Obama faz alerta final contra negacionismo das mudanças climáticas
“Nossos filhos não terão tempo de debater a existência da mudança climática; estarão ocupados lidando com seus efeitos”, diz presidente americano em seu último discurso
CLAUDIO ANGELO
DO OC
Confirmando a mudança climática como um dos principais itens de sua agenda no final do mandato, o presidente dos EUA, Barack Obama, alertou nesta terça-feira que negar o aquecimento global é uma traição às futuras gerações e o espírito essencial do país.
Na noite de terça (madrugada de quarta-feira em Brasília) Obama fez seu discurso de despedida, em Chicago, seu berço político. A fala, de meia hora, foi centrada no futuro da democracia americana e nas ameaças a ela, bem como nas realizações de seus oito anos de governo.
Elegante, Obama conteve a plateia quando esta começou a vaiar o presidente eleito, Donald Trump: apontou que transições de poder são peça essencial do sistema democrático e – em sua única citação nominal a Trump – disse que garantiu ao eleito a transição mais tranquila possível, “assim como o presidente George W. Bush fez por mim”.
Mas não deixou de dar vários recados a Trump e a seus apoiadores, sobre temas que vão da polarização política impulsionada pelas bolhas ideológicas das redes sociais, passando pelo racismo, pela imigração, pela destruição de empregos na indústria – segundo ele, hoje causada mais pela automação do que pela concorrência de países estrangeiros – e, claro, pela mudança climática.
“Minha mãe dizia que a realidade sempre dá um jeito de pegar a gente”, afirmou o democrata. “Pegue o desafio da mudança climática: em oito anos nós reduzimos pela metade a dependência do petróleo estrangeiro, dobramos a quantidade de energias renováveis e lideramos um acordo que tem a promessa de salvar este planeta”, disse, sob aplausos. Foi uma referência ao Acordo de Paris, tornado possível por uma costura diplomática entre os EUA e a China, os dois principais poluidores do mundo. Em 2009, o mesmo Obama se uniu ao governo chinês para impedir que a conferência do clima de Copenhague produzisse um acordo climático abrangente. Desde então, porém, o panorama energético nos dois países mudou muito, com o gás natural barato suplantando o carvão mineral na geração de energia nos EUA e permitindo a Obama enfim agir contra as emissões de carbono, enquanto a China passou a produzir painéis solares e turbinas eólicas a preços competitivos.
“Mas, sem uma ação mais decidida, nossos filhos não terão tempo de debater a existência da mudança climática; eles estarão ocupados lidando com seus efeitos: mais desastres ambientais, mais danos econômicos, ondas de refugiados climáticos em busca de abrigo”, prosseguiu. “Nós podemos e devemos discutir a melhor maneira de solucionar o problema. Mas simplesmente negar o problema não apenas é uma traição às futuras gerações, é também uma traição ao espírito essencial deste país, o espírito essencial da inovação e da resolução prática de problemas que guiou nossos fundadores.”
Foi a primeira vez que um presidente americano ligou diretamente o combate ao aquecimento global aos princípios legados pelos “pais fundadores” da democracia americana, aos quais ele se referiu mais de uma vez no discurso. Foi uma tentativa final de consolidar o próprio legado na área ambiental e de marcar suas diferenças em relação a Trump.
O republicano, conhecido por sua negação do aquecimento global, prometeu na campanha “cancelar” o Acordo de Paris e encheu seu gabinete de negacionistas do clima. Nomeou para a EPA (Agência de Proteção Ambiental) o advogado-geral de Oklahoma, Scott Pruitt, que está processando a mesma EPA sobre o Plano de Energia Limpa, baixado por Obama para cumprir as metas americanas de redução de emissões. E, para secretário de Estado, principal cargo da diplomacia mundial, escolheu Rex Tillerson, presidente da petroleira Exxon – provavelmente a empresa que mais fez para financiar o negacionismo climático desde os anos 1970, quando seus próprios cientistas concluíram que o petróleo estava ligado ao aquecimento da Terra.
As próximas semanas dirão se Trump é uma ameaça tão grande ao clima quanto aparenta ser. Tudo até aqui indica que sim. Alguns analistas, porém, apostam em que Trump terá de se curvar às evidências – não científicas, mas econômicas: o setor de tecnologias limpas cresceu tanto nos EUA, com empresas como a Tesla, que jogar contra o Acordo de Paris poria em risco uma parcela importante da indústria e dos empregos no país. O próprio Obama, em artigo publicado na segunda-feira na revista científica Science, lembrou que quem matou o carvão nos EUA não foram as regulações climáticas, mas a concorrência do gás natural. E disse que a transição para as energias limpas é “irreversível”.