A estudante Ana Clara Benevides, vítima do calor extremo no Rio (Foto: Reprodução)

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Os 60 graus no Rio e nosso fracasso coletivo

Newsletter de 18 de novembro

20.11.2023 - Atualizado 11.03.2024 às 08:31 |

A newsletter de hoje não tem introdução. Tudo o que poderíamos dizer ou que os brasileiros deveriam saber sobre o tamanho do abismo mantido aberto no Brasil pelas mudanças climáticas foi dito pelo advogado Thiago Amparo em sua coluna sobre a onda de calor na Folha de S.Paulo no último dia 15.

“Está calor para quem?”, questiona Amparo. “Quantos aparelhos de ar-condicionado ou umidificador de ar você tem em casa? Em SP, apenas 210 das 5.600 escolas da rede estadual possuem sistema de refrigeração (3,7%), segundo dados oficiais; em 12 escolas em Guarulhos as paredes e telhas são de chapa de aço, superaquecidas. Você trabalha ao ar livre sob o sol ou em lugares fechados sem proteção ao calor? Você tem descanso remunerado ou possui flexibilidade de horário?”

Em 2022, a ecóloga Patrícia Pinho, do Ipam, coautora do IPCC, já havia dito que a crise climática tem gênero, etnia e geografia. O clima é um turbinador de desigualdades, e a onda de calor de novembro no Brasil fez essa constatação explodir na nossa cara. À medida que a humanidade fracassa em solucionar o problema, várias outras coisas explodirão na nossa cara nos próximos anos.

Rio, 60 graus

A morte por parada cardiorrespiratória da estudante Ana Clara Benevides sob uma sensação térmica de 60oC no show de Taylor Swift no Rio, nesta sexta-feira, foi a manchete mais recente da onda de calor extraordinária que ainda castigava o Centro-Sul do Brasil no momento em que esta newsletter era escrita. Oitavo evento de temperatura extrema do ano, o extremo abalou o país não apenas por sua intensidade, mas também pelo timing: ele ocorre em novembro, em tese estação chuvosa em grande parte do Brasil.

A venda de aparelhos de ar-condicionado aumentou 38% no segundo semestre. As buscas pelo low cost 12.000 btus, por exemplo, cresceram 3.350%, mostram dados do Google Trends da quinta-feira (16). Já a pesquisa por um tipo de ventilador aumentou 2.700%. Buscas para “como aliviar o calor à noite” e “como aliviar o calor de gatos” também tiveram aumento repentino, assim como “onda de calor no Brasil 2023” e “alerta vermelho”. Paramos por aqui, porque a lista é grande.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a semana terminou com 15 estados e o Distrito Federal com alerta de onda de calor com grande perigo, que é quando a temperatura está 5 °C acima da média por um período maior do que cinco dias e oferece risco à saúde.

Na quinta-feira, o Rio de Janeiro (RJ) teve a tarde mais quente do ano até o momento ao registrar uma máxima de 40,6 °C; em Guaratiba, Zona Oeste, a sensação térmica ultrapassou os 58oC no dia 14. No entanto, as liderança do ranking infernal estão com cidades do interior do Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e do próprio Rio de Janeiro. Porto Murtinho (MS) liderou com 43,1 °C nesta sexta-feira (17).

Como a desgraça nunca é suficiente, a região sul está sob alerta de temporais. Sudeste e Centro-Oeste também. Lembremos que São Paulo, o estado mais rico do Brasil, não aguenta tempestade nem rajadas de ventos. Em 3 de novembro, o temporal e a ventania causaram ao menos oito mortes e deixaram cerca de 1,5 milhões de pessoas sem energia elétrica por vários dias.

Fogo em pleno novembro reacende trauma no pantanal

O Pantanal já enfrenta o pior novembro de queimadas da série histórica iniciada em 1998. Na sexta-feira (17), o número de focos de incêndio alcançava 3.098. O recorde anterior para novembro era do ano 2002, quando houve 2.328, mostra o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Nomes tetricamente famosos como Porto Jofre e Parque do Rio Negro voltaram a frequentar o noticiário, apenas três anos depois da catástrofe dos incêndios de 2020, que arrasaram 25% do bioma. Segundo reportou a Folha, a cidade de Miranda (MS) foi tomada por uma chuva de cinzas na última semana. Em 2023, o bioma já teve 1 milhão de hectares queimados. Isso em plena estação que deveria ser chuvosa.

Calor em 2023 poderá ser o maior em 125 milênios

A Climate Central analisou as temperaturas do ar registradas nos últimos 12 meses (1° de novembro de 2022 a 31 de outubro de 2023) e concluiu que houve um aumento na temperatura global de 1,32 °C em comparação com a era pré-industrial (1850-1900). No período avaliado, 90% da população mundial enfrentou pelo menos dez dias de calor extremo. Em Manaus, as ondas de calor no período foram pelo menos cinco vezes mais prováveis devido às alterações climáticas. Na mesma semana, o serviço europeu Copernicus concluiu que 2023 deve ser o ano mais quente dos últimos 125 mil anos. A última vez que se viu um calor desses na Terra foi no Período Eemiano, quando o manto de gelo da Groenlândia praticamente desapareceu e o nível do mar subiu 10 metros. Apertem os cintos.

