Sem acordo, licenciamento ambiental deve ser votado amanhã
Governo libera base para votação em comissão de projeto de deputado ruralista; para Ibama, projeto tem seis problemas, que incluem dano a áreas protegidas e aumento de isenção de licença para atividade rural
DO OC – Duas semanas depois de a Câmara dos Deputados ter salvo o presidente Michel Temer de ser investigado no Supremo por corrupção, um dos temas mais caros à bancada ruralista pode ser votado numa comissão da Casa: o licenciamento ambiental.
Está marcada para a manhã desta quarta-feira (16) na Comissão de Finanças e Tributação a leitura e possivelmente votação do parecer do deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), que introduz flexibilizações na lei de licenciamento consideradas inaceitáveis pelo Ibama e por ambientalistas.
Caso seja votado e aprovado na comissão – de maioria ruralista –, o projeto vai a plenário. Segundo o OC apurou, o governo não intervirá no processo e liberou sua base parlamentar para votar como quiser.
Dessa forma, Temer recua de um acordo que havia feito com o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PM-MA), para votar o texto construído durante mais de um ano pela área ambiental do governo, e que definia a localização do empreendimento como critério mais importante para definir o rigor de uma licença.
Por essa lógica, chamada “locacional”, um posto de gasolina na cidade de São Paulo teria um processo de licenciamento diferente de (e mais simples que) uma estrada na Amazônia, por exemplo.
O acordo, porém, havia sido feito antes de estourar a denúncia de Joesley Batista, que virou o jogo político definitivamente para o lado da bancada mais numerosa do Congresso – a ruralista, que forneceu os votos que salvaram Temer da primeira flechada do procurador Rodrigo Janot.
Flexibilizar o licenciamento ambiental, isentando as propriedades rurais, é pauta prioritária da Frente Parlamentar da Agropecuária: para dar apenas um exemplo, nas últimas duas semanas, ele já foi duas vezes pauta dos almoços que a bancada realiza às terças-feiras em Brasília para planejar suas ações. Em um deles, o do dia 1o de agosto, teve presença do Presidente da República. “A orientação é para andar adiante”, disse o relator ao OC, referindo-se à carta branca do governo para o assunto ir a voto. “Se nosso projeto estiver errado, vamos ser derrotados.”
Segundo Pereira, a negociação do texto com a área ambiental se esgotou e, nos pontos onde não há acordo, serão feitos destaques. “O Ibama queria que ninguém tivesse projeto”, disse o relator.
A presidente do Ibama, Suely Araújo, produziu a pedido de Sarney uma análise da versão do texto que poderá ser votada nesta quarta-feira. Por um lado, ela diz reconhecer que o número de pontos de discórdia foi “bastante reduzido” em relação às versões anteriores do projeto.
Por outro lado, Araújo ainda identifica seis pecados capitais na proposta.
O primeiro e mais espinhoso deles é o artigo 12 da lei: os ruralistas e seus aliados na Confederação Nacional da Indústria propõem que o critério locacional, essência da proposta do Meio Ambiente, seja esquecido.
No lugar disso, Estados e municípios definiriam o grau de rigor do licenciamento ambiental. A presidente do Ibama tornou a repetir que isso causaria uma “guerra ambiental” entre Estados e municípios, na qual um tentaria afrouxar mais do que o outro as exigências para atrair mais empreendimentos.
O segundo ponto crítico é um potencial desastre para as áreas protegidas do país: pelo texto de Pereira, os órgãos gestores de unidades de conservação, como o Instituto Chico Mendes, perderiam o poder que têm hoje de vetar um empreendimento caso este afete uma unidade de conservação. Pior ainda, o texto extingue a compensação monetária devida pelos empreendedores quando uma área protegida for impactada. Araújo diz que o dispositivo “colide” com a Constituição.
Um terceiro artigo reduz num passe de mágica o número de etapas do licenciamento de estradas, ferrovias e linhas de transmissão de energia. Hoje esse licenciamento é feito em três etapas – licença de prévia, de instalação e de operação. Pelo relatório de Mauro Pereira, a licença de instalação já valeria como a de operação.
O projeto também busca criar uma facilidade adicional ao agronegócio. A isenção de licença ambiental para agropecuária extensiva era a principal demanda da bancada ruralista, e Sarney já entrou na negociação com a FPA cedendo nesse ponto – contrariando os ambientalistas e alguns técnicos do próprio ministério.
No entanto, a versão anterior do texto isentava a licença caso o imóvel rural estivesse “regularizado”, ou seja, em conformidade com o Código Florestal.
A última versão do texto troca a expressão “regularizado” por “em regularização”. Isso quer dizer que qualquer fazendeiro que tenha pedido um registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR) poderá ser dispensado de licenciamento.
Acontece que o CAR é autodeclaratório e não precisa necessariamente ser verdadeiro: o registro é usado inclusive para grilagem de terras (entenda como neste vídeo do OC). Para que a regularização aconteça ele precisa ser validado pelo poder público e o proprietário precisa adotar ações de recuperação. Apenas 6% dos inscritos no CAR o fazem, segundo uma pesquisa recente.
“As polêmicas sobre a proposta não se esgotam nos seis problemas acima destacados pelo Ibama”, escreveu Araújo.
De acordo com Maurício Guetta, do Instituto Socioambiental, o último substitutivo é pior que os anteriores. “Ele enfraquece radicalmente as regras de licenciamento ambiental no Brasil. Além disso, novas emendas poderão ser apresentadas no plenário para flexibilizar ainda mais as regras do licenciamento”.
Não há indícios para acreditar que haverá mudanças ou vetos a esta versão do projeto. Afinal, o licenciamento flex, foi criado e sustentado pelos ruralistas – e mais do que nunca o clima está favorável à bancada mais numerosa do Congresso. A tendência é que seja aprovado pela comissão e siga para plenário, tornando qualquer mudança em prol do Meio Ambiente cada vez mais improvável. (CLAUDIO ANGELO E LUCIANA VICÁRIA)