cúpula foi vitimada pelo mesmo problema de outros eventos multilaterais: ela não consegue dar resposta satisfatória ao contexto de emergência climática em que vivemos.

Destacamos abaixo algumas mensagens-chave da reunião de Belém – as boas e as ruins.

O que foi bom:

  • Enfim, o primado da ciência: A Cúpula da Amazônia e seu documento principal, a Declaração de Belém, trazem um reconhecimento inédito à ciência ao terem como norte a necessidade de evitar o ponto de não-retorno do bioma. O documento final da cúpula menciona quatro vezes o ponto de não-retorno, como é chamado o colapso da floresta teorizado pela primeira vez no final dos anos 1980 e que vem ganhando evidências cada vez mais alarmantes nos últimos anos. Outro aceno à ciência foi a determinação de criar o Painel Intergovernamental Técnico-Científico da Amazônia no âmbito da OTCA, um IPCC dos países amazônicos. Uma iniciativa científica amazônica já existe, o Painel Científico para a Amazônia, mas ele é da academia. Ao tornar o painel intergovernamental, os líderes amazônicos se comprometem mais a seguir as conclusões dos cientistas.
  • Blocão das florestas: No que pode ser um legado político da cúpula, os países amazônicos se juntaram aos Congos e à Indonésia para formar um bloco político com o objetivo de negociar nos fóruns ambientais internacionais, como as convenções do Clima e da Diversidade Biológica. É a primeira vez que os grandes detentores de florestas tropicais do mundo se coordenam, o que pode ser útil para buscar recursos e fazer avançar agendas comuns. Leia aqui.
  • Diversidade: Cerca de 27 mil pessoas de todos os países amazônicos encheram os poucos hotéis de Belém para os Diálogos Amazônicos, uma rodada de debates da sociedade civil que antecedeu a cúpula de líderes. Indígenas, quilombolas, beiradeiros, camponeses e movimentos sociais diversos levaram suas pautas em 400 eventos, ganhando uma visibilidade inédita. Os Diálogos apresentaram um conjunto de recomendações para os presidentes – que decidiram ignorá-las. Mas a sociedade civil, em especial a amazônida, tornou-se uma força impossível de apagar daqui para a frente no que diz respeito à floresta. A Declaração de Belém também faz acenos à base social, ao formalizar a participação de indígenas na OTCA, comprometer-se com infraestrutura sustentável, com consultas no âmbito da Declaração 169 da Organização Internacional do Trabalho e prometendo inserir direitos dos defensores ambientais nas decisões da OTCA.
  • Petro e Susana: O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e sua elegantésima ministra do Meio Ambiente, Susana Muhamad, roubaram a cena em Belém. Petro, que tentou em vão empurrar a agenda de eliminação dos combustíveis fósseis, encarregou-se da dar a real a seus colegas em sua intervenção na plenária: disse que é um “contrassenso total” falar em emergência climática e seguir explorando combustíveis fósseis na Amazônia e chamou de negacionismo de esquerda a insistência dos países em extrair mais petróleo na região. Tamo junto, presidente.

O que foi ruim:

  • Sem metas de desmatamento: Apesar de todo o discurso em defesa da Pachamama, a mãe Terra, a Bolívia fez valer sua vontade de não adotar as metas de desmatamento zero propostas por Brasil e Colômbia. A Declaração de Belém acabou sem uma meta coletiva de zerar o desmate até 2030, o que produz a primeira grande dissonância cognitiva do documento: como evitar o ponto de não-retorno da floresta sem zerar o desmatamento, causa primária do ponto de não-retorno?
  • Queimando tudo até a última gota: O segundo ponto de dissonância cognitiva da declaração, claro, foi a briga em torno dos combustíveis fósseis. Petro, único a propor suspensão da exploração na Amazônia e a eliminação gradual dos principais causadores do aquecimento da Terra, perdeu a parada. Os países amazônicos preferiram não se comprometer. Se no caso do desmatamento Lula foi herói, aqui ele é o vilão da história, já que o Brasil insiste em abrir uma nova fronteira de hidrocarbonetos na Margem Equatorial, costa norte do país que inclui a Foz do Amazonas.
  • Mimimi comercial: Os países amazônicos usaram tanto a Declaração de Belém quanto o comunicado Unidos por Nossas Florestas, no dia 9, para atacar “medidas unilaterais” que constituam “discriminação arbitrária ou injustificável ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional”. O sujeito oculto do vitupério é a legislação aprovada no ano passado pela União Europeia que proíbe a entrada no bloco de commodities produzidas com desmatamento. Um certo país sul-americano situado entre a Venezuela e o Uruguai está #xatiado com a medida, que várias autoridades de seu governo têm chamado de “unilateral” (ainda que seja direito de qualquer consumidor não querer comprar desmatamento e que a lei europeia só implemente coisas que o Brasil já havia se comprometido a fazer).
  • Inclusão não tão inclusiva: A sociedade civil ganhou espaço inédito no encontro de Belém, mas não na negociação da cúpula. Diferentemente de outros fóruns multilaterais, observadores internacionais não foram admitidos em Belém, não participaram de nenhuma rodada de negociações e receberam a declaração já pronta. Apesar de ter sido criada uma ponte com os Diálogos, que tiveram suas conclusões relatadas aos chefes de Estado na plenária do dia 8, essas conclusões foram solenemente ignoradas pelos presidentes. Para piorar, a terça-feira teve uma crocodilagem de Lula com um ancião de mais de 90 anos: depois de emocionar o mundo subindo a rampa com o cacique Raoni, o presidente deixou o líder kayapó por mais de quatro horas esperando para encontrá-lo, metade desse tempo numa copa do Hangar, local da cúpula. E decidiu que não o encontraria.