Petroleiras ganharam US$ 30 tri f**endo o planeta

Um estudo publicado na última quinta-feira (16) pela Climate Analytics avaliou 25 grandes empresas produtoras de combustíveis fósseis e concluiu que, entre 1985 e 2018, elas lucraram US$ 30 trilhões e causaram danos climáticos de pelo menos US$ 20 trilhões. Ou seja, poderiam ter pago pelo estrago que fizeram no mundo e ainda sobraria US$ 10 trilhões de troco pra, sei lá, comprar uma água mineral ou um chiclete. A Companhia Nacional de Petróleo Abu Dhabi (ADNOC), por exemplo, teve um lucro de US$ 1,7 trilhão, enquanto o valor estimado para as perdas e danos parciais foi de US$ 700 bilhões. A petroleira é comandada pelo anfitrião da COP28, Sultan Al-Jaber. A Petrobras não fica muito atrás. Os ganhos foram estimados em US$ 700 bilhões, e os investimentos para cobrir as perdas e danos seriam de US$ 500 bilhões.

Países planejam 110% mais fósseis que limite de Paris

O Relatório de Lacunas para a Produção 2023 publicado na última quinta-feira (8) pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, mostrou que a produção de combustíveis fósseis planejada pelos governos do mundo inteiro para 2030 é 110% maior do que o compatível com a meta de Paris. A produção prevista impediria até a meta menos ambiciosa de Paris, de 2ºC (explodindo o limite em “apenas” 69%). Os governos pretendem aumentar a produção global de carvão até 2030 e a produção de óleo e gás até, no mínimo, 2050, a despeito das metas climáticas prometidas (já insuficientes). Na última sexta-feira (16), um grupo de 61 organizações ambientalistas brasileiras entregou ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, uma proposta de mapa do caminho para uma eliminação gradual de combustíveis fósseis: Petroestados e países ricos devem fechar seus poços primeiro, mas ninguém poderia explorar novas áreas, como a Margem Equatorial brasileira. O ministro deu uma tergiversada.

NDCs na mesa cortariam 2% das emissões em 2030

Faltam apenas sete anos para o prazo final, mas o sentido de urgência parece não ter chegado aos países para a elaboração e implementação de suas metas climáticas. Enquanto as emissões de gases de efeito estufa precisam cair 43% até 2030 para que a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC siga viável, as contribuições nacionais ao tratado, se cumpridas, levariam a uma redução de míseros 2% nas emissões até o fim da década. A conclusão é do relatório de avaliação das Contribuições Nacionalmente Determinadas, lançado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) na última terça (14).

Desmatamento cai 22% e surpreende geral

Se alguém botasse uma arma na cabeça dos autores desta newsletter seis meses atrás e exigisse uma aposta sobre a taxa de desmatamento de 2023, diríamos que iria subir ou ficar igual à de 2022. Afinal, o último semestre de governo militar foi uma espécie de baile da Ilha Fiscal, com a devastação subindo 54% diante da perspectiva do Jair perder a eleição. Oito meses de Marina Silva depois, as estimativas do Prodes, sistema de monitoramento do Inpe, mostram uma queda de 22,3%, de 11.954 km2 para 9.001 km2. O trabalho do Ministério do Meio Ambiente, contra o qual joga boa parte do governo e do PT, deu a Lula o melhor trunfo para exibir daqui a duas semanas na COP28, em Dubai. E, segundo o ministro Carlos Fávaro (Agricultura), agradou até mesmo às grandes empresas de commodities, que lucram com a devastação, mas perdem com o dano de imagem causado por ela.

Congresso quer derrubar vetos de Lula ao marco temporal

O Congresso se prepara para analisar os vetos do presidente Lula ao PL do Genocídio Indígena, o PL 2903. Necessário dizer: em acordo negociado com a articulação política do governo. A bancada ruralista pretende derrubar os vetos de Lula, o que deixaria 55 milhões de hectares de florestas em terras indígenas na Amazônia expostos ao desmatamento. Os dados, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, foram publicados em um alerta à sociedade brasileira e ao Parlamento lançado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e pelo OC. Sem os vetos, abre-se caminho para a redução ou extinção de territórios já demarcados, para a inviabilização de novas demarcações e para a permissão de obras em terras de grupos isolados. Mais aqui.

Pesticidas mataram crianças por leucemia

Eles não gostam de ser chamados de “bancada do câncer”, e nós de jeito nenhum estamos sugerindo que a bancada ruralista seja a “bancada do câncer”, porque o Jurídico não deixa. Mas fica difícil obedecer ao Jurídico quando a gente lê coisas como o estudo liderado pela americana Marin Skidmore, da Universidade de Illinois, que correlacionou fortemente pelo menos 123 mortes de crianças por leucemia podem ser atribuídas à expansão das lavouras de soja e seus respectivos agrotóxicos nos últimos 11 anos na Amazônia e no Cerrado, como reportou Giovana Girardi na Agência Pública. A bancada-que-não-é-do-câncer, lembremos, tenta aprovar ainda este ano no Congresso, o fim do controle pelo Ibama e pela Anvisa de pesticidas no Brasil, e a liberação de produtos cancerígenos.

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