Força Aérea Brasileira (FAB) mostra a estrutura do hospital de campanha em Ceilândia, no DF, para atender casos de dengue (Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)

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Na newsletter: Um petroleiro e um espião entram num bar em Baku

Edição de 24 de fevereiro também traz panorama sobre o surto de dengue no Brasil

26.02.2024 - Atualizado 14.03.2024 às 10:15 |

Enquanto o Brasil pulava Carnaval vibrando com os yanomâmis no Salgueiro, torcendo pela prisão de um golpista ou dez e tentando não pegar dengue, a revista científica Nature tratou de jogar água no nosso chope: em plena quarta-feira de Cinzas publicou um artigo científico por pesquisadores brasileiros descobrindo que quase metade da Amazônia pode entrar no estado pré-colapso até 2050. A combinação entre aquecimento global, desmatamento e manipulação está empurrando vastas porções da floresta tropical para um estado no qual a vegetação densa é abundante por um capim com poucos árvores, com efeitos catastróficos para o clima e a biodiversidade.

O estudo é o mais robusto publicado até aqui sobre o temido “ponto de virada” da Amazônia, teorizado nos anos 1990 e cada vez mais próximo, segundo um conjunto crescente de evidências. No ano passado, na Cúpula da Amazônia, líderes de nove países que compartilham o bioma se comprometeram a agir para evitar que ele atinja esse temido limiares – mas foram incapazes de concordar em zerar desmatamento e impedir a exploração de combustíveis fósseis, as duas únicas maneiras de salvar os ecossistemas amazônicos.

Entrevistado pelo OC, o ecólogo Bernardo Flores, da UFSC, que liderou o estudo conjunto com Marina Hirota , da mesma universidade, afirmou que, embora suas projeções falem em risco para 10% a 47% da floresta, nenhuma parte da Amazônia está a salvo . “Quanto mais se perder da Amazônia, mais a gente pode perder outras partes da Amazônia”, afirmou. Leia abaixo.

Calor e chuvas intensas fazem a alegria do mosquito; 151 pessoas já morreram

Você certamente tem algum amigo, parente ou conhecido que pegou dengue neste verão. E, se não tem, é porque quem pegou foi você. O ano de 2004 já registrou, em sete semanas, mais de 700 mil casos da doença, e quase cinco vezes mais casos por 100 mil habitantes do que todo o ano de 2023, que detém o recorde de casos neste século (1,6 milhão de afetados, empatado com 2015). No DF, a incidência é alucinante: 2.956 casos por 100 mil habitantes, sete vezes mais que a média nacional, já extraordinária. 

O número de casos de dengue registrados nas primeiras sete semanas de 2024 já é maior que o total de casos em 2014, 2017, 2018 e 2021, como mostra a série histórica do Ministério da Saúde. Além disso, três semanas deste ano, isoladamente, já concentraram mais casos do que a semana de pico de 2023. A alta até aqui é de 350% no número de casos em relação ao ano passado, e de 20% no número de mortes.

Como argumentamos aqui, uma série de estudos nos últimos anos vêm relacionando a expansão da dengue no Brasil com o aumento das temperaturas médias, a intensificação das chuvas de verão e a urbanização descontrolada. Tirando este último, todos os fatores são consistentes com um mundo em aquecimento. 

“ZERAR DESMATAMENTO NÃO BASTA”

A Amazônia está no rumo acelerado de um ponto de não retorno: a persistirem as tendências de desmatamento, degradação e aquecimento global, entre 10% e 47% do bioma podem ser empurrados para um estado no qual qualquer estresse mínimo, como um El Niño, causaria um colapso auto-sustentado da floresta, transformando-a em mata degradada, ou num deserto de brachiaria com árvores, ou em savanas empobrecidas. 

Zerar o desmatamento imediatamente e regenerar ou recuperar áreas desmatadas em grande escala são necessidades urgentes, para aumentar a resiliência da mata. Só que isso não evita o colapso se a humanidade não fizer nada a respeito do aquecimento global. “Se a gente zerar desmatamento e o [aquecimento global] continuar se intensificando, talvez a gente nem consiga zerar o desmatamento porque vai queimar para todo lado e a gente vai perder o controle”, diz o ecólogo Bernardo Flores, da Universidade Federal de Santa Catarina, um dos autores principais do estudo, em entrevista ao OC.

COLAPSO ABRUPTO DE CORRENTE DO GOLFO ESTÁ MAIS PRÓXIMO DO QUE VOCÊ GOSTARIA

Passou batido por nós, mas não pelo Jon Watts, do The Guardian: um novo estudo no periódico Science Advances sugere que a circulação meridional do Atlântico, conhecida pela sigla Amoc, pode estar perto de um colapso abrupto, após ter enfraquecido em 15% desde 1950. Esse conjunto de correntes oceânicas, cuja ramificação mais conhecida é a corrente do Golfo, distribui calor entre trópicos e o Ártico e torna grande parte da Europa cultivável. Seu desligamento repentino, encenado na ficção científica O Dia Depois de Amanhã, de 2004, teria impactos sérios para o clima – alguns contraintuitivos, como deixar a Europa gelada e seca muito rápido, tornando impossível a adaptação. 

Assim como no caso amazônico, a ideia de um ponto de não-retorno para a circulação do Atlântico vem sendo proposta há décadas e já passou por idas e vindas na ciência. Nos últimos anos, um corpo cada vez maior de evidências vem fortalecendo a hipótese de colapso. Ainda é impossível saber quando ele ocorrerá, mas este é mais um caso de uma peça grande do maquinário climático da Terra que foi um dia julgada inabalável e que descobrimos ser, na verdade, bastante frágil.

COMITÊ DA COP29 TERÁ CEO DO PETRÓLEO E ESPIÃO

Começou a funcionar no Carnaval a “troika”, como é chamado o trio de presidências de conferências do clima que tentará botar de pé a Missão 1.5, a tentativa de salvar a meta do Acordo de Paris. Emirados Árabes, Brasil e Azerbaijão (sedes das COPs 28, 29 e 30) farão ao longo dos próximos 18 meses uma série de reuniões para produzir um mapa do caminho para o aumento da ambição das novas metas climáticas que todos os países terão de apresentar até fevereiro do ano que vem, antes da COP de Belém. 

O Azerbaijão, cuja capital, Baku, hospedará a conferência do clima deste ano, já começou a organizar a COP29, mas se espelhando no coleguinha de troika errado. Primeiro deu a presidência da COP a um ex-executivo do petróleo. Depois, formou um comitê para a conferência sem nenhuma mulher (voltou atrás após uma grita internacional). Agora, nomeou para esse comitê simplesmente o CEO de sua petroleira estatal e o chefe do serviço de espionagem. Mal comparando, é como se o general Heleno fosse nomeado para organizar uma COP. Não que alguém tivesse esperança de que um país petroleiro e ditatorial fosse hospedar um evento aberto e inclusivo, com ampla participação da sociedade civil e enormes protestos de rua e sem influência do lobby petroleiro. Mas a escolha dessa turma para o comitê não tem nenhuma sutileza.

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