América Latina está mergulhada em fósseis

A opção por ignorar a discussão sobre eliminação dos combustíveis fósseis na Declaração de Belém não é uma surpresa. A falta de metas para uma transição energética eficiente reforça o caminho escolhido pelos países para o enfrentamento (ou não) da crise climática. Como mostramos nesta reportagem, muitos países da América Latina seguem investindo na indústria de combustíveis fósseis. O Brasil, por exemplo, quer saltar de nono produtor de petróleo no mundo para a quarta posição. Já a Guiana tem a ambição de entrar no ranking por causa de grandes reservas petrolíferas descobertas recentemente. A Bolívia, que possui reservas de gás chegando ao fim, lançou novos projetos de exploração que incluem a busca por petróleo na Amazônia. Peru, Equador e Venezuela também têm seus planos ativos. A exceção é justamente a Colômbia, onde o presidente Gustavo Petro batalha com o Congresso para aprovar medidas contra a exploração de carvão, o fracking e caminhar para uma transição justa.

O PAC “ESG” de Lula 3

Dezesseis anos depois de criar um problemático Programa de Aceleração do Crescimento que nos legou tragédias socioambientais como Belo Monte, Lula voltou à carga – desta vez, aparentemente, com lições aprendidas. Nesta sexta-feira (11), o presidente reuniu autoridades no Teatro Municipal do Rio de Janeiro para anunciar o Novo PAC, com investimentos previstos de R$ 1,4 trilhão até 2026. Se o PAC-1 tinha como “mãe” a nacional-desenvolvimentista Dilma Rousseff, a nova versão do programa parece ter Marina Silva como madrinha: todo trabalhado no ESG, o PAC 2023 excluiu algumas obras ambientalmente polêmicas, como a BR-319, e mandou outras para estudos, como a exploração de petróleo na Margem Equatorial e a Ferrogrão, ferrovia que cortaria áreas protegidas no sul do Pará. Lula e ministros falaram sobre a necessidade de usar os investimentos em infraestrutura para promover a transição energética e o combate ao aquecimento global. E sobre “evitar erros cometidos no passado”. O presidente chegou a citar como exemplo as centenas de bilhões de dólares investidos pelos EUA e pela União Europeia em seus “green deals”, como ficaram conhecidos os programas de investimento em economia verde.

Mas o ponto alto dos discursos foi o do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O paulista deu algumas pinceladas do Plano de Transformação Ecológica, que sua equipe vem construindo e que, segundo o ministro, “agrega ao PAC”. “Trata-se da criação de uma nova conduta e postura em relação ao meio ambiente. Um novo tipo de interação com a natureza e a vida de todo o planeta”, disse Haddad.

Estruturado em seis eixos, entre eles bioeconomia, finanças sustentáveis, adensamento tecnológico, economia circular e transição energética, o plano é a aposta de Haddad para um “novo ciclo de desenvolvimento” do país.

Se é amor ou cilada ainda está para ser visto, mas Haddad parece determinado a finalmente usar as vantagens comparativas ambientais do país para impulsionar o crescimento com base numa economia verde. “Unir o país contra o desmatamento e o aquecimento global é produzir mais empregos de qualidade no nosso país”, disse o ministro. Oremos.

Temporada de fogo no Canadá não dá trégua

Há dois meses, os incêndios florestais no Canadá ganharam o noticiário internacional. A fumaça resultante das queimadas em junho foi tão intensa que chegou a mudar a paisagem em Nova York. De lá pra cá, o fogo não arrefeceu, como mostrou Priscila Pacheco direto do Canadá nesta reportagem. O país segue enfrentando a pior temporada de incêndios por área queimada da sua história, agravada pelas condições climáticas. Até o momento, foram ao menos 13,4 milhões de hectares devastados pelo fogo. O recorde anterior era de 1995, quando 7,1 milhões de hectares foram queimados no ano inteiro. Outro recorde negativo foi registrado nas emissões de gases-estufa resultantes das queimadas: de janeiro a julho deste ano, foram 290 milhões de toneladas em emissões de carbono por causa dos incêndios florestais. É quase quatro vezes mais a média do que foi emitido entre 2003 a 2022. O Canadá solicitou apoio internacional para combater as queimadas, e o Brasil é um dos países que ajudam na força-tarefa, com uma equipe do Ibama. Leia a reportagem completa aqui.

Desmatamento cai na Amazônia e explode no Cerrado

Apresentados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) na semana passada, os dados finais de alertas de desmatamento para o mês de julho trouxeram boas notícias para a Amazônia e péssimas para o Cerrado. Na floresta, houve queda de 66% nos alertas no mês, na comparação com o mesmo mês em 2022. Foi a segunda menor área sob alertas em toda a série histórica, iniciada em 2015. Entre janeiro e julho, a queda nos alertas foi de 42,5%, na comparação com o mesmo período do ano anterior. Entre agosto de 2022 e julho de 2023, os alertas caíram 7,4%. Já no Cerrado, o cenário é oposto. O segundo maior bioma do país registrou alta de 26% nos alertas de desmatamento em julho, na comparação com julho de 2022. Entre agosto de 2022 e julho de 2023, a alta é de 16,5%.

Na playlist

“Itamaraty”, da banda Fruto Sensual. No embalo da Cúpula da Amazônia, este belo espécime do tecnobrega de Belém não poderia ter um título melhor.

“Amor que senti”, da peruana Rossy War com o rei da guitarrada paraense Félix Robatto. Atenção às referências amazônicas e ao refrão precioso em portunhol.

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