Ativistas protestam na COP28 pelo fim da exploração de combustíveis fósseis (Bianca Csenki/UNFCCC)

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Mundo deve ultrapassar limite de aquecimento de Paris até mês que vem

Sistema europeu mostra que temperatura global em 2023 foi quase 1,5ºC maior que média pré-industrial, quebrando com folga o recorde de 2016

09.01.2024 - Atualizado 14.03.2024 às 10:18 |

DO OC – Que 2023 foi o ano mais quente da história desde o início das medições, em 1850, todo mundo que não chegou de Marte ontem já sabe. Mas o serviço climatológico europeu Copernicus acaba de botar números nessa tragédia: dados publicados nesta terça-feira (9) indicam que o aquecimento global chegou a 1,48ºC acima da média pré-industrial. A temperatura média da Terra entre janeiro e dezembro foi de 14,98ºC, superando com folga os 14,81ºC registrados em 2016, o ano mais quente até então.

Mas calma, que piora: segundo o Copernicus, é provável que no período de 12 meses que se encerra neste mês ou no próximo o aquecimento ultrapasse 1,5ºC, o limite de temperatura preconizado pelo Acordo de Paris. Acima desse valor, segundo a ciência, os efeitos da ebulição global se tornam muito mais difíceis e caros de manejar, e alguns sistemas planetários deverão sofrer danos irreversíveis.

O IPCC, o painel de ciência do clima da ONU, já mostrou, por exemplo, que a maior parte dos recifes de coral do planeta morrerá com um aquecimento acima de 1,5ºC; geleiras de montanhas tropicais e partes dos mantos de gelo da Antártida e da Groenlândia – que controlam o nível do mar no mundo – entrarão em colapso irreversível, nações insulares no Pacífico sumirão sob as águas e porções do Nordeste brasileiro se tornarão deserto.

A ultrapassagem do limite em 2024 não deve ser permanente; com o enfraquecimento do El Niño, nos próximos meses, a Terra deve voltar para temperaturas “apenas” 1,2ºC ou 1,3ºC mais quentes que as pré-industriais. O problema é que a próxima ultrapassagem de 1,5ºC deve acontecer até o final desta década, e será irreversível a menos que a humanidade faça algo que hoje parece impossível: reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% nos próximos seis anos (até o ano passado elas só vinham crescendo).

A previsão do Copernicus é ainda mais alarmante do que a que havia sido feita dias atrás pelo climatólogo americano James Hansen, o primeiro cientista a declarar, nos anos 1980, que o aquecimento global já havia começado. Hansen afirmou que o limite de Paris em 12 meses seria rompido em maio. Estamos no processo de virada para um mundo de 1,5ºC”, declarou o cientista aposentado da Nasa ao jornal The Guardian. “Pode apostar U$ 100 contra uma rosquinha nisso, e você vai ganhar uma rosquinha de graça se achar algum idiota disposto a fazer a aposta.”

Hansen tem dito, porém, que o planeta visitará apenas brevemente o limite de 1,5ºC e atingirá pavorosos 2ºC de aquecimento já na próxima década se não forem adotadas ações radicais para controlar o balanço energético do planeta. Nesse ponto ele destoa de vários de seus pares na comunidade científica, que não veem neste momento uma aceleração muito aguda do superaquecimento global. Ele também tem defendido medidas radicais, como a geoengenharia – cujos efeitos colaterais são imprevisíveis –, para limitar ao máximo o aumento de temperatura nos próximos anos.

Segundo o Copernicus, o ano de 2023 foi o primeiro no registro histórico em que as temperaturas excederam 1oC em relação ao pré-industrial todos os dias. Quase metade do ano teve aquecimento maior que 1.5ºC e, nos dias 17 e 18 de novembro, o aquecimento ultrapassou 2ºC pela primeira vez. Julho e agosto, meses de início do El Niño e auge do verão boreal (normalmente os meses mais quentes do ano, porque a maior parte das terras emersas do mundo está no hemisfério Norte), foram os mais quentes da história.

Dados do Copernicus mostram temperaturas quinquenais (esq.) e anuais, com o recorde de 2023

Os dados divulgados nesta terça-feira vêm do ERA5, um sistema de informação climática conhecido como reanálise. Trata-se de uma combinação de dados de observação (como termômetros e satélites) e modelos climáticos computacionais. “Como as observações são distribuídas de forma desigual e apresentam lacunas, sozinhas podem não fornecer tudo de que precisamos para ter um quadro completo. Então as reanálises preenchem as lacunas do registo observacional”, explica a climatóloga Karina Lima, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O cruzamento de modelos e observações também mostra que as temperaturas do oceano também bateram recordes históricos e estão relacionadas tanto ao calor anormal nos continentes quanto a eventos extremos inéditos, como a redução do gelo marinho na Antártida em pleno inverno.

Os recordes esmigalhados de aquecimento e de eventos extremos contrastam com a pasmaceira na comunidade internacional para atacar as causas da emergência climática – os combustíveis fósseis e o desmatamento tropical. No final do ano passado, a COP28, a conferência do clima de Dubai, foi incapaz de acordar um processo de negociação para a eliminação rápida dos combustíveis fósseis.

O texto final da conferência, embora avance ao mencionar esses produtos pela primeira vez como causadores da crise, não diz claramente que eles devem ser eliminados, nem quando, nem de que forma. Enquanto isso, todos os grandes produtores de petróleo do mundo, inclusive o Brasil, fazem planos para aumentar sua produção.

“Os extremos que observamos nos últimos meses dão um testemunho dramático do quão longe nós estamos agora do clima no qual nossa civilização se desenvolveu. Isso tem consequências profundas para o Acordo de Paris e para todas as esferas de atividade humana”, disse Carlo Buontempo, diretor do serviço Copernicus de mudança climática.

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